Estamos iniciando a Semana Santa, preparando-nos mais intensamente para caminhar com Jesus na sua Páscoa. A Grande Semana lembra-nos o evento fundante da nossa vida cristã: a Morte-Ressurreição de Cristo.
O preço da encarnação foi a cruz. Compreendemos que em cada situação concreta de nossa vida existe uma diferente forma de compreensão do amor de Deus. Sofrendo a sua paixão, Jesus representa todas as pessoas que foram ou são crucificadas pela injustiça, pelo mal ou pela doença, pela violência ou solidão.
A Igreja professa e proclama que a manifestação clara da misericórdia se verificou em Jesus crucificado e ressuscitado, isto é, no Mistério pascal. É este Mistério que contém em si a mais completa revelação da misericórdia, isto é, daquele amor que é mais forte do que a morte, mais poderoso do que o pecado e que todo o mal, do amor que ergue o homem das suas quedas, mesmo mais profundas, e o liberta das maiores ameaças (DM 15).
Chegou a hora de Jesus, chegou a hora de sua Páscoa! A misericórdia de Deus, que no evento da cruz parece negada, nos vem harmonizada com a justiça, pois, fiel ao amor que a motiva, a misericórdia aplaca a vingança, resgata o outro e termina por realizar, em sentido pleno, a própria justiça.
O Filho de Deus fez-Se homem para, num supremo ato de louvor, devolver toda a criação Àquele que a fez surgir do nada. Assim, Ele, o sumo e eterno Sacerdote, entrando com o sangue da sua cruz no santuário eterno, devolve ao Criador e Pai toda a criação redimida. Fá-lo através do ministério sacerdotal da Igreja, para glória da Santíssima Trindade. Verdadeiramente este é omysterium fidei que se realiza na Eucaristia: o mundo saído das mãos de Deus criador volta a Ele redimido por Cristo (EE 8).
A festa do Domingo de Ramos que estamos celebrando, faz memória da entrada de Jesus na cidade montado num jumentinho, aclamado pelas crianças, pelos pobres, pelas mulheres: “Bendito seja aquele que vem como Rei, em nome do Senhor!”(Lc 19,38).
É neste Domingo de Ramos, que acontece em todo o Brasil a Coleta Nacional da Solidariedade, gesto concreto de fraternidade, partilha e solidariedade, feito em âmbito nacional, em todas as comunidades cristãs, paróquias e dioceses. A Coleta da Solidariedade é parte integrante da Campanha da Fraternidade. A Igreja espera que com esta motivação todos participem, oferecendo sua doação em favor das pessoas, grupos e comunidades, pois: “Ao longo de uma história de solidariedade e compromisso com as incontáveis vítimas das inúmeras formas de destruição da vida, a Igreja se reconhece servidora do Deus da vida” (DGAE, n. 66).
O gesto fraterno da oferta tem um caráter de conversão quaresmal, condição para que advenha um novo tempo marcado pelo amor e pela valorização da vida.
É nesta Semana Maior, a mais significativa de todas as semanas do ano, que se realizam os grandes mistérios da Humanidade: a morte do Filho de Deus humanado para remir o mundo do pecado. O Domingo de Ramos abre a Semana Santa com duas celebrações: a triunfante Procissão dos Ramos, e a Missa da Paixão, com a narrativa dos sofrimentos do Senhor. A realeza de Cristo é o triunfo da graça sobre o pecado, e esta é o fruto do sacrifício Redentor no Calvário. O relato da Paixão que hoje narra o evangelho nos revela o trecho final deste segundo êxodo, no qual Jesus vive ao máximo a solidariedade com a humanidade, com tantos povos que, ao longo da história, têm sofrido diferentes êxodos, diferentes escravidões, migrações e perdas.
Jesus vai ser morto como o novo cordeiro pascal: sua vida e morte são o início de novo modo de vida, no qual não haverá mais escravidão do dinheiro e do poder. Quando os cristãos dirigiram seus olhos até o rosto do Crucificado, eles contemplaram o amor imenso de Deus que se entregou até a morte por nossa salvação. Se olharmos mais detidamente, logo descobriremos o rosto de muitos crucificados que, longe ou perto de nós, estão reclamando nosso amor de solidariedade e compaixão.
O ponto mais excelente da Semana Santa é o Tríduo Pascal: a quinta, a sexta, o sábado santo, chamado tríduo sacro. Remonta aos primeiros séculos da Igreja e é o Tríduo da paixão e ressurreição, que abrange a totalidade do mistério pascal. Assim se expressa no calendário: Cristo redimiu o gênero humano e deu perfeita glória a Deus, principalmente através de mistério pascal: morrendo, destruiu a morte e ressuscitando restaurou a vida. São três dias comumente chamados de “santos” porque nos fazem reviver o evento central da nossa Redenção; reconduzem-nos, de fato, ao núcleo essencial da fé cristã: a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo. São dias que poderemos considerar com um único dia: eles constituem o coração e o centro de todo ano litúrgico, como também da vida da Igreja.
O Tríduo Pascal da paixão e ressurreição de Cristo é, portanto, o centro e o cume de todo o ano litúrgico. Logo estabelece a duração exata do Tríduo: O Tríduo Pascal começa com a missa vespertina da ceia do Senhor, na Quinta-Feira Santa, alcança o seu apogeu na vigília pascal e termina com as vésperas do domingo de Páscoa. Todo este espaço de tempo forma uma unidade que inclui os sofrimentos e a glória da ressurreição.
A Quinta-Feira Santa está marcada pela instituição da Eucaristia, “verdadeiro sacrifício vespertino”. O ritual proíbe a celebração da eucaristia sem fiéis e recomenda a concelebração, que confere à cerimonia litúrgica uma nota de eclesialidade eucarística e de unidade entre eucaristia e sacerdócio. A cerimonia sugestiva e humilde do Lava-Pés orienta-se também para a Eucaristia.
A Sexta-feira Santa da Paixão do Senhor é constituída por uma liturgia austera e sobria. O centro da celebração é uma assembleia litúrgica não eucarística. É um dia de intenso luto e dor, mas iluminado pela esperança cristã. A devoção à Paixão do Senhor está fortemente arraigada na piedade cristã. A Igreja apresenta grande austeridade, nada distrai o nosso olhar do altar e da cruz. A procissão do Senhor Morto é a expressão de nossa devoção.
O grande Sábado Santo é um dia de serena esperança e preparação orante para a ressurreição. Os cristãos dos primeiros séculos jejuavam neste dia como na sexta-feira santa, era o tempo em que o esposo os tinha deixado (Mt 2,19).
A Vigília Pascal é uma vasta celebração da Palavra de Deus que continua com o batismo e com a Eucaristia; os símbolos são abundantes e de uma grande riqueza espiritual: o ritual do fogo e da luz, o Círio Pascal, que evoca a ressurreição de Jesus e o povo de Israel no deserto guiado pela coluna de fogo; a liturgia da Palavra com Salmos e orações, percorrendo as etapas da história da salvação; a liturgia da iniciação cristã que, pelo Batismo, incorpora novos filhos na Igreja; a renovação das promessas batismais e a aspersão com a água benta que recorda a água com que fomos batizados; por fim a Eucaristia que proclama a ressurreição do Senhor, esperando a sua última vinda (1Cor 11,26).
A liturgia convoca de novo os fiéis para o “dia que fez o Senhor” na missa do dia. A piedade cristã realiza a procissão de Cristo ressuscitado, ornamentando as estradas, tocando sinos e entoando o canto “Regina Coeli” à mãe de Jesus. O Aleluia, que fora suprimido na Quaresma, aparece repetidas vezes em sinal de alegria e vitória, de forma que o Aleluia pascal se torna a aclamação própria do mistério pascal.
Celebremos, caríssimos irmos e irmãs, a Semana Santa com o vigor da nossa fé e a alegria da nossa esperança. A Paixão de Cristo continua ainda hoje, sob nossos olhos, da mesma forma que a sua Ressurreição... Qual é o nosso papel? Temos a impressão de que os nossos caminhos de cruz se eternizam (IHU). É verdade! Mas não esqueçamos que eles desembocam necessariamente sob o sol da manhã da Páscoa; caso contrário as nossas cruzes são inúteis e os nossos caminhos não nos conduzem a lugar nenhum...
Páscoa é passagem da morte para a Vida, da escravidão para a libertação. Sempre que no cotidiano conseguimos passar de uma situação difícil para uma situação melhor, realizamos Páscoa, a exemplo de Cristo que passou da paixão e morte para a Vida e a Ressurreição. “Não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles a quem se ama.”