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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Sob o signo do respeito e da solidariedade!


 
O tempo quaresmal permite-nos “mergulhar com o olhar da fé, em atitude de discernimento na realidade que nos cerca, à luz da Pessoa, da Vida e Palavra de Jesus Cristo” (DGAE 17).
 
     Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, há um processo de desvalorização e deslegitimação dos governos, mesmo os constituídos na legitimidade democrática (doc 91,11).
 
     A Igreja, através da CNBB, tem manifestado sua preocupação diante do delicado momento pelo qual passa o País. O escândalo da corrupção na Petrobras, as recentes medidas de ajuste fiscal adotadas pelo Governo, a crise na relação entre os três Poderes da República e manifestações de insatisfação da população são alguns dos sinais de uma situação crítica que, negada ou mal administrada, poderá enfraquecer o Estado Democrático de Direito, conquistado com muita luta e sofrimento.
     Nesta hora em que renovamos a esperança (DAp 15), queremos fortalecer a nossa fé “sob o signo da solidariedade, do respeito e do amor” (CDSI,18):  A Igreja caminha com toda a humanidade ao longo das estradas da história. Ela vive no mundo e, mesmo sem ser do mundo (Jo 17,14-16), é chamada a servi-lo seguindo a própria vocação.
 
O Concílio Vaticano II deu-nos demonstração eloquente de solidariedade, respeito e amor para com toda a família humana, instaurando com ela um diálogo sobre tantos problemas, esclarecendo-os à luz do Evangelho e pondo à disposição do gênero humano o poder salvífico que a Igreja, conduzida pelo Espírito Santo, recebe do seu Fundador. Com efeito, é a pessoa humana que se trata de salvar, é a sociedade humana que importa renovar.
 
Jacques Vigneron acreditaque devemos desenvolver a generosidade contra todas as ideologias, contra todos os economistas, contra todos os espertos e até, contra todos os sábios. Para ele, a generosidade está nas raízes da educação (Humanismo cristão e comunicação). Já o humanista Alceu Amoroso Lima sugere em o Humanismo ameaçado: Para ser coerente, não vejo outra postura moral do cidadão, no quadro do país hoje do que uma postura de indignação, que leve a atitudes pessoais e grupais de ver a realidade, julgar as opções que se colocam e agir no sentido de transformar a realidade, a luz da ética.
 
     A liturgia deste 4º Domingo da Quaresma reflete sobre a recuperação da moralidade e reconduz ao caminho da verdade, da justiça, da solidariedade e do respeito. Fala da passagem da morte à vida, das trevas à luz, do pecado à reconciliação. Faz-nos desejar com Jon Sobrino, que “Deus passe por esse mundo”, pois essa passagem sempre traz salvação às pessoas e ao mundo.
 
No evangelho de hoje, Jesus conversa com Nicodemos (Jo 3,14-21). Sua presença é incômoda, pois coloca o mundo em julgamento, provocando divisão e conflito, e exigindo decisão. De um lado, os que acreditam em Jesus, vivem o amor, continuam a palavra e a ação dele em favor da vida. De outro, os que não acreditam nele e permanecem fechados em seus próprios interesses, que geram opressão e exploração; por isso estes sempre escondem as verdadeiras intenções e não se aproximam da luz. O amor revelado na cruz condena tudo isso. É a transparência da luz. O mundo que prefere a obscuridade da corrupção já se condenou.
 
     Deus não quer que os homens se percam, nem sente prazer em condená-los. Ele manifesta todo o seu amor através de Jesus, para salvar e dar a vida a todos. Mas, a cruz era uma maldição: como a salvação pode vir de um crucificado? Só o ser humano pendurado à cruz como uma maldição vai à raiz do pecado e, consequentemente, da morte. O homem pendurado na cruz, como a serpente de bronze da tradição bíblica, tira o veneno da cobiça e do orgulho.
 
A Cruz é o modo mais profundo de a divindade se debruçar sobre a humanidade e sobre tudo aquilo que o homem, especialmente nos momentos difíceis e dolorosos, considera seu infeliz destino. A cruz é como que um toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrena do homem, é o cumprir-se do programa messiânico, que Cristo um dia tinha formulado na sinagoga de Nazaré e que repetiu depois diante dos enviados de João Batista (Dives in misericórdia, 8).
 
O 2ºlivro das Crônicas trata do exílio da Babilônia; em todos os momentos Deus está presente, conforme a palavra das profecias (2Cr 36, 14-15.19-23). Os israelitas se afastaram de Deus; quando, porém, foram exilados de sua terra, entenderam que sua desgraça era um sinal de seu afastamento. Voltaram seu coração para Deus, que os fez voltar à sua terra. Essa história prefigura a volta de  todos os seres humanos para Deus, reconduzidos pelo amor que Cristo manifestou (Konings).
 
O apóstolo Paulo fala aos Efésios de um Deus “rico em misericórdia” que “restitui-nos à vida em Cristo” (Ef 2,4-10) e nos concede agratuidade da salvação. “Pela graça fostes salvos”.
 
     É tempo de nos deixar tocar pelo amor misericordioso do nosso Deus. Essa experiência é expressa por João Paulo II na Encíclica “Dives in Misericordia”: A verdade revelada por Cristo a respeito de Deus “Pai das misericórdias” permite-nos vê-lo particularmente próximo do homem, sobretudo quando este sofre, quando é ameaçado no próprio coração da sua existência e da sua dignidade. Por este motivo, na atual situação, (somos) guiados pelo sentido de fé e nos voltamos para a misericórdia de Deus. Somos impelidos a fazê-lo certamente pelo próprio Cristo, o qual, mediante o seu Espírito, continua operante no íntimo dos corações humanos (DM 3).
 
Precisamente porque foi desejado por um Deus profundamente “humano”, o encontro com a misericórdia que nos é oferecido por Jesus se produz em várias etapas, que respeitam os tempos da vida e do coração. No início, reflete dom Bruno Forte, está a escuta da boa notícia, na qual nos alcança o apelo de Cristo: “O tempo se cumpriu e o Reino de Deus está próximo; convertei-vos e crede na Boa Nova” (Mc 1,15). Por meio dessa voz o Espírito atua em nós, e quando respondemos com todo o coração a quem nos chama, empreendemos o caminho que nos leva ao presente maior, um dom tão valioso que leva Paulo a dizer: “Em nome de Cristo vos suplicamos: reconciliai-vos com Deus!” (2 Cor 5,20).
 
     Não é fácil receber o perdão de Deus: não porque ele não queira nos conceder, mas porque fechamos a porta sem perdoar os outros, refletiu papa Francisco, durante a celebração eucarística de 3ª feira (10/3), na Casa Santa Marta. Pedir perdão não é um simples pedido de desculpa. Trata-se de duas atitudes: a 1ªlimita-se ao pedido de desculpa, a 2ª implica o reconhecimento de ter pecado. Com efeito, o pecado não é um simples erro; o pecado é idolatria, é adorar os muitos ídolos: o orgulho, a vaidade, o dinheiro, o bem-estar.
 
Qual é a medida do teu perdão? Perdoaste os que te fizeram sofrer? Quando oramos: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, sabemos que o perdão que Deus nos concederá exige o perdão que damos aos outros. Deus perdoa sempre, mas requer também que eu perdoe, porque se não perdoar é como se fechasse a porta ao perdão de Deus (papa Francisco).
 
     Na base do sacramento da Penitência está o pedido do perdão que reconcilia. Muitos, devido às contrariedades da vida, passam anos com “esse pedido” engasgado na garganta, por medo de se expor ou por temer alguma reação do outro. Outros preferem simplesmente se confessar diretamente para Deus. Mas nem sempre sentem que foram ouvidos e perdoados. O sacramento da Penitência não visa culpabilizar pessoas, mas libertá-las, reconciliando-as.
 
     Na ação litúrgica o pedido de perdão que brota do coração arrependido é ouvido e acolhido em nome de toda a comunidade cristã, a Igreja. O perdão emerge da ação misericordiosa de Deus e não de um simples gesto jurídico da Igreja (F.Paludo). Portanto, nesta semana, deixemo-nos reconciliar com Deus! Em todas as paróquias há uma programação para as Confissões.
 
     O sacramento da reconciliação nos oferece a alegria do encontro com Cristo, o Senhor crucificado e ressuscitado, que, através de sua Páscoa nos dá a vida nova, infundindo seu Espírito em nossos corações. É fonte de vida nova, comunhão renovada com Deus e com a Igreja, da qual precisamente o Espírito é a alma e a força de coesão. A alegria nasce do sentir-se amado de modo novo por Deus, cada vez que seu perdão o alcança através do sacerdote que lhe dá em seu nome. Pedir com convicção o perdão, recebê-lo com gratidão e dá-lo com generosidade é fonte de uma paz impagável: por isso, é justo confessar-se.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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