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Dom Moacyr

Terra: mercadoria ou vida?


  
A Semana dos Povos Indígenas 2010 está em sintonia com Campanha da Fraternidade Ecumênica e tem como tema: “Terra: Mercadoria ou Vida?” motivando-nos a pensar nas formas como a maioria dos homens e mulheres relaciona-se com a terra, tratando-a como fonte de lucro e de recursos a serem explorados exaustivamente. Conseqüência dessa exaustão é a ameaça da vida no planeta. Nos últimos cinqüenta anos a humanidade consumiu mais recursos ambientais do que nos últimos dois mil anos. 

A Semana visa, portanto, a reflexão do modelo de desenvolvimento econômico imposto ao Brasil e suas consequências para os mais de 240 povos que lutam pela garantia de seus direitos fundamentais. 

Segundo dados do Conselho Missionário Indigenista - CIMI, a população indígena no Brasil está estimada em mais de 800 mil pessoas que vivem em realidades sociais bem distintas, desde povos em situações de isolamento até os que vivem nas periferias das grandes cidades. Das 27 unidades da Federação, 24 têm povos indígenas, num total de 230 povos que convivem com a sociedade nacional, falando 180 línguas maternas. Além destes, há 67 povos indígenas em situação de isolamento e risco de extinção ou ainda não contatados. Destes, segundo o CIMI/RO, 15 estão no Estado de Rondônia. A maioria dos povos ainda vive de suas economias tradicionais. A base de suas relações comerciais é a troca ou a venda de produtos confeccionados nas aldeias, como a farinha, o artesanato e outros. A economia indígena pode ser considerada um exemplo de auto-sustentabilidade e integração com o meio ambiente, na medida em que as populações indígenas sobreviveram e se reproduziram historicamente segundo modelos próprios. 

As relações do “bem viver” estabelecidas pela maioria dos povos indígenas fundamentam-se na reciprocidade entre as pessoas, na amizade fraterna, na convivência com outros seres da natureza e num profundo respeito pela terra. É importante ressaltar que as semelhanças e diferenças entre os seres que vivem no planeta Terra ultrapassam o conceito da unidade na diversidade. “Não há unidade na diversidade, mas é semelhança e diferença, porque quando se fala de diversidade só se fala de pessoas”, diz o chanceler das Relações Exteriores da Bolívia David Choquehuanca. 

Se considerarmos as grandes contribuições desses povos à nossa sociedade, vamos encontrar entre seus ensinamentos o de saber conviver com a terra, tratando-a com respeito, cuidado e profundo zelo. Por isso, seu modo de viver e sua resistência, questionam o modelo capitalista gerador de desigualdade social, acúmulo, disputas econômicas, a competitividade e a busca desenfreada pelo lucro. 

A terra, portanto, precisa ser recolocada na condição de Terra Mãe, de geradora de vida, e não mais ser tratada como um objeto de exploração. Além disso, é necessário recordar que tudo está interligado e que “não foi o homem que teceu a trama da vida; ele é apenas um de seus fios” (Cacique Seatle). 

O antropólogo, defensor da causa indígena, Pe. Gunter Kroemer, que faleceu no dia 15 de julho de 2009 após atuar por três décadas em defesa dos povos indígenas da Amazônia, escreveu no Texto-Base do 12º Intereclesial das CEBs, sobre as relações econômicas, sociais e religiosas destes povos. Para os povos indígenas, segundo Pe. Gunter, a cosmologia, mitos e rituais representam um conjunto de princípios ecológicos que resultam em regras sociais e econômicas que, ao final, garantem um equilíbrio entre os recursos do meio e a demanda da sociedade. O meio natural é um meio construído pelo homem, transformado por sua ação e pelos significados simbólicos a ele atribuídos. Regras não determinam apenas relações entre pessoas, mas também com as plantas, animais e com outros componentes do meio social. Controlam o crescimento da população, o tamanho das colheitas, garantindo, assim, o bem viver.
 
Matar mais animais que os necessários, fazer colheitas muito grandes, coletar e pescar demais afetam o equilíbrio que existe dentro do meio natural, entre a natureza e a sociedade. Nisso, a ação do xamã consiste em controlar as atividades de caça, pesca e coleta, e as colheitas. Através do controle rigoroso das atividades produtivas, eles constroem o bem estar de todos. 

Os povos indígenas têm um sistema econômico que não visa o acúmulo de excedente e, por serem igualitários, desconhecem a exploração do trabalho. Cada família produz para seu próprio sustento e tem exato controle de suas necessidades, controle sobre sua produção e sobre o valor do que produz. Todos têm direitos iguais ao acesso à terra que é um bem comum, e aos conhecimentos que permitem explorar os recursos naturais, produzir o que é necessário para si próprios e para saldar suas necessidades sociais de retribuição. E aquele tanto de produção que não é utilizado diretamente nas necessidades básicas, é consumido em festas e rituais. O excedente é socializado, dividido entre todos; os mecanismos de reciprocidade, de trocas e retribuições, garantem a redistribuição, garantindo a igualdade econômica. O restante do tempo não dedicado ao trabalho é gasto na convivência com a família, no lazer e em atividades sociais. Desta maneira, os indígenas têm mais tempo para serem seres humanos plenos. Os povos indígenas têm um alto nível de integração em todos os níveis: o social, religioso, mitológico, familiar, econômico. 

A sua luta revela uma nova racionalidade de esperança no mistério da vida, uma racionalidade articulada com simplicidade,veracidade e solidariedade. Em suas utopias culturais, que se somam aos projetos de vida de outros povos, convidam a humanidade para suspender a marcha ao abismo ecológico, abandonar o delírio desenvolvimentista, sair da prisão das necessidades e da competição do mercado total; enfim, nos fazem novamente sonhar o prazer da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Seus projetos são “leituras do mundo” e “projetos de vida”. A vida é dom, e como tal,herança do passado, e tarefa a ser realizada; é dom gratuito e tarefa responsável. Os povos indígenas nos fazem pensar a essência da vida como dom na contemplação do crepúsculo na beira de um rio, na luta pela terra e no olhar do irmão cuja promessa do “vir a ser” se torna palpável em nosso servir (CIMI). 

Nesta Semana, o CIMI/RO tem uma extensa programação junto às escolas e faculdades. Promove ainda de 19 a 22 de abril, no Centro Arquidiocesano de Pastoral, o evento ABRIL INDÍGENA REGIONAL, com a presença de diversos povos de Rondônia e o tema “Resistência e persistência do movimento e organização indígena - a luta continua!”. Na Pauta do encontro o Estatuto  (terra, saúde e educação); Conselho Nacional dos Povos Indígenas: organização, mobilização, avaliação, eleição do novo representante da CNPI. 

Além das conquistas a serem comemoradas, serão abordados desafios como o PAC, a criminalização de lideranças indígenas; o acordo quanto a negociação dos povos indígenas atingidos pelo grandes projetos; controle social frente aos recursos aplicados às políticas públicas de educação e saúde; políticas agrárias contrárias a fixação dos povos na terra; corrida dos jovens indígenas para a cidade; propostas de meios que garantam a comercialização dos produtos produzidos pela terra, etc.

Que esta semana e o tema “Terra: Mercadoria ou Vida?” nos ajudem a compreender e a apoiar as lutas dos Povos Indígenas, de maneira concreta, pela garantia e proteção de suas terras e pela estruturação de uma política indigenista voltada aos direitos, anseios, necessidades das comunidades indígenas. 

Fonte: Pascom

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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