Quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011 - 19h30
Este ano, a Igreja, através da CNBB, propõe que todas as pessoas de boa vontade olhem para a natureza e percebam como os seres mãos humanos estão contribuindo para o fenômeno do aquecimento global e das mudanças climáticas consideráveis, com sérias ameaças para a vida em geral, e a vida humana em especial, sobretudo a dos mais pobres e vulneráveis.
É nesse contexto que a CNBB propõe para 2011, a Campanha da Fraternidade com o tema “Fraternidade e a vida no planeta”, e como lema “A criação geme em dores de parto (Rm 8, 22)”.
O Texto-Base da Cf 2011 esclarece que as Igrejas vem se pronunciando com frequência sobre as ameaças ao meio-ambiente. Esses pronunciamentos demonstram que faz parte do comportamento de todos os cristãos o compromisso pelo cuidado da criação.
O resgate da teologia da criação nos tempos atuais, especialmente com a grave questão ambiental e com a consciência que hoje temos, nos permite entender que o projeto do Criador para o homem pode ser entendido sob o prisma do cuidado para com as criaturas.
Esta palavra, cuidado, no latim provém de “cura”, que se exerce mediante atitudes de amizade e amor. Interessante que o cuidado exige uma atitude de confiança, contrária à que apareceu com o pecado. Assim, não é exagero dizer que o cuidado é a essência do ser humano, o cuidado inclui uma dimensão ontológica.
É característica do cuidado, não criar dependência, mas respeitar a identidade dos demais, como a peculiar maneira de ser e de existir de cada um dos demais seres. O cuidado deve também inspirar a preocupação e atitudes que cooperem com o crescimento do outro. Essas atitudes somente vão brotar da criatividade de quem se encontra imbuído do amor, de quem está pronto para a doação.
É, igualmente, fundamental para a emergência do cuidado, a aparição do rosto a ser cuidado, ou da alteridade e sua interpelação à responsabilidade amorosa geradora do cuidado. Neste sentido, em nossos dias, se coloca um rosto atualíssimo, o do próprio planeta, pois, “a criação geme como em dores de parto” (Rm 8,22), clamando por cuidados com seus distúrbios climáticos, para os quais o modo de viver impulsionado pelo sistema organizacional de nossas sociedades, baseado no consumismo cooperou. E este processo que tem degradado os bens da natureza ainda avança em ritmo acelerado.
E este cuidado deve ser no sentido de se alcançar uma sociedade sustentável, dirimindo as injustiças que excluem milhões e milhões de pessoas, e pautada em um modo de viver compatível com a preservação desta imensa riqueza que é a vida no planeta. Para tanto, se fazem necessárias mudanças drásticas no comportamento das sociedades e camadas sociais, que apresentam maior “pegada ecológica”, responsáveis por grande parte das emissões de gases de efeito estufa. Este cuidado, requer a sabedoria para se criar alternativas, mas sobretudo, a mudança da base dos valores que hoje sustentam esta dinâmica da busca incessante do lucro e do consumo.
São Francisco é hoje um modelo para os que buscam uma relação mais qualitativa em relação às criaturas, pois cresce a consciência de que há relações que as degradam, acarretando também a degradação do ser humano. Existe uma interrelação entre o ser humano e as criaturas, como soube expressar São Paulo: “De fato, toda a criação espera ansiosamente a revelação dos filhos de Deus; pois a criação foi sujeita ao que é vão e ilusório, não por seu querer, mas por dependência daquele que a sujeitou. Também a própria criação espera ser liberta da escravidão da corrupção, em vista da liberdade que é a glória dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos que toda a criação, até o presente, está gemendo como que em dores de parto” (Rm 8,19-22).
Por atitudes de arrogância e autosuficiência dos homens exploraram exaustivamente a natureza e a destruíram, depredaram, aniquilaram, extinguiram espécies e poluíram o ar e as águas. Assim, não foram respeitosos ao Criador que ao ser humano reservou a função de cuidar do seu jardim e de todas as criaturas. Nesse sentido, é necessário que se desenvolvam novas atitudes para com a criação que se constitui em um dom de nosso Deus Criador.
Em relação à posse, esta relação é também muito perigosa, pois pela posse, o detentor de poder desqualifica o significado ou identidade dos seres em geral, entendendo-os como meros objetos para servir à intenção ou à necessidade de quem os possui. São Francisco soube contemplar e valorizar as coisas pelo que eram e pelo valor mais profundo que apresentavam como criaturas de Deus.
O uso das criaturas para o nosso sustento e sobrevivência é imprescindível e se o homem foi colocado como o zelador das coisas, de outro, também é verdade que tudo lhe ficou à disposição. O problema está no uso indiscriminado, na gastança desmedida, no consumismo desenfreado, muitas vezes de coisas supérfluas. É necessário resgatar a sobriedade no consumo dos bens necessários à dinâmica da vida e evitar desperdícios. A transformação está ligada ao trabalho, à atividade mediante a qual os seres humanos operam transformações de materiais ou de seres em outras realidades segundo sua intenção e necessidade. Hoje vemos que as transformações muitas vezes somente vão atender à necessidade de se manter ativa a roda do consumismo, com a produção do supérfluo. No entanto, esta atividade deve visar à vida e à sua justa manutenção.
Resgatar São Francisco neste contexto de nossas relações com as criaturas da natureza significa valorizar suas atitudes. Primeiramente, a pobreza, que neste santo significou a não-posse, reverteu-se em redenção para as criaturas, e lhe possibilitou pelo olhar contemplativo alcançar o que eram realmente, a ponto de lhes chamar de irmãs e irmãos. A razão é simples, em última análise este olhar purificado de poder e lucro, revela que as criaturas são dom de Deus e também portam sinais do Criador.
Por isso, São Francisco purificado interiormente pela ação do Espírito que o conduziu a renúncias, como posse e dominação, ao contemplar a natureza, nela somente via reflexos da imagem de Deus, de sua bondade e beleza. Assim, as criaturas não se constituem em obstáculos para se encontrar Deus e amá-lo.
Assim, a contemplação deste santo não era pautada simplesmente pelo fator racional, mas se deixava levar pelos seus sentimentos, por sua sensibilidade, até o ponto de realmente amar as criaturas, afinal, havia feito a descoberta de que elas eram também suas irmãs. Em consequência, nele brotou um respeito impressionante por todos os seres criados e soube viver de modo perfeitamente integrado a este universo, numa grande fraternidade com todo o universo criado por Deus (TB 156-167).
Que a oração em que São Francisco louva a Deus pelas criaturas, nos inspire novas atitudes e nos ajude a ser transformados pelo Espírito de Deus de modo a resgatarmos atitudes de quem cultiva e cuida do seu jardim, esta obra maravilhosa, que hoje requer socorro dos autênticos filhos de Deus, e de todos aqueles que empreendem ações sinceras e despojadas em prol do planeta.
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