Estamos em plena Campanha da Evangelização, iniciando o tempo do Advento, em preparação ao Natal, que é encontro pessoal com Jesus Cristo e convivência fraterna com os irmãos que necessitam de nossa solidariedade.
A liturgia deste 1º domingo do advento oferece uma mensagem de esperança para as comunidades cercadas pela violência e pela morte (Jr 33,14-16). O profeta anuncia o cumprimento das promessas que Deus fez a seu povo: repatriar os exilados e constituir governantes segundo o direito e a justiça. A legitimidade do governo consiste na administração da justiça. E quem legitima essa autoridade é o próprio Deus. A carteira de identidade do governo que Javé vai suscitar para o povo será o cumprimento da justiça que Deus deseja.
O Evangelho é um apelo à vigilância e para que “fiquemos de pé e levantemos a cabeça, porque a libertação está próxima” (Lc 21,25-28.34-36). Mediante a prática da justiça e o esforço para recriar a humanidade de acordo com o projeto de Deus e por força do testemunho das comunidades cristãs, as máscaras que ocultavam a injustiça e a perversidade da sociedade estabelecida, vão caindo e se perdendo (VP).
O Profeta Isaías disse sete séculos antes de Cristo que “a paz é fruto da justiça”. O erro da humanidade moderna foi manter essa afirmação dentro de um âmbito religioso quando, na verdade, se tratava de uma grande diretriz estratégica que deveria orientar todos os governos do mundo. Não há construção de uma paz verdadeira sem que ela seja edificada nos pilares da justiça R.Leite). E essa justiça precisa encontrar referência em uma política econômica a serviço da dignidade da pessoa humana através da partilha e da solidariedade.
A Justiça é necessária, mas para o teólogo J.Sobrino, ela está maquiada. Às vezes com razões aparentemente boas: “Hoje, basta falar em solidariedade”; e, às vezes, com razões claramente más: "Falar de justiça é coisa do passado”. No entanto, não há Natal cristão sem falar de Palavra de Deus e não há Palavra de Deus sem falar sobre Justiça. Os Salmos nos recordam que “a paz e a justiça se abraçam”; deixemos de falar de paz, se não trabalhamos para construir um país justo.
Infelizmente, num estudo recente, o Brasil tem se destacado como um dos países mais violentos; seus registros de mortes violentas indicam a brutalidade de uma situação que se tornou rotineira. Dentre as 50 cidades relacionadas como as mais violentas do mundo, 14 são brasileiras, 12 estão no México e cinco na Colômbia. O estudo analisou todas as cidades do mundo com mais de 300 mil habitantes dotadas de informações estatísticas sobre homicídios.
Para o jornalista Lucio Flávio, a barbaridade indiscriminada no cotidiano do cidadão está se transformando numa guerra não declarada entre o crime organizado e o aparato de estado. Com o agravante de nem sempre se poder identificar duas forças antagônicas, uma representando a ilicitude e outra como órgão de defesa da sociedade. Às vezes elas se confundem e mantêm relação promíscua, fazendo convergir sua força contra os cidadãos, aí completamente indefesos.
E o histórico de violência no Brasil tem aumentado nos últimos tempos, incluída aí a violência policial, e se explicitado com mais ênfase em alguns setores da vida social. O número de homicídios cresceu de 13.910, em 1980, a uma taxa de 11,7 homicídios a cada cem mil habitantes para cerca de 50.000, em 2010, a uma taxa de 26,2 a cada cem mil habitantes. Isso significa que percentualmente os homicídios mais que dobraram e que, em termos absolutos, quase quadruplicaram.
Fica mais evidente a gravidade da violência no país quando se observa que, nos 12 maiores conflitos armados existentes no mundo em quatro anos, ocorreram 169.574 vítimas fatais diretas e, no total de 62 conflitos, morrem 208.349 pessoas. No país, no mesmo período houve 192.804 vítimas de homicídio, ou seja, mais que os 12 maiores conflitos armados no mundo e próximo ao total dos 62 conflitos armados no mesmo período(A.Conj.jul.2012).
No caso da juventude, o número de mortes de jovens do sexo masculino é preocupante. Uma leitura com recorte étnico-racial aponta que os jovens negros morrem mais que jovens brancos (cerca de três negros para cada jovem branco), quando vítimas de assassinatos. Os jovens brancos morrem em sua maioria em acidentes de trânsito. No meio escolar, a violência passa pela prática do bullying, diferentes formas de preconceito e também agressões físicas. Acrescente-se o aumento dos casos de violência e assassinatos por questões de orientação sexual.
A violência contra a mulher teve crescimento assustador. Em 1980 ocorreram 1.353 homicídios a uma taxa de 2,3 homicídios para cada cem mil mulheres. Em 2010 ocorreram 4.297 homicídios a uma taxa de 4,4 homicídios para cada cem mil mulheres. A Lei Maria da Penha que funcionou como indutor de redução da violência num primeiro momento após sua entrada em vigor, já não consegue ter esse efeito inibidor da violência. Mais da metade dos homicídios ocorre com arma de fogo.
No quesito trânsito, apesar das campanhas educativas e o rigor da lei, o caos tem aumentado. O trânsito é um grande gerador de violência. O número de vítimas fatais devido a acidentes de trânsito de 1996 a 2010 é de mais de meio milhão, sendo que em 2010 foi algo em torno de 41.000 mortes. As motocicletas transformaram-se no novo vetor do crescimento da mortalidade em vias públicas.
Outra realidade geradora da violência diz respeito à dependência química. No caso das drogas ilícitas ou proibidas pela lei, as pessoas que entram neste ramo seguem um código de lei próprio onde a vida humana vale pouco. Dívida oriunda de drogas é paga com a vida. Tal violência também atinge a juventude tanto pela dependência química, como pelo tráfico, pois os jovens traficantes (que têm a vida mais ameaçada) são apenas a ponta de grandes articulações de narcotraficantes. Normalmente as forças de repressão chegam até estes jovens, mas não conseguem chegar aos “chefes das redes criminosas”.
O espaço de vida familiar, por vezes compreendido como lugar de apoio e cuidado da vida, tem se caracterizado também pelos casos de violência. Existem casos de abuso sexual, cárcere privado, agressões físicas e que permeiam famílias de diferentes classes sociais. A ideia do espaço de vida familiar como porto seguro perde a força diante deste quadro, o que também acontece na vida social. Diante de uma situação de contrariedade ou de não atendimento das expectativas da pessoa apela-se para a coerção verbal ou física e não para o diálogo como caminho do entendimento. As diferentes situações de ameaça podem levar ao uso da ameaça e da coerção como via de conduta social.
Acreditamos no caminho apontado pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Goiás, Dr. Alexandre Prudente:“A defesa dos Direitos Humanos não é só um compromisso legal.., mas um compromisso com a sociedade, pautada no respeito aos princípios fundamentais, na dignidade do cidadão, na crença da reversão da ordem da força e da violência para uma ordem humana, para a paz”.
AIgreja propõe como tema da Campanha da Fraternidade do próximo ano, “Fraternidade e Juventude”. Tendo comoassessor o Pe. Luiz Carlos Dias, Secretário Executivo da CF Nacional, jovens e lideranças de comunidades, pastorais, organismos e movimentos sociais, das dioceses do regional Noroeste preparam-se nestes dias, para dizer que “a juventude não está parada” e sim, disposta a se movimentar e a mudar o atual cenário de violência onde ela é a principal vítima, demonstrando com a prática consciente e coletiva, que podemos construir um “Outro Mundo Possível” e uma nova ordem de justiça e paz.
Esta Campanha, no contexto do Ano da Fé e da Jornada Mundial da Juventude, pretende mobilizar a Igreja e os segmentos da sociedade, a fim de se solidarizarem com os jovens, favorecendo-lhes espaços, projetos e políticas públicas que possam auxiliá-los a organizarem a própria vida a partir de escolhas fundamentais e de uma construção sólida do projeto pessoal, a se compreenderem como força de transformação para os novos tempos, a desenvolverem seu potencial comunicativo pelas redes sociais em vista da ética e do bem de todos, a assumirem seu papel específico na comunidade eclesial e no exercício do protagonismo que deles se espera, nas comunidades e na luta por uma sociedade que proporcione vida a todos.
Fonte: Pascom