Fica cada vez mais claro que, em grande parte, somos aquilo que imaginamos ser. Segundo o teólogo Moser, quem se imagina inútil, será inútil. Quem, no entanto, busca por todas as formas preencher o vazio existencial com sempre novas atividades e sempre novos projetos a curto, médio e longo prazo, não tem o que temer na velhice. Ainda que tenha de conviver com certos limites, sempre sobrará muito espaço para uma série de atividades, de ordem física, psíquico-afetiva e espiritual.
O envelhecimento bem sucedido é uma arte, que pode ser resumida em algumas expressões, como: viver intensamente todas as idades; cultivar todos os talentos; saber articular limites com a certeza de que sempre se pode dar mais um passo adiante. O envelhecimento bem sucedido é aquele das pessoas que sabem colher flores mesmo entre espinhos. Todas as etapas da vida são belas e produtivas para quem, em vez de entregar os pontos, vai estendendo sempre mais a faixa dos limites que à primeira vista parecem intransponíveis. Pois o ser humano pode muito mais do que imagina, desde que, movido pela autoconfiança e a confiança dos seus semelhantes, coloque sua esperança naquele que o enviou a essa terra para cumprir uma missão. E a longevidade com qualidade de vida, com certeza, revela como nenhuma fase anterior, o rosto das pessoas realizadas por terem cumprido sua missão até o fim (REB 277).
Saúdo os irmãos enfermos: Cristo os convida a segui-lo, tomando cada um sua cruz. Seguindo-o, adquirem uma nova visão da doença e dos doentes. Jesus os associa a sua vida pobre e de servidor. Faz com que participem de seu ministério de compaixão e de cura: “Partindo, eles pregavam que todos se arrependessem. E expulsavam muitos demônios e curavam muitos enfermos, ungindo-os com óleo”(Mc 6,12-13;CIC §1506).
A partir do ano de 1991, o papa João Paulo II enriqueceu a data em que se comemora a festa litúrgica de Nossa Senhora de Lourdes (11/02) com a instituição do Dia Mundial do Doente.
Ao instituir o Dia Mundial do Doente, o Papa dispôs que, a cada ano, a celebração se realizasse em um Continente diferente, para agregar à comemoração não só o sentido de universalidade da dor, mas também o da esperança e da salvação em Jesus Cristo, resposta verdadeira às expectativas mais profundas do coração humano.
Neste ano em que celebramos o 21º Dia Mundial do Enfermo, o Papa Bento XVI escolheu como centro das celebrações o Santuário mariano de Altötting, no sul da Alemanha, com o tema “Vai e faz tu também o mesmo”, extraído da parábola do Bom Samaritano narrada por São Lucas.
Com essas palavras, o “Senhor indica qual é a atitude que cada um dos seus discípulos deve ter para com os outros, particularmente se necessitados de cuidados. Trata-se, de auferir do amor infinito de Deus a força para viver diariamente uma solicitude concreta, como o Bom Samaritano, por quem está ferido no corpo e no espírito, por quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos”.
O papa inicia sua mensagem com uma saudação aos doentes e aos profissionais da saúde, lembrando as palavras de João Paulo II: “Este dia constitui um momento forte de oração, de partilha, de oferta do sofrimento pelo bem da Igreja e de apelo dirigido a todos para reconhecerem na face do irmão enfermo a Santa Face de Cristo que, sofrendo, morrendo e ressuscitando, operou a salvação da humanidade (J.Paulo II, Carta inst. Dia Mundial do Doente, 1992).
Sinto-me particularmente unido a cada um de vós, amados doentes, que, nos locais de assistência e tratamento ou mesmo em casa, viveis um tempo difícil de provação por causa da doença e do sofrimento. Que cheguem a todos estas palavras tranquilizadoras dos Padres do Concílio Vaticano II: Sabei que não estais (…) abandonados, nem sois inúteis: vós sois chamados por Cristo, a sua imagem viva e transparente (Mensagem.. aos doentes e aos que sofrem).
Para vos acompanhar na peregrinação espiritual que nos leva de Lourdes, lugar e símbolo de esperança e de graça, ao Santuário de Altötting, desejo propor à vossa reflexão a figura emblemática do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37).
A parábola evangélica narrada por São Lucas faz parte duma série de imagens e narrações tomadas da vida diária, pelas quais Jesus quer fazer compreender o amor profundo de Deus por cada ser humano, especialmente quando se encontra na doença e no sofrimento. Ao mesmo tempo, porém, com as palavras finais da parábola do Bom Samaritano: “Vai e faz tu também o mesmo” (Lc 10,37), o Senhor indica qual é a atitude que cada um dos seus discípulos deve ter para com os outros, particularmente se necessitados de cuidados. Trata-se, por conseguinte, de auferir do amor infinito de Deus, através de um intenso relacionamento com Ele na oração, a força para viver diariamente uma solicitude concreta, como o Bom Samaritano, por quem está ferido no corpo e no espírito, por quem pede ajuda, ainda que desconhecido e sem recursos. Isto vale não só para os agentes pastorais e profissionais da saúde, mas para todos, incluindo o próprio enfermo, que pode viver a sua condição numa perspectiva de fé: “Não é o evitar o sofrimento, a fuga diante da dor que cura o homem, mas a capacidade de aceitar a tribulação e nela amadurecer, de encontrar o seu sentido através da união com Cristo, que sofreu com infinito amor” (SS, 37).
Diversos Padres da Igreja viram, na figura do Bom Samaritano, o próprio Jesus e, no homem que caiu nas mãos dos salteadores, Adão, a humanidade extraviada e ferida pelo seu pecado (Orígenes, Hom.Ev.de Lucas XXXIV,1-9; Ambrósio, Com.Ev.de S.Lucas, 71-84; Agostinho, S.171).
Jesus é o Filho de Deus, Aquele que torna presente o amor do Pai: amor fiel, eterno, sem barreiras nem fronteiras; mas é também Aquele que Se despoja da sua veste divina, que baixa da sua condição divina para assumir forma humana (Flp 2,6-8) e aproximar-Se do sofrimento do homem até ao ponto de descer à mansão dos mortos, como dizemos no Credo, levando esperança e luz.Ele não Se vale da sua igualdade com Deus, do seu ser Deus, mas inclina-Se, cheio de misericórdia, sobre o abismo do sofrimento humano, para nele derramar o óleo da consolação e o vinho da esperança.
O Ano da fé, que estamos vivendo, constitui uma ocasião propícia para se intensificar o serviço da caridade nas nossas comunidades eclesiais, de modo que cada um seja bom samaritano para o outro, para quem vive ao nosso lado.A propósito, desejo recordar algumas figuras, dentre as inúmeras na história da Igreja, que ajudaram as pessoas doentes a valorizar o sofrimento no plano humano e espiritual, para que sirvam de exemplo e estímulo:
Santa Teresinha soube viver em profunda união com a Paixão de Jesus a doença que a levou à morte através de grandes sofrimentos.. Movido pela caridade para com o próximo, Raul Follereau dedicou a sua vida ao cuidado das pessoas leprosas mesmo nos cantos mais remotos da terra, promovendo entre outras coisas o Dia Mundial contra a Lepra.. Teresa de Calcutá começava sempre o seu dia encontrando Jesus na Eucaristia e depois saía pelas estradas com o rosário na mão para encontrar e servir o Senhor presente nos enfermos, especialmente naqueles que não são queridos, nem amados, nem assistidos..
No Evangelho, sobressai a figura da Virgem Maria, que segue o sofrimento do Filho até ao sacrifício supremo no Gólgota. Ela não perde jamais a esperança na vitória de Deus sobre o mal, o sofrimento e a morte, e sabe acolher, com o mesmo abraço de fé e de amor, o Filho de Deus nascido na gruta de Belém e morto na cruz. A sua confiança firme no poder de Deus é iluminada pela Ressurreição de Cristo, que dá esperança a quem se encontra no sofrimento e renova a certeza da proximidade e consolação do Senhor.
Concluindo, o papa pede a intercessão da Virgem Maria venerada em Altötting, para que acompanhe sempre a humanidade que sofre, à procura de alívio e de esperança e ajude todos quantos estão envolvidos no apostolado da misericórdia a tornar-se bons samaritanos para os seus irmãos provados pela enfermidade e o sofrimento. Dirige ainda um pensamento de viva gratidão às instituições de saúde, à sociedade civil, profissionais da saúde, dioceses, comunidades cristãs, agentes de pastoral: Possa crescer em todos a consciência de que, ao aceitar generosamente toda a vida humana, sobretudo se frágil e doente, a Igreja vive hoje um momento fundamental da sua missão (Chr.L., 38).