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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Vitória da vida e da justiça!


 
Esta semana é propícia à reflexão da vida e da eternidade. “Pensamos no nosso futuro, pensamos em todos aqueles que nos precederam na vida e estão no Senhor” (papa Francisco).

Diante da saudade de nossos entes queridos que já partiram, “a união da Igreja celeste com a Igreja peregrina” enche-nos de esperança. Conforta-nos saber que hoje são nossos intercessores:

De modo nenhum se interrompe a união dos que ainda caminham sobre a terra com os irmãos que adormeceram na paz de Cristo, mas antes, segundo a constante fé da Igreja, é reforçada pela comunicação dos bens espirituais. Porque os bem-aventurados, estando mais intimamente unidos com Cristo, consolidam mais firmemente a Igreja na santidade, enobrecem o culto que ela presta a Deus na terra, e contribuem de muitas maneiras para a sua mais ampla edificação em Cristo (1Cor 12,12-27; LG 49).

Recebidos na pátria celeste e vivendo junto do Senhor (2Cor 5,8), não cessam de interceder, por Ele, com Ele e n'Ele, a nosso favor diante do Pai, apresentando os méritos que na terra alcançaram, graças ao mediador único entre Deus e os homens, Jesus Cristo (1Tm 2,5), servindo ao Senhor em todas as coisas e completando o que falta aos sofrimentos de Cristo, em favor do Seu corpo que é a Igreja (Col 1,24; LG 49-50).

Com Paulo VI professamos: “Cremos na vida eterna; cremos que a multidão das almas, reunida com Jesus e Maria no Paraíso, constitui a Igreja do céu, onde gozando da felicidade eterna, veem Deus como Ele é (1Jo 3,2) e participa com os santos Anjos, naturalmente em grau e modo diverso, do governo divino exercido por Cristo glorioso, uma vez que intercede por nós e ajuda muito a nossa fraqueza, com a sua solicitude fraterna”.

Nosso compromisso de pessoas que professam a fé é com a vida. Nossas celebrações, louvores, encontros, adorações só serão plenas de sentido se vierem acompanhados pelo nosso engajamento com a vida ameaçada: queremos estar mesmo a serviço da vida e da esperança!

A liturgia de hoje aponta, como nos domingos anteriores, o caminho a seguir: “caminho paradoxal, de sinais e desconhecimento, fé e incompreensão, entusiasmo e aniquilação” (Konings). Trata-se da caminhada formativa dos seguidores de Jesus, que o evangelista Marcos propõe entre as curas do cego de Betsaida e a do cego de Jericó.

Ao fim das predições da Paixão, Cristo continua o processo de ensinamento de seus discípulos a respeito da natureza de sua missão. Ao curar o cego Bartimeu, seu último milagre é uma cura significativa, que carrega a dimensão simbólica da presença do Reino. Ele não abre apenas os olhos do cego, mas também o coração. E o cego curado reconhece Jesus como o Messias (filho de Davi). E, com mais coragem do que Pedro (8,32) e do que o homem rico (10,22) segue Cristo no caminho para a morte (BP).

O cego curado é retrato de toda pessoa que deseja seguir Jesus até o fim (Mc 10,46-52); modelo do verdadeiro discípulo. “Compreender Jesus não é uma questão de status na Igreja, mas de deixar-se transformar por Jesus”.

Significa, doravante, professar a própria fé, abrir os olhos, romper com a sociedade que marginaliza, para seguir Jesus, formando com ele uma só coisa, construindo com ele a sociedade justa e fraterna (VP). Significa, diante da realidade brasileira, não se calar, “enxergar” e comprometer-se com Jesus que está a caminho da morte e ressurreição.

Significa centrar a esperança no Reino de Deus não nos conformando com esse mundo. Submersos nas trevas da opressão econômica e da dominação cultural, que lhes impedia ter uma visão do que estava acontecendo, o povo marginalizado encontra Jesus que lhe abre os olhos, de modo que possa segui-lo, participando com ele, até à Cruz que liberta os irmãos e irmãs (Konings).

O profeta Jeremias é o homem da esperança e da restauração do povo. Além de reerguer as esperanças do povo sofrido, mostra-lhe a predileção que Deus tem para com os excluídos, cegos e aleijados, mulheres grávidas e as que dão à luz. Os pequenos e esquecidos formam a família de Javé (Jr 31,7-9); são as sementes de esperança no meio da dor. Do sofrimento nasce a alegria; da dor brota a fecundidade.

A carta aos Hebreus fala da missão e sacerdócio de Jesus, feito de sofrimento, morte e ressurreição (Hb 5,1-6). A sua entrega, como servo na cruz, é, para nós, a plenitude das maravilhas que Deus fez em favor da humanidade, sobretudo em favor dos mais pobres. Aqui contemplamos “a solidariedade de Cristo com os homens e com Deus ao mesmo tempo”. Participando de nossa condição, santifica-a.

O humanismo nasce do Evangelho, do mistério da Encarnação. Jesus escolheu os mais pobres, marginalizados, oprimidos de seu tempo, como ponto de referência para a prática de seus seguidores. Só quem acolhe a criança entra no Reino, só aquele que visita os presos, sacia sedentos e famintos, veste os despidos, merecem a verdadeira retribuição do Reino. É nesse humanismo em que o pobre é o privilegiado de Deus, que a Igreja se inspira na sua prática pastoral em relação à política. Por isso não é de estranhar que ela continua insistentemente defendendo os sem-terra, os povos indígenas, os desempregados, os pobres e todas as suas formas. Tal missão pertence ao mais profundo de sua consciência evangélica. E toda vez que não o fez ou não o faz, tornou-se ou torna-se infiel ao Evangelho.

Esta reflexão do padre Libânio, fortalece a nossa profissão de fé e nos encoraja a vivermos como discípulos missionários. Por mais adversas que sejam as realidades, somos chamados a lê-las como um momento de cruz do processo histórico e nunca sua última palavra e muito menos sua totalidade.

O cristão, pelo mistério pascal, reconhece que pertence a sua vocação antecipar na história, ainda que em forma de sinais frágeis e imperfeitos, a vitória do Cristo ressuscitado e não simplesmente conformar-se ao Cristo morto. Por isso, as lutas, os sofrimentos não são a totalidade do mistério do Cristo. Pertencem também a ele, sinais de vitória, de alegria, de realização. Neste sentido, não é indiferente para a Igreja o resultado, o sucesso das lutas, reivindicações, aspirações populares. Cada vitória da justiça na terra, cada conquista autêntica do povo merece ser celebrada como antecipação da ressurreição do Senhor. Entretanto, mesmo em tais momentos, a Igreja recorda que a realidade definitiva, última, glorioso está reservada para além da morte e da história terrestre.

A conjuntura difícil e complicada que nos marca atualmente, põe-nos diante do perigo, em virtude dos interesses que estão em jogo, de esquecer as questões centrais que constituem os grandes desafios de nossa vida coletiva (Adital). Segundo Márcio Pochmann, a consolidação democrática virá com a radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota do racismo e dos preconceitos, com a construção de uma sociedade onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas produzidas no país (Ihu).

A Igreja como corpo social está envolvida profundamente na situação social e política do país. Sua fala ou seu silêncio são ambos políticos. Preferimos falar com palavras e conclamar todos os membros da Igreja a viver a política com a dignidade que tão importante atividade humana merece e exige. E nossa última palavra só pode ser de esperança na vitória do bem sobre o mal, da vida sobre a morte, da justiça sobre a iniquidade (J.B.Libânio). A morte e ressurreição de Jesus é penhor de tal vitória.

O Reino de Deus bate-nos à porta, como pessoa e comunidade, em extrema gratuidade. Não nasce da construção humana, mas impõe-lhe pesadas exigências e implica aceitação construtiva. Acreditamos que podemos superar esse momento histórico. Todavia, nada acontece na história humana por “geração espontânea”. Temos que nos tornar protagonistas da cidadania de um novo Brasil. Entrar em ação. Enfrentar as velhas e novas corrupções, sem ódio, sem violências, sem injustiças, sem retrocessos na democracia.

A pátria brasileira somos todos nós. Temos história e trajetória construídas. Vamos resistir ao que possa significar regressão nos direitos sociais e nas conquistas históricas das três últimas décadas: redemocratização, estabilização econômica, redução da desigualdade social, geração de emprego e renda, acesso ao direito à moradia (CNBB/P.Sociais).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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