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Gente de Opinião

Dom Moacyr

Viver eternamente!


 
Iniciamos o mês de Novembro recordando os nossos falecidos na certeza de que eles estão vivos e gloriosos, ajudando-nos a caminhar até a nossa própria ressurreição. Fazemos memória de “todos os que partiram desta vida”, “nossos irmãos e irmãs que morreram na esperança da ressurreição”, expressando aquela comunhão invisível que une todos os batizados e que nem mesmo a morte pode desfazer.

A festa de Todos os Santos que antecede o dia de Finados volta nosso olhar aos que nos precederam. “Somos cidadãos do céu”, afirma o apóstolo Paulo aos filipenses (Fl 3,20). Sim, “nossa cidadania está lá no céu”! Somos filhos de Deus. Hoje recordarmos o nosso Batismo; por ele, fomos introduzidos na morte de Jesus e nos tornamos participantes dela.

O próprio Batismo é um morrer para o pecado e um ressurgir para Deus: como o sepultamento sela a realidade da morte (1Cor 15,3), também o Batismo, que se faz na morte de Jesus, é confirmado pelo sepultamento da antiga vida dominada pelo pecado (Rm 6,4). Contudo, exatamente porque o Batismo é um morrer com Cristo, podemos estar certos de que também ressurgiremos com Cristo e com ele viveremos eternamente (Rm 6,8).

Trata-se, portanto, da festa de todos os batizados, pois cada um é chamado por Deus à santidade. Somos convidados a experimentar a alegria daqueles que puseram Cristo no centro de suas vidas. Se alguém está em Cristo, pela fé e pelo Batismo, é uma nova criatura (2Cor 5,17) e alcançará o que Jesus prometeu: “Quem vê o Filho e nele crê tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40). Esta é a esperança que não decepciona, porque não resulta de um desejo egoísta de autopreservação, mas do amor de Deus que foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado no Batismo (Rm 5,5).

Somos, portanto, “concidadãos dos santos e membros da casa de Deus, edificados sobre o alicerce dos Apóstolos e dos Profetas, tendo por pedra angular o próprio Cristo Jesus” (Ef 2,19-20).

A comunhão dos santos, esta belíssima realidade da nossa fé, tem como modelo a relação de amor que existe entre Cristo e o Pai no Espírito Santo: é o amor de Deus que nos une e purifica dos nossos egoísmos, juízos e divisões internas e externas. Experimentamos a comunhão com os irmãos que nos leva à comunhão com Deus. Nos momentos de incerteza precisamos do apoio da fé dos demais, lembrando que a comunhão dos santos não acaba com a morte: todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e os santos que estão no Paraíso formam uma grande família, que se mantém unida através da intercessão de uns pelos outros (papa Francisco).

A liturgia de Finados convida-nos à esperança cristã (Rm 5,5-11) que não está fixada numa boa vida aqui, mas sim na vida eterna (Jó 19,1.23-27ª). Jó é o modelo por excelência do justo que sofre. O fundamento dessa esperança é a vontade salvífica do Pai, manifestada em Jesus Cristo, que veio para que não se perca nenhum daqueles que o Pai lhe confiou (Jo 6,37-40). “Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus; eu mesmo o verei, meus olhos o contemplarão, e não os olhos de outros” (Jó 19, 24-27).

O Salmo 26 é uma proclamação da fé na vida eterna e um convite à virtude da esperança, a qual nos sustenta, sobretudo, nos momentos em que a aparente falência da nossa vida parece tão palpável, como é o momento da morte de alguém a quem amamos: “Espera no Senhor e tem coragem, espera no Senhor!” (v 14).

Paulo VI (1897-1978), cuja beatificação foi celebrada no dia 19 de outubro, escreveu a “Meditação diante da morte”, texto que pode contribuir para a nossa preparação ao encontro daqueles que amamos e nos precederam na eternidade: Fixo o olhar no mistério da morte, e daquilo que a segue, à luz de Cristo, o único por quem ela é esclarecida; e por isso faço-o com humildade deste mistério, que para mim sempre se refletiu sobre a vida presente, e bendigo o Vencedor da morte por haver afugentado as trevas e manifestado a luz.

Por isso diante da morte, total e definitivo desprendimento, sinto o dever de celebrar o dom, a felicidade, a beleza e o destino desta mesma fugaz existência: Senhor, agradeço-te por me haveres chamado à vida, e ainda mais porque, fazendo-me cristão, me regeneraste e destinaste à plenitude da vida.

De igual modo sinto o dever de agradecer e de abençoar quem para mim foi transmissor dos dons da vida, os quais, da tua parte, Senhor, me foram distribuídos: quem na vida me introduziu, quem me educou, me quis bem, me beneficiou, me ajudou e rodeou de bons exemplos, de cuidados, de afeto, de confiança, de bondade, de afabilidade, de amizade, de fidelidade e de fineza.

Agora que a jornada acaba, e que, esta estupenda e dramática cena atemporal e terrena, tudo termina e se desfaz, como agradecer-te, ó Senhor, depois da vida natural, aquele outro dom, ainda superior, da fé e da graça, em que afinal unicamente se refugia o que resta do meu ser?

Como celebrar dignamente a tua bondade, Senhor, por me ver introduzido, apenas entrei na terra, no mundo inefável da Igreja católica? Como também por haver sido chamado e iniciado no sacerdócio de Cristo? Como ainda por ter experimentado a alegria e a missão de servir as almas, os irmãos, os jovens, os pobres e o Povo de Deus, e a imerecida honra de ser ministro da santa Igreja, especialmente em Roma, ao lado do papa, depois em Milão como arcebispo, sobre a cátedra, para mim demasiadamente alta e venerabilíssima, dos santos Ambrósio e Carlos, e finalmente sobre esta, suprema, formidável e santíssima de São Pedro? Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor.

Recebam saudação e bênção todos aqueles que encontrei na minha peregrinação terrena; os que foram meus colaboradores, conselheiros e amigos e tantos foram, e tão bons, generosos e queridos! Benditos os que acolheram o meu ministério, que foram meus filhos e irmãos no Senhor!… bem sei que não seria feliz despedida, se não me recordasse do perdão, que devo pedir, a quantos haja ofendido e não servido, não amado suficientemente; se não me recordasse do perdão que alguém desejasse de mim. Que a paz do Senhor esteja conosco.

E sinto que a Igreja me circunda: ó Santa Igreja, una, católica e apostólica, recebe, com a minha saudação de aplauso, o meu supremo ato de amor... E para vós todos, irmãos no episcopado, a minha cordial e reverente saudação; estou convosco na única fé, na mesma caridade, no comum empenho apostólico, no solidário serviço do evangelho, para a edificação da Igreja de Cristo e para a salvação da humanidade inteira. Para todos os sacerdotes e religiosos, alunos dos nossos seminários, para os católicos fiéis, para os jovens, os que sofrem, os pobres, os que procuram a verdade e a justiça, para todos, a bênção do papa que morre...

Diante de vós que me rodeais de perto, professo solenemente a nossa fé, declaro a nossa esperança, celebro a caridade que não morre, aceitando humildemente da vontade divina a morte, a mim destinada, invocando a grande misericórdia do Senhor, implorando a clemente intercessão de Maria Santíssima, dos Anjos e Santos, e recomendando a minha alma ao sufrágio dos bons…

E a respeito do que mais conta, despedindo-me da cena deste mundo e encaminhando-me para o julgamento e a misericórdia de Deus: tantas coisas teria para dizer... Sobre a Igreja: preste ela atenção a algumas palavras nossas, que para ela pronunciamos com gravidade e amor. Sobre o Concílio: cuide-se de levá-lo a boa execução e proveja-se para lhe realizar fielmente as prescrições. Sobre o Ecumenismo: continue-se a obra de nos aproximarmos dos irmãos separados, com muita compreensão, muita paciência e grande amor; mas sem nos afastarmos da verdadeira doutrina católica. Sobre o mundo: não se julgue que é ajudá-lo adotar-lhe os pensamentos, os costumes e os gostos, mas sim estudá-lo, amá-lo e servi-lo.

Fecho os olhos para esta terra dolorosa, dramática e magnífica, chamando uma vez mais sobre ela a divina bondade. Abençoo ainda a todos... E por fim: nas tuas mãos, Senhor, entrego o meu espírito.
Como São Francisco, Paulo VI fez da morte uma celebração, uma liturgia. Possa, cada um de nós, exclamar, quando chegar a nossa hora: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a morte corporal, da qual nenhum vivente pode escapar” (São Francisco, Cântico do Irmão Sol).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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