Sábado, 19 de julho de 2014 - 20h06
Felipe Azzi
SALIM MAKOUF TRABLOUS era filho de imigrantes libaneses, da leva de estrangeiros que aportou em terras brasileiras na primeira década do século XX, em busca de fortuna, cujo trabalho muito contribuiu para o desenvolvimento comercial do Brasil. Contribuição, aliás, oportunamente, também recebida das etnias aqui chegadas, com seus usos e costumes.
A família de SALIM prosperou e se tornou abastada. Por isso mesmo, causou surpresa a todos ouvir o menino falando em se tornar sacerdote, optando pela vida religiosa. Conta-se, a esse respeito, que nos primeiros passos do aprendizado escolar, o menino Salim, ao ouvir palavras de baixo calão, nas conversas dos coleguinhas, advertia-os, com esmerado zelo de princípios:
– Jesus não gosta disso!... Vamos falar de outras coisas?!
Ou, então:
– Deus chora quando vê um menino batendo no outro!
O tempo passa, e agora vamos encontrar SALIM em São José dos Alagados, já sacerdote e Pároco na cidadezinha mineira conhecida pelas procissões devocionais, nutridas de grande religiosidade popular.
A vida de Padre SALIM é rica de fatos pitorescos revestidos de peculiar humildade e solidariedade humana, muito próprias dos puros de coração. Certa vez, andando pelas ruas da cidade, foi interpelado por um homem muito aflito, em prantos, acusando-se pecador e infiel à própria família, querendo confessar seus pecados. A paciência de Padre SALIM ponderou que a via pública era imprópria para a confissão. Devido à insistência desesperada, o bondoso Cura, então, mandou que ele sentasse na soleira de uma casa fechada e, ali mesmo, ouviu a confissão requerida com tanto sofrimento, assim dialogada:
– Padre, não confesso há mais de trinta anos... Meu coração arde de arrependimento, eis os meus pecados...
Foi interrompido por Padre SALIM, com doces e encorajadoras palavras que somente um pai na fé pode dizer:
– Filho, Deus sabe tudo!... O teu coração sofrido e marcado pelo arrependimento, já é a confissão completa que tanto te aflige. Envolva o teu coração com muita contrição... Reze uma “Salve Rainha” em louvor a Maria Santíssima – que é a Mãe dos aflitos – e vá na paz de Deus!
Padre SALIM era assim. Evangelizava pelas atitudes, muitas vezes inusitadas. Surpreendia a todos, justificando almas aflitas que buscavam a misericórdia Divina. De outra feita, acompanhado por seu “escudeiro” – o menino BELARMINO – caminhando pelas ruas, uma senhora debruçada no balcão da janela de sua casa pediu-lhe que a ouvisse em confissão. Já dentro da casa, Padre SALIM disse a BELARMINO que aguardasse no canto mais afastado da sala, e postou-se em imaginário confessionário. A mulher aproximou-se e o padre disse-lhe:
– Diga, filha, os seus pecados...
A mulher, apreensiva, olhava para o padre e para o menino que se achava a certa distância na sala, e muda se quedava. E Padre SALIM, enérgico:
– Ande, filha, diga os seus pecados... Não temos o dia todo, vamos?!...
A mulher, inquieta, ponderou:
– Mas Padre... O menino vai ouvir tudo o que eu falar!
Padre SALIM, com simplicidade franciscana, profetizou:
– Não tem problema se ele ouvir... Ele vai ser Padre mesmo!...
O ministério de um pároco de cidade interiorana é vasto e trabalhoso. Além de atender os paroquianos urbanos, o sacerdote sai em missão pastoral por todo o território paroquial, visitando fazendas, sítios e logradouros de beira de estradas. Era comum o “escudeiro” BELARMINO acompanhar Padre SALIM nas “desobrigas”. Varavam sertão adentro, onde o Vigário atendia confissões, fazia aconselhamentos, ministrava os Sacramentos, livrando o seu rebanho dos pecados, com salutar Celebração Eucarística, conhecida popularmente como Missa. Nessas ocasiões, as espórtulas – espontâneas e nunca estipuladas – consistiam em frangos, galinhas, patos, cachos de bananas, pequenos ensacados com feijão, arroz ou, eventualmente, alguma peça ou utensílio artesanal, tudo, invariavelmente repassado, integralmente, aos pobres e necessitados.
Certa ocasião, voltando de uma dessas jornadas, vinha o motorista da Kombi, Padre SALIM ao seu lado e no banco de trás, o seu escudeiro, após a Celebração Eucarística numa comunidade rural. A certa altura da viagem, Padre SALIM vira-se para BELARMINO e sugere:
– Fala para ele (o motorista), a respeito da espórtula!...
E BELARMINO com a eficácia de um escudeiro medieval, aquiesceu:
– O Padre está perguntando sobre a espórtula!...
O motorista, agradecido e solícito, foi franco:
– É só ele dizer quanto é, e pagamos!...
BELARMINO encaminhou a questão para o Vigário:
– Ele disse que é só o Senhor dizer quanto é, que ele paga.
Padre SALIM, mantendo o caso dentro de sua religiosidade pessoal, estipulou:
– Regalia de préstimos religiosos não tem preço... O coração é que manda!...
O motorista, querendo dar cobro ao assunto, antecipou:
– Pergunta a ele se Cinquenta Cruzados está bem.
BELARMINO, já com um princípio de torcicolo, devido ao vira-vira da cabeça, transmitiu, com certa aflição, a pergunta:
– Ele está perguntando se Cinquenta Cruzados está bem!
– Perfeito! – Disse Padre SALIM – Vinte e Cinco para mim e Vinte e Cinco para você! – acrescentou.
As almas puras têm um modo especial de se manifestar. Mesmo diante de Cânones inamovíveis. Em certa procissão, ia Padre SALIM conduzindo o Ostensório com O Santíssimo Sacramento, sob um pálio dourado e brilhante como o próprio sol no esplendor do dia. A multidão era imensa e a cada rua ou viela alcançada, mais pessoas se juntavam ao cortejo religioso. Em dado momento, Padre SALIM chama uma ministra para ajudá-lo na condução da Relíquia Espiritual, desse modo surpreendente:
– Conduza o Santíssimo, por alguns momentos...
A ministra, surpresa e estupefata, ponderou:
– Mas, Padre... Eu sou leiga. Não posso conduzir o Santíssimo, dessa forma.
Padre SALIM, com a simplicidade só encontrada em espíritos amadurecidos na fé, retrucou com firmeza:
– Pode sim!... Jesus não é aleijado nem exigente... Ele apenas precisa de nossas pernas e de nossos braços. Venha logo, porque eu tenho que acertar uma coisa na rabeira da procissão.
A ministra atendeu. Então, Padre SALIM se dirigiu ao final do espaço do cortejo, com estes termos de correção simétrica:
– A procissão está torta... O lado esquerdo está mais longo que o direito!... Vocês aí... Das velas apagadas... Acendam as velas e passem para o lado direito... Isso!... Agora está bem.
Padre SALIM era o que se pode dizer uma pessoa especial. As suas homilias, assentadas na discursiva bíblica, desciam à natureza humana, tocando corações mais fechados e vacilantes. Falava com muita naturalidade para idosos, jovens, adolescentes e crianças. Os animais também tinham um espaço singular em seu coração. Em certa celebração do Dia do Senhor, a igreja de São José estava lotada. No corredor central da nave, jazia deitado, em tarefa de coça e lambe, um cachorro de porte avantajado e de pelagem da cor de caramelo, desses que fazem a guarda das porteiras de fazendas e de sítios. Alguém, incomodado, levantou-se e pôs-se a chutar o animal para que saísse da igreja. Padre SALIM estancou o enunciado da Missa, levantou o braço direito com a mão espalmada, mais parecendo um ancinho (lhe faltavam dois dedos – o médio e o anelar – na mão destra), com exclamação espantosa:
– Deixa quieto!... Ele não está molestando ninguém... Ele também tem direito de ouvir a palavra de Deus!
A humildade de Padre SALIM era notória. Nas visitas pastorais diocesanas à sua paróquia, mesmo sendo o Pároco, ocupava sempre o último lugar, o mais escondido. Às vezes era socorrido pelo fiel escudeiro que, sempre atento, retirava da sua frente um arranjo floral propositadamente colocado diante do local ocupado por seu Mestre e Mentor que, agradecido, dizia:
– Isso... agora está melhor.
São José dos Alagados, cidade pequena e simples como a maioria do interior mineiro, tinha orgulho inconteste de seu Pároco: que ninguém ousasse ofender o seu “Cura Libanês”; poderia ser desavença acertada com todo o povo. Mas a roda do tempo girava os anos. Chuvas e ventos afagavam com ósculos da natureza os vales e ribeiras do rincão dos alagados de São José, uma pérola das alterosas. E, num dia de claridade dourada, com algodões celestes de brilhante alvura, São José dos Alagados acordou mais triste. Os baixios e as serras de suas cercanias choravam um orvalho cristalino e silencioso. Padre SALIM havia atendido o chamado do Senhor. A notícia se espalhou em asas de anjos. Conhecidos de perto e de longe logo acorreram para o último adeus ao Padre “Turco”, como carinhosamente poucos íntimos o chamavam, o Padre de origem sanguínea libanesa que se fez brasileiro, não só de nascimento, mas também de coração solidário e despojado, nas alterosas brasileiras.
Os amigos mais próximos cuidaram dos preparativos de suas exéquias. Ficaram surpresos com a simplicidade de sua morada. Um local pequeno e praticamente sem móveis. De sua posse pessoal, havia apenas uma ALVA surrada pelo uso constante e a ESTOLA ministerial macerada por resíduos de cera das velas nas celebrações dos Ofícios. A um canto – certamente o seu pedacinho de Céu orante – via-se o Breviário de suas orações diárias, o Terço desgastado pelas incontáveis invocações a Maria Santíssima, além do Cristo Crucificado, rústico e envelhecido, mas ostentoso e vivo para quem colocou a própria vida no seguimento dos caminhos do DIVINO MESTRE.
O velório requeria vestes adequadas para o sepultamento do sacerdote. O que fazer, então? – Todos se perguntavam. O desespero já ocupava os corações, porque na pequena cidade não havia onde adquirir paramentos religiosos. Eis que chega Monsenhor Geraldo Carmelitano Leme, colega seminarista do falecido e, de pronto, manifestou a decisão que solucionava tudo, estipulando, de forma categórica:
– Salim deve se apresentar ao SENHOR com a dignidade de seu Ministério Sacerdotal. Vistam-no com a minha Casula e coloquem a minha Estola, descaindo-lhe dos ombros, perpassando o seu coração, que sempre esteve unido ao Coração de Cristo!
Não tive a graça de conhecer Padre SALIM. Mas sinto uma dose de augusto orgulho quando falo ou me recordo de sua pessoa. Não só pelo fato de sermos irmãos na origem libanesa, mas muito mais pela santidade de sua existência. Esta narrativa, nem de leve pretende ser a sua biografia que, certamente alguém mais capacitado algum dia escreverá. Mas se baseia em informações a mim passadas pelo fiel “escudeiro” de Padre SALIM, o então menino BELARMINO, hoje Reverendo Padre BELARMINO APARECIDO SANTANA, Pároco e Reitor de conhecido Santuário de peregrinações religiosas, no interior paulista.
A profecia de Padre SALIM, em inimaginável confissão auricular participativa, no passado, se cumpriu para a glória de Deus Altíssimo.
Os fatos e circunstâncias são verdadeiros. Preservaram-se, por questões particulares, as identidades pessoais e o nome da cidade palco dos acontecimentos.
Presentemente, sabe-se que está em curso processo para beatificação desse sacerdote, cuja vida foi inspirada na pessoa de São Charbel, padroeiro da nação libanesa. Queira Deus, que tudo se confirme, e que um Santo brasileiro/libanês seja conduzido às honras dos altares.
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