Sexta-feira, 14 de março de 2014 - 07h35
Felipe Azzi
A Fé Cristã é toda ela mistagógica, quer dizer, envolvida em mistérios e nos conduz ao mistério. Começou bem antes de o homem adquirir conhecimento bastante para crer no que acontecia à sua volta. Surpreende a manifestação de um DEUS que não pode ser visto, cuja existência simplesmente É, e está numa dimensão fora do alcance humano: não pode ser visto; não pode ser tocado; não pode ser ouvido. Pode apenas ser sentido pelos neurônios da cadeia cerebrocardíaca, desde que o vivente esteja disposto a experimentar o fenômeno da Fé que transcende qualquer fórmula de equacionamento ou entendimento humano. Para isso, é preciso abrir a mente e todo o seu ser para a sondagem sobrenatural do desconhecido.
Para nós, cristãos, os mistérios são muitos e, particularmente, vão desde a Encarnação de Deus, na Pessoa de Seu Filho Jesus Cristo, até a Ressurreição para uma vida em corpo glorificado, num lugar que não conhecemos mas sabemos existir, pela promessa de Jesus Cristo, ou seja, do próprio Deus entre nós.
O passaporte para essa nova vida, que é eterna, é a Fé. Jesus mesmo afirma em Seu Evangelho: “Quem perseverar até o fim será salvo”. Quem tiver Fé, perseverando na prática vivencial da mensagem do Cristo, alcançará a salvação.
Se tivermos que buscar um exemplo de Fé, certamente, vamos parar diante de Maria. Com ela, filha de Sião por excelência, depois de uma demorada espera da promessa, completam-se os tempos e se instaura a nova economia, renovando a antiga promessa com o processo da Salvação definitiva (Catecismo da Igreja Católica, 489).
Para ser a Mãe do Salvador, Maria foi enriquecida por Deus com dons dignos para tamanha missão. Por isso que, no momento da Anunciação do Senhor, o arcanjo Gabriel a saúda como “Cheia de Graça”. Efetivamente, para poder dar assentimento livre de sua Fé ao anúncio de sua vocação, era preciso que ela estivesse totalmente sob a moção da Graça de Deus (Catecismo, 490).
Ao longo dos séculos, a Igreja tomou consciência de que Maria é “cumulada de graças” por Deus. Foi redimida desde a concepção. É isso que confessa o dogma da Imaculada Conceição, proclamado em 1854 pelo Papa Pio IX (Catecismo, 491). Esta “santidade resplandescente”, absolutamente única, da qual Maria é enriquecida desde o primeiro instante de sua conceição, lhe vem inteiramente de Cristo: “Em vista dos méritos de seu Filho, foi redimida de um modo mais sublime” (Ibidem).
Ao anúncio de que, sem conhecer homem algum, ela conceberia o Filho do Altíssimo pela virtude do Espírito Santo, Maria respondeu com a “obediência da fé”, certa de que para Deus nada é impossível. Assim, dando à Palavra de Deus o seu consentimento, Maria se tornou Mãe de Jesus e, abraçando de todo o coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade Divina da Salvação, entregou-se ela mesma totalmente à pessoa e à obra de seu Filho, para servir, na dependência d’Ele e com Ele, pela Graça de Deus, o Mistério da Redenção (Catecismo, 494). Podemos afirmar como Santo Ireneu: “Obedecendo se fez causa de salvação tanto para si como para todo o gênero humano”. O nó da desobediência de Eva foi desfeito pela obediência de Maria (Ibidem).
É isso o que torna Maria a primeira entre as santas mulheres que a precedem no relato bíblico. Maria não é um capricho da Igreja. Maria foi predestinada. Sempre fez parte do Mistério da Promessa de Salvação da humanidade. Com justiça, nós católicos, reverenciamos Maria com a honra e a dignidade que lhe são merecedoras.
Como não reconhecer as virtudes insignes de Maria?! Ela foi o primeiro sacrário vivo, guardando em si mesma o Autor da vida. Foi também a primeira a “comungar” Cristo, pois viveu, de forma concreta, a comunhão com Cristo, de forma indivisível. A carne e o sangue de Cristo foram gerados no ventre de Maria. “O puríssimo seio de Maria foi o caminho por onde passou a Salvação dos pecadores”. “Jesus é, em toda parte e sempre, o Fruto e o Filho de Maria; e Maria é em toda parte a verdadeira árvore que dá o Fruto da vida, e a verdadeira Mãe que O produz”.
Intercessora sempre atenta, nas bodas de cana, conforme a narração de João Evangelista (Cap.2), ela deu provas de sua fé e de sua humilde força portadora das necessidades dos aflitos, levando Jesus a antecipar o início de sua vida pública, realizando o primeiro milagre, socorrendo os noivos que ofereciam a festa, a fim de que não sofressem vergonha pelo fato de haver acabado o vinho.
Os puros de coração costumam agir como Maria. Veem os acontecimentos e reagem com mansidão. Os fatos da vida são, para esses puros, ocasião para a realização da vontade de Deus. A pureza de Maria tem sido, ao longo dos séculos, modelo de virtudes para a comunidade universal dos cristãos.
Os tempos que se seguiram à Paixão e Morte de Jesus Cristo foram difíceis para Seus apóstolos. Acostumados com a convivência de Jesus, acostumados com a segurança de Seus ensinamentos, acostumados, enfim, com a ternura e mansidão de seu Mestre, haviam experimentado um pedacinho do Céu – do Reino de Deus – aqui na terra. Agora pareciam perdidos. Estavam atônitos, sentindo a falta de seu Rabi.
Dois discípulos que se dirigiam para a pequena localidade de Emaús, bem próxima de Jerusalém, conversavam sobre tudo o que havia sucedido naqueles dias. Estavam apreensivos e buscavam uma resposta para a inquietude de seus corações. Nesse caminhar nem notaram a presença de Jesus ressuscitado que se aproximou deles (cf. Lc 24,13-25). Essa, por certo, devia ser a situação de todos os apóstolos: inquietação, desânimo, saudade e medo, porque já sofriam as primeiras perseguições. Facilmente se esqueceram do que Jesus lhes prometera: “Não vos deixarei órfãos. Voltarei a vós” (Jo 14,18).
Mas essa, com certeza, não era essa a situação de Maria. Acostumada aos “Mistérios de Deus,”... “aquela que tudo via e guardava em seu coração” sabia que a promessa de seu Filho haveria de se cumprir no tempo próprio. A sua atitude era de serenidade. De convicção espiritual. De firma esperança na realização dos desígnios de Deus. Em tais circunstâncias, Maria assistiu maternalmente à Igreja nascente, lembrada da promessa de que haveria de vir o Paráclito, o Espírito Santo, para ensinar todas as coisas que uma comunidade de fiéis precisa saber, recordando tudo o que fora ensinado por Jesus (cf. Jo 14,25-26).
Firme na Fé e na missão de Mãe do Salvador, tornou-se conselheira, consoladora e modelo de determinação no prosseguimento da obra de seu Filho, qual seja “fazer a vontade do Pai”. Com isso ela é membro supereminente e absolutamente único na Igreja, sendo até mesmo a realização exemplar da Igreja (Catecismo, 967). Mas o seu papel em relação à Igreja e a toda a humanidade vai ainda mais longe. De modo inteiramente singular, pela obediência, esperança e ardente caridade, ela cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por esse motivo ela se tornou para nós Mãe na ordem da Graça (Catecismo, 968).
A missão materna de Maria em favor dos homens de modo algum obscurece nem diminui a mediação única de Cristo; pelo contrário, até ostenta sua potência, pois todo o salutar influxo da Bem Aventurada Virgem deriva dos superabundantes méritos de Cristo, estriba-se em sua mediação, dela depende inteiramente e dela aufere toda a sua força (Catecismo, 970). É claro que nenhuma criatura jamais pode ser equiparada ao Verbo encarnado e Redentor. Mas, da mesma forma que o sacerdócio de Cristo é participado de vários modos, seja pelos ministros, seja pelo povo fiel, e da mesma forma que a bondade indivisa de Deus é realmente difundida nas criaturas de modo diversos, assim também a única mediação do Redentor não excluí, mas suscita nas criaturas uma diversificada cooperação que participa de uma única fonte (Ibidem).
Não podemos imaginar a Igreja sem Maria. Do mesmo modo, é impossível pensar em Maria sem a Igreja. Uma completa a outra: Maria na sua missão de Mãe dos cristãos e a Igreja como a comunidade dos filhos e, portanto, herdeiros com Cristo.
Jesus disse que não nos deixaria órfãos (cf. Jo 14,18). Certamente enviaria o Espírito Santo (cf. Jo 15,28), como de fato enviou. Também prometeu que quando dois ou três se reunissem em Seu nome aí estaria Ele também (cf. Mt 18,19-20). Mas também nos entregou sua Mãe ao pé da cruz e vale relembrar: “Junto à cruz de Jesus estavam de pé sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria mulher de Cléofas e Maria Madalena. Quando Jesus viu sua Mãe e perto dela o discípulo que amava, disse à sua Mãe: “Mulher, eis aí o teu filho”. Depois disse ao discípulo: “Eis aí a tua Mãe”. E dessa hora em diante o discípulo a levou para a sua casa (cf. Jo 19, 25-27). Isso tudo já era a constituição da Igreja nascente, a comunidade cristã que avançaria pelos séculos de história. Maria adotando a humanidade maternalmente e a humanidade adotando filialmente a maternidade sobrenatural de Maria.
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