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A competência e o preconceito de cor


Rosangela Aparecida Hilário - Gente de Opinião
Rosangela Aparecida Hilário

A entrevistada da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes - ARL desta semana é a professora doutora Rosangela Aparecida Hilário, graduada em Jornalismo pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Letras

- Língua Portuguesa – pela Universidade Anhembi Morumbi. Mestra (UNINOVE) e Doutora em Educação (FEUSP) e estágio pós – Doutoral na (FEUSP) a sua carreira profissional tem se pautado pelas lutas pelo acesso a educação pública de qualidade para todas as pessoas, pauta identitária e de defesa intransigente do empoderamento de mulheres negras. Pesquisadora da temática da interseccionalidade a Professora é Líder do Grupo de Pesquisa Ativista Audre Lorde/ Membra da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas e também integrante da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes-ARL, onde ocupa a cadeira número 18, cuja patronesse é Tereza de Benguela, que foi líder quilombola no século 18.

 

1. ARL – Com tantos cursos e tantas diferenças socioculturais o que a fez sair de São Paulo para Rondônia?

RH - Costumo dizer que São Paulo me preparou para a grandeza das vivências em Rondônia: o estado, sobretudo sua capital Porto Velho, me constituiu, me humanizou, potencializou possibilidades e afetividades. Eu conquistei em Porto Velho uma projeção e uma visibilidade que São Paulo não me daria em função de como são estabelecidas as rotinas: citando Baumann tudo é uma sociedade líquida que não permite que as pessoas aprofundem suas relações em todos os âmbitos. Mas, o que me trouxe definitivamente para o Estado além da possibilidade de ter qualidade de vida atrelada a mais vida na própria vida foi o sonho de ser professora da Universidade Brasileira. Porto Velho me trouxe a realização deste sonho e abriu muitas portas. Como foi dito em minha posse na ARL “São Paulo me preparou para viver Rondônia”. Intensamente.

 

2. ARL – São Paulo é um estado extremamente cosmopolita. Qual a origem territorial de seus familiares?

 

RH - Minha avó e grande referência era paulistana da gema, como ela gostava de se referir a si mesma, nascida no bairro de Pinheiros. Dona Djanira se orgulhava muito de suas origens. Meu avô Natalino, seu marido, nasceu na pequena cidade de Bananal, no Vale do Paraíba. Minha avó paterna nasceu em Porto Feliz, cidade metropolitana de Sorocaba. Meu avô paterno Sebastião, era da mesma cidade. Mamãe é de São Paulo, Capital (uma curiosidade: mamãe nasceu nos quintais da PUCSP) e Papai de Porto Feliz.

 

3. ARL – Segundo os críticos, Lima Barreto foi nosso primeiro visionário por ter falado de racismo praticamente cem anos antes do assunto entrar, de fato, em pauta. No seu diário íntimo, só publicado em 1953, costumava escrever, diariamente, que era difícil ser negro. O que mudou, de lá para cá, na forma como a sociedade encara o racismo?

RH - O racismo sempre foi parte das relações estabelecidas entre a sociedade brasileira. Ouso dizer que nada mudou, apenas a tecnologia da comunicação e informação deu mais visibilidade ao racismo estrutural. Um bom exemplo de como o racismo estrutura as relações e pauta o lugar que as pessoas chegarão ou não é o município de Porto Velho: as professoras barbadianas contribuíram para acelerar o processo de institucionalização das instituições escolares. Os profissionais especializados versados em tecnologia de ponta, disponível naquele momento, chegaram para contribuir na

construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, Mas, não se tem notícias de reconhecimento deste pioneirismo em muitos âmbitos, a não ser na própria comunidade. Ser negro/negra no Brasil é diuturnamente ter sua humanidade desqualificada, os saberes invisibilizados e a existência apequenada. É ser uma criança que não conhece a história e memória de seus ancestrais. Ser uma menina que nunca esteve na lista das dez mais bonitas do colégio. Nem das cem. Nem em lista nenhuma de “padrões de beleza”. Ser preterida ( uma palavra criada para mulheres negras) na vida, no trabalho e no afeto. No caso de ser menino é ser morto por estar portando um guarda-chuva. Por “parecer” suspeito. Por usar um penteado que arma os cabelos. Nada mudou: ser negro é não ter privilégios.

 

4. ARL – O saber, o ter e o meio universitário vencem o preconceito ou preto é preto e sofre com o racismo, em quaisquer circunstâncias, mesmo na Universidade?

RH - A academia ratifica o racismo: sou a única professora negra do Departamento de Ciências da Educação e do Mestrado Acadêmico em Educação da UNIR. Só 15,6% dos professores e professoras universitários são negros e negras. A literatura cientifica de referência no curso de Pedagogia não apresenta um único pesquisador/a negro/a e a eleição de uma Reitora negra foi celebrada como um acontecimento extraordinário, como se fora uma concessão. Acredito que o ambiente acadêmico amplia as desigualdades do acesso de pretos e não pretos. Um Professor/a Doutor/a preto/a continua sendo testado e questionado ao longo de toda a existência. Mas, é também motivo de celebração e referência para nossos alunos e alunas: a luta é árdua. Mas, o futuro merece ter e reconhecer nossos saberes e reconhecer a grandeza de nossas existências.

 

5. ARL – Você recebeu, em 2019, voto de louvor da Câmara Municipal de Porto Velho pelo ativismo e produção de estudos e pesquisas no combate à homofobia, transfobia e racismo, agora pretende entrar na política pela porta de um partido, cujo representante maior, em Rondônia, foi condenado por corrupção. Isto poderá interferir na sua credibilidade diante do eleitor?

RH - Minha credibilidade em Rondônia foi construída com trabalho duro, renúncias e afetos. Não mudo discurso para agradar quem quer que seja. Não tenho preço, tenho valores. Minhas pesquisas denunciam o que as ausências fazem na vida de pessoas despossuídas do mínimo para viver com os princípios basilares da humanidade. Para debater corrupção endêmica em nosso estado esse espaço seria pouco: utilizando a mesma referência temporal do questionamento: ao longo dos últimos dois anos tivemos as agruras de uma pandemia que castigou todo o planeta. As nações mais avançadas e até aqui mesmo na América Latina, como na Argentina, a preocupação primeira era cuidar das pessoas, alimentar as pessoas, evitar que elas perdessem as esperanças. Manter seguras e cuidadas todas as pessoas. No Brasil a preocupação era quem iria trabalhar para manter os privilégios do capital. Enquanto a preocupação mundial era onde comprar vacinas, no Brasil a preocupação era como lucrar em plena pandemia. A corrupção endêmica matou tanto quanto a pandemia. Agora mesmo acaba de explodir no MEC um escândalo envolvendo corrupção, religião e pastores que foram alçados ao cargo por homens que se autointitularam cidadãos de bem e defensores da família e cada dia aparecem envolvidos em um escândalo diferente. Então, não. Demorei muito tempo para resolver entrar na política: minha zona de conforto são as comunidades escolares. Mas, eu cansei de terceirizar pautas: os políticos “profissionais” não têm interesse nas pautas que eu defendo: empoderamento feminino para fortalecer família, combate a violência doméstica, fortalecimento da educação pública, assistência social e não assistencialismo, juventude PPP, cultura, agricultura familiar para o combate a fome,convivência harmônica e salutar entre capital e trabalho

 

6. ARL – O que a ARL representa pra você?

RH - Um espaço de debate plural, uma possibilidade afetuosa de trocas e um território de nutrir saberes.

 

7. ARL – Quais livros ou teses você já publicou?

RH - Alguns. Nos últimos tempos tenho me arriscada a escrever textos cênicos e estou concluindo um texto que me é muito caro “Desprincesando os contos de fadas”. Mas, minha produção tem sido mais na área da literatura cientifica: EDUCAÇÃO, RAÇA, GÊNERO E SEXUALIDADES: perspectivas plurais, Dissidências Sexuais e de Gênero em diversos campos de luta: o sentido do direito a existência; (REL) ATOS EDUCATIVOS: experiências e perspectivas em pesquisa. navegando no banzeiro do madeira: narrativas beraderas entre outros. no momento, estou produzindo um texto para produção cênica ( eu não sou calmaria) e finalizando o livro das “desprincesas”.

 

8. ARL – Porque o pardo brasileiro tem tanta dificuldade de reconhecer o componente negro na cor da sua pele? Professores da USP chegam a pregar a necessidade da criação de uma nova ideologia, capaz de promover uma nova consciência na população pardo/negra.

RH - Porque    são conceitos diferentes: preto e pardo, de acordo com o IBGE são conceitos que dizem respeito a cor da pele. A junção de pretos + pardos = raça negra. Justamente neste aspecto que se encontram os grandes debates mediados pelos cientistas sociais: quando se frauda a cota está se perpetuando um sistema extremamente cruel que coloca pessoas de pele escura em posição de desvantagem social.

 

9. ARL – O que significa Pedagogia da Diversidade?

RH - Um conceito que estou organizando e se orienta pelos estudos que tenho feito: as ciências da educação precisam transbordar por meio da decolonialidade para atingir todas as crianças. Para tanto, é preciso entender a formação de professores e professoras como estratégia para a inclusão de fato. Não existe uma criança universal para quem a escola foi criada, existem crianças que precisam ser estimuladas, orientadas, conhecer suas memórias, histórias, simetrias e assimetrias para poder fazer a transição de estudantes para cidadãos e cidadãs. A Pedagogia da Diversidade se propõe a ser essa ferramenta teórica conceitual para contribuir no fortalecimento deste processo decolonial.

 

10. ARL – Qual sua plataforma política, na campanha por uma cadeira na     Câmara Federal?

RH - Cuidar de pessoas para que pessoas contribuam no processo urgente de reorganização social. Empoderar mulheres para fortalecer famílias. Combate sistemático contra o racismo, o sexismo e a violência doméstica. Fortalecimento da escola pública e da formação docente como pressuposto para investimento em processos civilizatórios. Fortalecimento da agricultura familiar para combater a fome. Educação como contraponto a barbárie. Política de  Segurança Pública com estratégia de inteligência. Política e Assistência Social fortalecida em todos os âmbitos. Fortalecimento da economia com qualificação profissional e oportunidades para ampliar empregabilidade e empreendedorismo. Política cultural fortalecida em articulação com a educação: cultura também é currículo. Ampliação da quantidade na alimentação escolar pelos próximos quatro anos pós -pandemia, no mínimo. Organização de um plano para recuperação de aprendizagem escolar para a próxima década considerando as assimetrias trazidas pela pandemia, assistência social e não assistencialismo para que pessoas vulneráveis possam alçar sua cidadania. Enfim, cuidar de pessoas para que pessoas recuperem a economia e o orgulho de pisar e viver no lugar “onde o céu é mais azul”.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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