Segunda-feira, 4 de julho de 2022 - 13h20
A entrevistada da Academia Rondoniense de Letras, Ciências
e Artes - ARL desta semana é a professora doutora Rosangela Aparecida Hilário,
graduada em Jornalismo pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Letras
- Língua Portuguesa – pela Universidade Anhembi Morumbi.
Mestra (UNINOVE) e Doutora em Educação (FEUSP) e estágio pós – Doutoral na
(FEUSP) a sua carreira profissional tem se pautado pelas lutas pelo acesso a
educação pública de qualidade para todas as pessoas, pauta identitária e de
defesa intransigente do empoderamento de mulheres negras. Pesquisadora da
temática da interseccionalidade a Professora é Líder do Grupo de Pesquisa
Ativista Audre Lorde/ Membra da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas e também
integrante da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes-ARL, onde ocupa
a cadeira número 18, cuja patronesse é Tereza de Benguela, que foi líder
quilombola no século 18.
1. ARL – Com tantos cursos e tantas diferenças
socioculturais o que a fez sair de São Paulo para Rondônia?
RH - Costumo dizer que São Paulo me preparou para a
grandeza das vivências em Rondônia: o estado, sobretudo sua capital Porto
Velho, me constituiu, me humanizou, potencializou possibilidades e
afetividades. Eu conquistei em Porto Velho uma projeção e uma visibilidade que
São Paulo não me daria em função de como são estabelecidas as rotinas: citando Baumann
tudo é uma sociedade líquida que não permite que as pessoas aprofundem suas
relações em todos os âmbitos. Mas, o que me trouxe definitivamente para o
Estado além da possibilidade de ter qualidade de vida atrelada a mais vida na
própria vida foi o sonho de ser professora da Universidade Brasileira. Porto
Velho me trouxe a realização deste sonho e abriu muitas portas. Como foi dito
em minha posse na ARL “São Paulo me preparou para viver Rondônia”.
Intensamente.
2. ARL – São Paulo é um estado extremamente
cosmopolita. Qual a origem territorial de seus familiares?
RH - Minha avó e grande referência era paulistana da gema,
como ela gostava de se referir a si mesma, nascida no bairro de Pinheiros. Dona
Djanira se orgulhava muito de suas origens. Meu avô Natalino, seu marido,
nasceu na pequena cidade de Bananal, no Vale do Paraíba. Minha avó paterna
nasceu em Porto Feliz, cidade metropolitana de Sorocaba. Meu avô paterno
Sebastião, era da mesma cidade. Mamãe é de São Paulo, Capital (uma curiosidade:
mamãe nasceu nos quintais da PUCSP) e Papai de Porto Feliz.
3. ARL – Segundo os críticos, Lima Barreto foi
nosso primeiro visionário por ter falado de racismo praticamente cem anos antes
do assunto entrar, de fato, em pauta. No seu diário íntimo, só publicado em
1953, costumava escrever, diariamente, que era difícil ser negro. O que mudou,
de lá para cá, na forma como a sociedade encara o racismo?
RH - O racismo sempre foi parte das relações estabelecidas
entre a sociedade brasileira. Ouso dizer que nada mudou, apenas a tecnologia da
comunicação e informação deu mais visibilidade ao racismo estrutural. Um bom
exemplo de como o racismo estrutura as relações e pauta o lugar que as pessoas
chegarão ou não é o município de Porto Velho: as professoras barbadianas contribuíram
para acelerar o processo de institucionalização das instituições escolares. Os
profissionais especializados versados em tecnologia de ponta, disponível
naquele momento, chegaram para contribuir na
construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, Mas, não se
tem notícias de reconhecimento deste pioneirismo em muitos âmbitos, a não ser
na própria comunidade. Ser negro/negra no Brasil é diuturnamente ter sua
humanidade desqualificada, os saberes invisibilizados e a existência
apequenada. É ser uma criança que não conhece a história e memória de seus
ancestrais. Ser uma menina que nunca esteve na lista das dez mais bonitas do
colégio. Nem das cem. Nem em lista nenhuma de “padrões de beleza”. Ser
preterida ( uma palavra criada para mulheres negras) na vida, no trabalho e no
afeto. No caso de ser menino é ser morto por estar portando um guarda-chuva.
Por “parecer” suspeito. Por usar um penteado que arma os cabelos. Nada mudou:
ser negro é não ter privilégios.
4. ARL – O saber, o ter e o meio universitário
vencem o preconceito ou preto é preto e sofre com o racismo, em quaisquer
circunstâncias, mesmo na Universidade?
RH - A academia ratifica o racismo: sou a única professora
negra do Departamento de Ciências da Educação e do Mestrado Acadêmico em
Educação da UNIR. Só 15,6% dos professores e professoras universitários são
negros e negras. A literatura cientifica de referência no curso de Pedagogia
não apresenta um único pesquisador/a negro/a e a eleição de uma Reitora negra
foi celebrada como um acontecimento extraordinário, como se fora uma concessão.
Acredito que o ambiente acadêmico amplia as desigualdades do acesso de pretos e
não pretos. Um Professor/a Doutor/a preto/a continua sendo testado e
questionado ao longo de toda a existência. Mas, é também motivo de celebração e
referência para nossos alunos e alunas: a luta é árdua. Mas, o futuro merece
ter e reconhecer nossos saberes e reconhecer a grandeza de nossas existências.
5. ARL – Você recebeu, em 2019, voto de louvor
da Câmara Municipal de Porto Velho pelo ativismo e produção de estudos e
pesquisas no combate à homofobia, transfobia e racismo, agora pretende entrar
na política pela porta de um partido, cujo representante maior, em Rondônia,
foi condenado por corrupção. Isto poderá interferir na sua credibilidade diante
do eleitor?
RH - Minha credibilidade em Rondônia foi construída com
trabalho duro, renúncias e afetos. Não mudo discurso para agradar quem quer que
seja. Não tenho preço, tenho valores. Minhas pesquisas denunciam o que as
ausências fazem na vida de pessoas despossuídas do mínimo para viver com os
princípios basilares da humanidade. Para debater corrupção endêmica em nosso
estado esse espaço seria pouco: utilizando a mesma referência temporal do
questionamento: ao longo dos últimos dois anos tivemos as agruras de uma
pandemia que castigou todo o planeta. As nações mais avançadas e até aqui mesmo
na América Latina, como na Argentina, a preocupação primeira era cuidar das
pessoas, alimentar as pessoas, evitar que elas perdessem as esperanças. Manter
seguras e cuidadas todas as pessoas. No Brasil a preocupação era quem iria
trabalhar para manter os privilégios do capital. Enquanto a preocupação mundial
era onde comprar vacinas, no Brasil a preocupação era como lucrar em plena
pandemia. A corrupção endêmica matou tanto quanto a pandemia. Agora mesmo acaba
de explodir no MEC um escândalo envolvendo corrupção, religião e pastores que
foram alçados ao cargo por homens que se autointitularam cidadãos de bem e
defensores da família e cada dia aparecem envolvidos em um escândalo diferente.
Então, não. Demorei muito tempo para resolver entrar na política: minha zona de
conforto são as comunidades escolares. Mas, eu cansei de terceirizar pautas: os
políticos “profissionais” não têm interesse nas pautas que eu defendo:
empoderamento feminino para fortalecer família, combate a violência doméstica,
fortalecimento da educação pública, assistência social e não assistencialismo,
juventude PPP, cultura, agricultura familiar para o combate a fome,convivência
harmônica e salutar entre capital e trabalho
6. ARL – O que a ARL representa pra você?
RH - Um espaço de debate plural, uma possibilidade afetuosa
de trocas e um território de nutrir saberes.
7. ARL – Quais livros ou teses você já
publicou?
RH - Alguns. Nos últimos tempos tenho me arriscada a
escrever textos cênicos e estou concluindo um texto que me é muito caro “Desprincesando
os contos de fadas”. Mas, minha produção tem sido mais na área da literatura
cientifica: EDUCAÇÃO, RAÇA, GÊNERO E SEXUALIDADES: perspectivas plurais,
Dissidências Sexuais e de Gênero em diversos campos de luta: o sentido do
direito a existência; (REL) ATOS EDUCATIVOS: experiências e perspectivas em
pesquisa. navegando no banzeiro do madeira: narrativas beraderas entre outros.
no momento, estou produzindo um texto para produção cênica ( eu não sou
calmaria) e finalizando o livro das “desprincesas”.
8. ARL – Porque o pardo brasileiro tem tanta
dificuldade de reconhecer o componente negro na cor da sua pele? Professores da
USP chegam a pregar a necessidade da criação de uma nova ideologia, capaz de
promover uma nova consciência na população pardo/negra.
RH - Porque são
conceitos diferentes: preto e pardo, de acordo com o IBGE são conceitos que
dizem respeito a cor da pele. A junção de pretos + pardos = raça negra.
Justamente neste aspecto que se encontram os grandes debates mediados pelos cientistas
sociais: quando se frauda a cota está se perpetuando um sistema extremamente
cruel que coloca pessoas de pele escura em posição de desvantagem social.
9. ARL – O que significa Pedagogia da
Diversidade?
RH - Um conceito que estou organizando e se orienta pelos
estudos que tenho feito: as ciências da educação precisam transbordar por meio
da decolonialidade para atingir todas as crianças. Para tanto, é preciso
entender a formação de professores e professoras como estratégia para a
inclusão de fato. Não existe uma criança universal para quem a escola foi
criada, existem crianças que precisam ser estimuladas, orientadas, conhecer
suas memórias, histórias, simetrias e assimetrias para poder fazer a transição
de estudantes para cidadãos e cidadãs. A Pedagogia da Diversidade se propõe a
ser essa ferramenta teórica conceitual para contribuir no fortalecimento deste
processo decolonial.
10. ARL – Qual sua plataforma política, na
campanha por uma cadeira na Câmara
Federal?
RH - Cuidar de pessoas para que pessoas contribuam no
processo urgente de reorganização social. Empoderar mulheres para fortalecer
famílias. Combate sistemático contra o racismo, o sexismo e a violência
doméstica. Fortalecimento da escola pública e da formação docente como pressuposto
para investimento em processos civilizatórios. Fortalecimento da agricultura
familiar para combater a fome. Educação como contraponto a barbárie. Política
de Segurança Pública com estratégia de
inteligência. Política e Assistência Social fortalecida em todos os âmbitos.
Fortalecimento da economia com qualificação profissional e oportunidades para
ampliar empregabilidade e empreendedorismo. Política cultural fortalecida em
articulação com a educação: cultura também é currículo. Ampliação da quantidade
na alimentação escolar pelos próximos quatro anos pós -pandemia, no mínimo.
Organização de um plano para recuperação de aprendizagem escolar para a próxima
década considerando as assimetrias trazidas pela pandemia, assistência social e
não assistencialismo para que pessoas vulneráveis possam alçar sua cidadania.
Enfim, cuidar de pessoas para que pessoas recuperem a economia e o orgulho de
pisar e viver no lugar “onde o céu é mais azul”.
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