Segunda-feira, 9 de maio de 2022 - 12h40
A Academia Rondoniense de
Letras, Ciências e Artes tem o prazer de entrevistar, esta semana, uma super
mulher: Professora doutora Cledenice Blackman. Nem a pandemia conseguiu parar a
Super-Cleide: aqui e acolá a gente tomava conhecimento de suas lives,
movimentando o meio estudantil e a cultura regional. Ela é graduada em História
e em Biblioteconomia, fez pós-graduação, mestrado e doutorado, com TCCs e Teses
que se transformaram em livros: 1 - (doutorado) A mulher afro-antilhana de Porto Velho e sua anterioridade na Educação
(2020); 2 - (mestrado) Do mar do Caribe à beira do Madeira; 3 – (graduação
em História) Os barbadianos e as contradições da Historiografia regional)
4 - (Pós-graduação) Analfabetismo funcional e o papel do supervisor
escolar. A professora Cleide, como ela gosta de ser chamada, ocupa a
cadeira 36 da ARL, cujo patrono é Henry Major Tomlinson.
1. ARL – Cledenice
Blackman ou Cleide Blackwoman, quem fala mais alto no seu vasto currículo?
CB - Nem tanto ao mar e nem tanto a terra: - Assim venho buscando o
equilíbrio entre a Cledenice Blackman
– a pesquisadora, centrada, tímida, persistente, observadora, intelectual e a
Cleide Blackwoman – a herdeira de um
capital intelectual imaterial ribeirinho afro-antilhano, inglês, que me faz
voltar à beira do Madeira, com a minha avó materna, pescadora, analfabeta, mas,
de uma sabedoria popular inigualável “minha avó Mariquinha” – Maria Rocha
Blackman [...] Diante disso, a Cleidewoman,
com sensibilidade feminina, conseguiu construir um legado historiográfico que
possui muito das minhas memórias afetivas.
2. ARL – Você foi a
criadora do termo mulher afro-antilhana, depois copiado por quem sequer têm
vínculos com a história dos barbadianos em Rondônia. Relate em poucas linhas
essa polêmica.
CB − Antes das minhas
pesquisas sobre o grupo à qual descendo e pesquiso, desde meados de 2004, éramos
conhecidos, majoritariamente, como barbadianos(as). Alguns pesquisadores (as),
também utilizavam o termo caribenhos(as), contudo nunca se preocuparam com o
reconhecimento identitário do qual eu fui a precursora. Assim sendo, a partir
do segundo semestre de 2016, passei a utilizar, nas minhas pesquisas, artigos
acadêmicos, livros e outros materiais bibliográficos o termo −
afro-antilhanos(as) − e não mais antilhanos(as), utilizado durante o
período de 2009/2016. Consequentemente, durante o meu processo de doutoramento
em educação (2018/2020), pela UNESP/Marília, submeti o projeto sobre a mulher
afro-antilhana na educação de Porto Velho (2018), defendendo a tese: A mulher afro-antilhana de Porto Velho e
sua anterioridade na Educação (2020), que está disponível no repositório
Unesp/Marília, acessando o link: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/202237.
A partir daí, algumas pessoas
começaram a se apropriar do termo afro-antilhana, utilizado
exclusivamente na minha pesquisa, sem dar o crédito conveniente. Ora, a minha
pesquisa, geradora da tese acadêmica, com o respectivo termo, está registrada e
divulgada para o mundo todo. Todavia, infelizmente, os plagiadores foram além
de copiarem o termo referido, chegaram ao ponto de plagiar parte da minha
pesquisa de doutorado, criando sites com dados tabulados por mim e inseridos na
minha tese de doutorado: um estudo sério, responsável e feito com muita
dignidade, resultado de mais de 17 anos de trajetória acadêmica. Como prova de
trechos plagiados cito, por exemplo, a lista que construí com um mapeamento
totalizando 67 mulheres, professoras, imigrantes, de descendência
afro-antilhana, na educação e fora do âmbito educacional, que está disponível
em um site de uma pessoa externa da comunidade, que nunca pesquisou sobre o
tema, e sem dar o devido crédito à pesquisadora, mas, em breve isso estará
resolvido, infelizmente, por via judicial. É de se lamentar que essa situação de
plágio teve apoio de duas descendentes de afro-antilhanos, que nunca escreveram
um artigo jornalístico, acadêmico, muito menos livros, e não são da área de
História.
Vale lembrar e esclarecer que
o termo afro-antilhano(a) pode ser utilizado, falado ou
transcrito em outros trabalhos, por qualquer pessoa, desde que seja dado o
devido crédito, ou feita a referência apropriada. Do contrário, será considerado
apropriação intelectual indevida, daquilo que foi construído, criado e
pesquisado por outra pessoa. Nas minhas teses há muitas lacunas para serem
aprofundadas...
3. ARL – Uma mulher
estudada, como se diz no Nordeste, com tantos apetrechos culturais, detentora
do título de Comendadora, dado recentemente por uma empresa de Manaus, ainda
sofre preconceito racial, aqui e alhures?
CB − Então, o capital
intelectual, cultural e financeiro camufla o preconceito racial, forjando uma
situação de não preconceito, mas ele existe. Só com a desconstrução do racismo
estrutural conseguiremos desmontar, mundialmente, as energias mentais e
emocionais segregacionistas. Os privilégios sociais culturais e econômicos
amenizam, mas não extirpam das raízes o racismo, seria necessária uma nova
ideologia. Nem a vice-presidente do país mais poderoso do planeta consegue
escapar de atitudes racistas pontuais.
4. ARL – Existe
preconceito racial no meio universitário?
CB − O meio acadêmico faz
parte da nossa sociedade, logo, também é impactado pelo preconceito racial. No
entanto, conforme convicção do antropólogo e professor brasileiro-congolês,
Kabengele Munanga, defendida pelo professor pós-doutor da USP, Teófilo de
Queiróz Júnior, para que houvesse uma significativa mudança seria indispensável
uma nova ideologia, capaz de promover uma nova consciência na população negra
brasileira. Com isso adviria uma autodefinição e sua correspondente
autoidentificação capaz de livrar o negro da passiva aceitação de superioridade
do branco. Poderia também equipá-lo para resistir à tentação de ser mulato,
poupando-o da ânsia de parecer branco. Seria a forma de conquista de uma
sociedade brasileira, constituída como "democracia verdadeiramente plurirracial
e pluriétnica", pelo que se vem empenhando, nas últimas décadas, "o
mundo afro-brasileiro", com o apoio pessoal e teórico de cientistas
sociais. Num tal quadro é que se destaca e se torna relevante a opinião de
Kabengele Munanga, graduado pela Université Oficielle du Congo e doutor em
Antropologia pela USP.
5. ARL – Você foi
indicada para fazer parte da ARL pelo saudoso confrade Anísio Gorayeb, como
você se sentiu ao receber o convite?
CB − Quanta saudade do nosso
querido confrade Anísio Gorayeb!!!
Fiquei imensamente surpresa,
emocionada e feliz pela indicação.
6. ARL – Além das teses
transformadas em livros, você já publicou outros trabalhos? Quais?
CB − Sim tenho algumas
contribuições bibliográficas, como organizadora e escritora de artigos (...) vou
listar alguns:
- A prática docente na
Amazônia Ocidental (2018)
- A Educação de Jovens e
Adultos: práticas, políticas e desafios (2019)
- Dossiê Rondônia ‘O Rio
que nos une’: Educação, Migração e Cultura nestas paragens” (2019)
- Do mar do Caribe à beira do
Madeira: Historiografia, cultura e imigração (2019)
- Do mar do Caribe à beira do Madeira
II: a diáspora afro-antilhana para o Brasil (2022)
https://www.youtube.com/channel/UCzAlKYI0pY8ksJNDG4NRdWg
7. ARL – O que restou
dos vínculos político/culturais do Estado de Rondônia com as Ilhas do Caribe,
que tanto contribuíram para o nascimento do mais novo estado da federação
brasileira?
CB − Acredito que o nosso
trabalho de pesquisa reaproximou o relacionamento político/cultural com as
ilhas caribenhas, como exemplo, cito a visita de duas embaixadoras de Barbados que
vieram a nossa capital, Porto Velho, em tempos diferentes (2015/2019), viabilizando
novos vínculos socioculturais. O possível intercâmbio com a ilha de Barbados
foi frustrado por conta da pandemia, iniciada em março de 2020, mas, neste
mesmo ano, em janeiro, a embaixada de Barbados no Brasil, representada pela
embaixadora Tonika Sealy-Thompson, promoveu um curso de inglês remoto em
parceira com o IFRO, instituição federal onde trabalho como
bibliotecária/documentalista.
8. ARL – Do Mar do
Caribe à Beira do Madeira, o que essa travessia deixou na mulher antilhana/rondoniense?
CB − Um legado que venho construindo
na área da educação, da saúde, memória, culinária, identidade social,
vestimenta, musicalidade e tantos outros (...).
9. ARL – Como você vê a
mulher caribenha na vida social da capital do Estado de Rondônia?
CB − Hoje, além das imigrantes
de Barbados, Granada, etc. que vieram para esta região, no início do Século XX,
devido à construção da EFMM e que estão entranhadas em vários segmentos da
sociedade portovelhense, temos a participação da mulher haitiana – caribenha de
colonização francesa −, advinda da imigração pós terremoto, ocorrido em janeiro
de 2010, que atua nas feiras públicas e outros espaços sociais. O que me faz
lembrar do processo de inserção social da mulher afro-antilhana no ano de 1910,
pois a minha bisavó: Constância Goodrich além de ser
lavadeira, fazia doces, salgados no Barbadian Town e posteriormente no
perímetro do primeiro Mercado Público de Porto Velho.
10. ARL – Intimamente
você se considera rondoniense ou o amor ao Caribe, entranhado na cor da sua
pele, pelos seus ancestrais, é mais forte?
CB −Tenho uma ligação forte
com o litoral: “amo o mar, a brisa (...)” mesmo não conhecendo Barbados, cresci
ouvindo o meu avô Elton Blackman, dizendo que queria conhecer a ilha de
Barbados – país de origem de seus pais: Constância Goodrich e Preston Blackman,
mas, paralelamente o elo com Rondônia, principalmente Porto Velho, é muito
forte, também, amo nossas tradições à moda ribeirinha: cultura do peixe, da
farinha, da pesca, enfim, tudo que é ligado à natureza amazônica me interessa.
Ademais Sou fã dos versos do nosso confrade Ernesto Mello: Porto Velho
meu dengo, desde que eu me entendo, tu és o meu caso de amor… Não
obstante adoraria participar de viagens anuais às Antilhas, financiadas pelo
Governo do Estado de Rondônia, com a participação de grupos de estudantes
rondonienses, estreitando ainda mais os relacionamentos socioculturais, como se
a foz do Madeira fosse o Mar das Caraíbas, ou das Antilhas, como gosto de
dizer.
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