Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

História de Gente de Opinião

Do Caribe ao Madeira


Do Caribe ao Madeira - Gente de Opinião

A Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes tem o prazer de entrevistar, esta semana, uma super mulher: Professora doutora Cledenice Blackman. Nem a pandemia conseguiu parar a Super-Cleide: aqui e acolá a gente tomava conhecimento de suas lives, movimentando o meio estudantil e a cultura regional. Ela é graduada em História e em Biblioteconomia, fez pós-graduação, mestrado e doutorado, com TCCs e Teses que se transformaram em livros: 1 - (doutorado) A mulher afro-antilhana de Porto Velho e sua anterioridade na Educação (2020); 2 - (mestrado) Do mar do Caribe à beira do Madeira; 3 – (graduação em História) Os barbadianos e as contradições da Historiografia regional) 4 - (Pós-graduação) Analfabetismo funcional e o papel do supervisor escolar. A professora Cleide, como ela gosta de ser chamada, ocupa a cadeira 36 da ARL, cujo patrono é Henry Major Tomlinson.

1. ARL – Cledenice Blackman ou Cleide Blackwoman, quem fala mais alto no seu vasto currículo?

CB - Nem tanto ao mar e nem tanto a terra: - Assim venho buscando o equilíbrio entre a Cledenice Blackman – a pesquisadora, centrada, tímida, persistente, observadora, intelectual e a Cleide Blackwoman – a herdeira de um capital intelectual imaterial ribeirinho afro-antilhano, inglês, que me faz voltar à beira do Madeira, com a minha avó materna, pescadora, analfabeta, mas, de uma sabedoria popular inigualável “minha avó Mariquinha” – Maria Rocha Blackman [...] Diante disso, a Cleidewoman, com sensibilidade feminina, conseguiu construir um legado historiográfico que possui muito das minhas memórias afetivas.

2. ARL – Você foi a criadora do termo mulher afro-antilhana, depois copiado por quem sequer têm vínculos com a história dos barbadianos em Rondônia. Relate em poucas linhas essa polêmica.

CB − Antes das minhas pesquisas sobre o grupo à qual descendo e pesquiso, desde meados de 2004, éramos conhecidos, majoritariamente, como barbadianos(as). Alguns pesquisadores (as), também utilizavam o termo caribenhos(as), contudo nunca se preocuparam com o reconhecimento identitário do qual eu fui a precursora. Assim sendo, a partir do segundo semestre de 2016, passei a utilizar, nas minhas pesquisas, artigos acadêmicos, livros e outros materiais bibliográficos o termo − afro-antilhanos(as) − e não mais antilhanos(as), utilizado durante o período de 2009/2016. Consequentemente, durante o meu processo de doutoramento em educação (2018/2020), pela UNESP/Marília, submeti o projeto sobre a mulher afro-antilhana na educação de Porto Velho (2018), defendendo a tese: A mulher afro-antilhana de Porto Velho e sua anterioridade na Educação (2020), que está disponível no repositório Unesp/Marília, acessando o link: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/202237.

A partir daí, algumas pessoas começaram a se apropriar do termo afro-antilhana, utilizado exclusivamente na minha pesquisa, sem dar o crédito conveniente. Ora, a minha pesquisa, geradora da tese acadêmica, com o respectivo termo, está registrada e divulgada para o mundo todo. Todavia, infelizmente, os plagiadores foram além de copiarem o termo referido, chegaram ao ponto de plagiar parte da minha pesquisa de doutorado, criando sites com dados tabulados por mim e inseridos na minha tese de doutorado: um estudo sério, responsável e feito com muita dignidade, resultado de mais de 17 anos de trajetória acadêmica. Como prova de trechos plagiados cito, por exemplo, a lista que construí com um mapeamento totalizando 67 mulheres, professoras, imigrantes, de descendência afro-antilhana, na educação e fora do âmbito educacional, que está disponível em um site de uma pessoa externa da comunidade, que nunca pesquisou sobre o tema, e sem dar o devido crédito à pesquisadora, mas, em breve isso estará resolvido, infelizmente, por via judicial. É de se lamentar que essa situação de plágio teve apoio de duas descendentes de afro-antilhanos, que nunca escreveram um artigo jornalístico, acadêmico, muito menos livros, e não são da área de História.

Vale lembrar e esclarecer que o termo afro-antilhano(a) pode ser utilizado, falado ou transcrito em outros trabalhos, por qualquer pessoa, desde que seja dado o devido crédito, ou feita a referência apropriada. Do contrário, será considerado apropriação intelectual indevida, daquilo que foi construído, criado e pesquisado por outra pessoa. Nas minhas teses há muitas lacunas para serem aprofundadas...

3. ARL – Uma mulher estudada, como se diz no Nordeste, com tantos apetrechos culturais, detentora do título de Comendadora, dado recentemente por uma empresa de Manaus, ainda sofre preconceito racial, aqui e alhures?

CB − Então, o capital intelectual, cultural e financeiro camufla o preconceito racial, forjando uma situação de não preconceito, mas ele existe. Só com a desconstrução do racismo estrutural conseguiremos desmontar, mundialmente, as energias mentais e emocionais segregacionistas. Os privilégios sociais culturais e econômicos amenizam, mas não extirpam das raízes o racismo, seria necessária uma nova ideologia. Nem a vice-presidente do país mais poderoso do planeta consegue escapar de atitudes racistas pontuais.

4. ARL – Existe preconceito racial no meio universitário?

CB − O meio acadêmico faz parte da nossa sociedade, logo, também é impactado pelo preconceito racial. No entanto, conforme convicção do antropólogo e professor brasileiro-congolês, Kabengele Munanga, defendida pelo professor pós-doutor da USP, Teófilo de Queiróz Júnior, para que houvesse uma significativa mudança seria indispensável uma nova ideologia, capaz de promover uma nova consciência na população negra brasileira. Com isso adviria uma autodefinição e sua correspondente autoidentificação capaz de livrar o negro da passiva aceitação de superioridade do branco. Poderia também equipá-lo para resistir à tentação de ser mulato, poupando-o da ânsia de parecer branco. Seria a forma de conquista de uma sociedade brasileira, constituída como "democracia verdadeiramente plurirracial e pluriétnica", pelo que se vem empenhando, nas últimas décadas, "o mundo afro-brasileiro", com o apoio pessoal e teórico de cientistas sociais. Num tal quadro é que se destaca e se torna relevante a opinião de Kabengele Munanga, graduado pela Université Oficielle du Congo e doutor em Antropologia pela USP.

5. ARL – Você foi indicada para fazer parte da ARL pelo saudoso confrade Anísio Gorayeb, como você se sentiu ao receber o convite?

CB − Quanta saudade do nosso querido confrade Anísio Gorayeb!!!

Fiquei imensamente surpresa, emocionada e feliz pela indicação.

6. ARL – Além das teses transformadas em livros, você já publicou outros trabalhos? Quais?

CB − Sim tenho algumas contribuições bibliográficas, como organizadora e escritora de artigos (...) vou listar alguns:

- A prática docente na Amazônia Ocidental (2018)

- A Educação de Jovens e Adultos: práticas, políticas e desafios (2019)

-  Dossiê Rondônia ‘O Rio que nos une’: Educação, Migração e Cultura nestas paragens” (2019)

- Do mar do Caribe à beira do Madeira: Historiografia, cultura e imigração (2019)

- Do mar do Caribe à beira do Madeira II: a diáspora afro-antilhana para o Brasil (2022)

https://www.youtube.com/channel/UCzAlKYI0pY8ksJNDG4NRdWg

7. ARL – O que restou dos vínculos político/culturais do Estado de Rondônia com as Ilhas do Caribe, que tanto contribuíram para o nascimento do mais novo estado da federação brasileira?

CB − Acredito que o nosso trabalho de pesquisa reaproximou o relacionamento político/cultural com as ilhas caribenhas, como exemplo, cito a visita de duas embaixadoras de Barbados que vieram a nossa capital, Porto Velho, em tempos diferentes (2015/2019), viabilizando novos vínculos socioculturais. O possível intercâmbio com a ilha de Barbados foi frustrado por conta da pandemia, iniciada em março de 2020, mas, neste mesmo ano, em janeiro, a embaixada de Barbados no Brasil, representada pela embaixadora Tonika Sealy-Thompson, promoveu um curso de inglês remoto em parceira com o IFRO, instituição federal onde trabalho como bibliotecária/documentalista.

8. ARL – Do Mar do Caribe à Beira do Madeira, o que essa travessia deixou na mulher antilhana/rondoniense?

CB − Um legado que venho construindo na área da educação, da saúde, memória, culinária, identidade social, vestimenta, musicalidade e tantos outros (...).

9. ARL – Como você vê a mulher caribenha na vida social da capital do Estado de Rondônia?

CB − Hoje, além das imigrantes de Barbados, Granada, etc. que vieram para esta região, no início do Século XX, devido à construção da EFMM e que estão entranhadas em vários segmentos da sociedade portovelhense, temos a participação da mulher haitiana – caribenha de colonização francesa −, advinda da imigração pós terremoto, ocorrido em janeiro de 2010, que atua nas feiras públicas e outros espaços sociais. O que me faz lembrar do processo de inserção social da mulher afro-antilhana no ano de 1910, pois a minha bisavó: Constância Goodrich além de ser lavadeira, fazia doces, salgados no Barbadian Town e posteriormente no perímetro do primeiro Mercado Público de Porto Velho.

10. ARL – Intimamente você se considera rondoniense ou o amor ao Caribe, entranhado na cor da sua pele, pelos seus ancestrais, é mais forte?

CB −Tenho uma ligação forte com o litoral: “amo o mar, a brisa (...)” mesmo não conhecendo Barbados, cresci ouvindo o meu avô Elton Blackman, dizendo que queria conhecer a ilha de Barbados – país de origem de seus pais: Constância Goodrich e Preston Blackman, mas, paralelamente o elo com Rondônia, principalmente Porto Velho, é muito forte, também, amo nossas tradições à moda ribeirinha: cultura do peixe, da farinha, da pesca, enfim, tudo que é ligado à natureza amazônica me interessa. Ademais Sou fã dos versos do nosso confrade Ernesto Mello: Porto Velho meu dengo, desde que eu me entendo, tu és o meu caso de amor… Não obstante adoraria participar de viagens anuais às Antilhas, financiadas pelo Governo do Estado de Rondônia, com a participação de grupos de estudantes rondonienses, estreitando ainda mais os relacionamentos socioculturais, como se a foz do Madeira fosse o Mar das Caraíbas, ou das Antilhas, como gosto de dizer.  

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Márcio Souza universalizou a Amazônia para além das lendas

Márcio Souza universalizou a Amazônia para além das lendas

A Amazônia é uma grande lenda até em sua essência etimológica. O escritor Márcio Souza conseguiu transcender este paradigma e conferir uma descrição

O mundo musical de Lito Casara

O mundo musical de Lito Casara

O geografo que mais conhece o Rio Madeira é também um músico de talento que promoveu em Porto Velho, e em Minas Gerais, rodas de choro e, mais do qu

A história notável do mestre José Aldenor Neves

A história notável do mestre José Aldenor Neves

Um reconhecido professor fundador da UNIR, a universidade federal de Rondônia, é uma das maiores referências em planejamento e orçamento com grande

Inauguração de mural e lançamento de livro sobre a história da medicina em Rondônia

Inauguração de mural e lançamento de livro sobre a história da medicina em Rondônia

Na próxima segunda-feira 6, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Rondônia (Cremero), situado na avenida dos Imigrantes, 3414, bairro Liberda

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)