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Entrevista especial com o juiz federal, Dimis da Costa Braga, membro fundador da ARL - Parte 03


Entrevista especial com o juiz federal, Dimis da Costa Braga, membro fundador da ARL - Parte 03 - Gente de Opinião

O Cidadão

8. ARL - O que a pandemia nos ensinou? Como conviver com a saudade dos confrades e amigos que partiram prematuramente?

Dimis Braga – Aprendemos o quanto vale a qualidade sanitária que garante a liberdade de ir e vir.   As doenças, especialmente as epidemias, sempre foram fruto da insalubridade decorrente das aglomerações humanas. De um lado a ciência desenvolve a medicina preventiva através de medicamentos e vacinas, o interesse econômico se apropria dessa fonte de riqueza e garante a redução da mortalidade, mas de outro, o aumento das populações nas cidades e no campo, produz mais doenças – a maioria proveio, ao longo dos séculos, das regiões orientais mais populosas e menos sanitizadas, como a epidemia de Peste Antonina, no século I. Enfim, a humanidade vem poluindo o Planeta, gerando extinção de espécies e infelizmente, pouco aprendeu em termos de saúde coletiva e ambiental do planeta.

A pandemia de Covid-19 é em grande parte fruto do modo de vida insustentável imposto pelo sistema econômico mundial que produz a exploração do homem pelo homem – seja no capitalismo ou comunismo. Continuamos escravos do consumismo, poluindo a natureza, e sempre exigindo mais do Planeta, nossa casa e única fonte de vida. Os cientistas avisam que já ultrapassamos o tipping point – o ponto de virada, quando não há mais como retroceder no caminho de uma catástrofe irreversível –, e nos aproximamos da maior extinção em massa no Planeta Terra. Mais energia, mais combustíveis fósseis, mais produção, mais gases de efeito estufa na atmosfera, gerando mudanças e eventos climático drásticos: calor insuportável, derretimento dos polos, tempestades, furacões e outras calamidades, naturais ou não, como Mariana, Brumadinho, e o recente caso de Petrópolis, com a agravante de serem, ambos os casos, repetições de situações idênticas anteriores.

E não se descarta que essa pandemia tenha sido intencional, por interesses econômicos; nossas perdas, ganho$ dele$! Sem falar na corrupção de estados e municípios, com os recursos enviados para combatê-la! Há muita mentira e falácia por detrás da pretensa seriedade com que se enfrenta a pandemia, o que me lembra outra peça de Viriato Moura, o haicai Máscara:

Por trás / De suposta sisudez / Muita desfaçatez.

Ademais, a pandemia afasta, desumaniza e brutaliza as pessoas, tornando-as mais egoístas. Observe que vimos mais casos de violência doméstica, de gênero, étnica e racial, como o caso George Floyd. Para completar o quadro infausto de desamor da humanidade, justo quando estamos vencendo a pandemia, assistimos perplexos a nova invasão e opressão russa contra o povo ucraniano, movida pela mesma ganância dos romanos no século I, que para além de gerar um grave desequilíbrio no Planeta, perdas e mortes, ameaça a tão sonhada paz mundial e desintegra nossas mais acalentadas esperanças de um mundo fraterno e solidário no século XXI.

Dito tudo isto, não há melhor forma de conviver com a saudade dos amigos, senão vivenciando sua obra, reafirmando a sua imortalidade e compartilhando sua produção com a sociedade. Eles estão conosco e na história de Rondônia, onde ficarão para sempre. Não vejo a hora de voltarmos a nos reunir, pois necessitamos coletivamente amainar toda essa perda, reabrindo nossos corações para o irmão e reverenciando as doces lembranças do Anisinho, reverberando os registros históricos do Matias e buscando os caminhos do Joãozinho, através da sensibilidade poética de seus escritos.

9. ARL - Você é amazonense, mas é querido pelos porto-velhenses como um autêntico filho da terra. A que você deve tal sintonia? O que o fez se identificar tanto com Rondônia?

Dimis Braga – Vai ver, porque bebi água do Madeira? Acredito que o tratamento que venho recebendo decorre de ter acionado, no meu relacionamento com toda a comunidade, o “modo respeito”: imprensa, poderes públicos, empresas, e principalmente as pessoas, que fazem as instituições.

Além disso, tenho me esforçado para ser um cidadão que, nas minhas áreas de atuação, seja como juiz, professor ou escritor, decide, ensina e fala sobre o Estado, a cidade e o povo de Rondônia, conhecendo a história, a cultura e as pessoas que fazem a sua história.

Trago comigo muita vontade de aprender e respeitar os valores locais, onde quer que vá, e colocando-me sempre à disposição para aprender, como um legítimo filho da terra. E recebi o maior galardão quando em 2015 a ALERON me concedeu o título de Cidadão de Rondônia. Apaixonei-me por Juliana, uma bela mulher portovelhense, com quem me casei e recebemos a dádiva de nosso filho, Dimis Herculano. Que mais posso receber desta terra? Apenas ela mesma sobre mim, no momento oportuno.

10. ARL – Muito já se escreveu sobre a vida, mas uma frase de Clarice Lispector reconhece que nem tudo na vida precisa fazer sentido: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. E para você, nobre acadêmico, o que é a vida?

Dimis Braga – A vida é, acima de tudo, amor. As pessoas felizes são as que conseguem se doar aos seus amados: cônjuge, pais, irmãos, amigos, de sangue ou não. Amar vale a pena; aliás, vê-se que a vida é amor na própria natureza, pois nos bichos se observa o maior exemplo de amor: tigres, golfinhos, baleias, todos cuidam dos filhotes geração a geração, e algumas espécies cuidam das outras, como certas formigas que alimentam uma lagarta que se tornará uma das mais belas borboletas.

Sobre fazer sentido ou não, merece uma percepção mais ampla, valho-me novamente de Spinoza: o que numa visão micro parece o caos, fará sentido em uma perspectiva de tempo e espaço mais ampla. Sub specie aeternitatis, tudo está justificado, tudo é necessário e nossas angústias decorrem do olhar particular de cada um, incapaz de contemplar a obra toda da eternidade. Spinoza nos convida a pensar que todos somos partículas de uma escultura: enxergando a nosso redor apenas as microscópicas imperfeições da pedra, desconhecemos que as minúsculas rugosidades e rachaduras da escultura em nada alteram a beleza do conjunto para quem a contempla no todo.

Em Grande Sertão – Veredas, Riobaldo tenta, de forma caótica e desconexa, entender coisas como a vida, o motivo de estar aqui, o mundo enfim, e depois que se torna também chefe de jagunços, tenta consertar o mundo a seu modo, sem se deixar entregar ao amor, vindo a descobrir apenas tardiamente que seu amor estava a seu alcance... Contraditoriamente, ama-se o diferente, mas o inesperado perfaz a beleza da vida. Com o tempo, veremos que a memória nos traz de volta momentos maravilhosos, mesmo não sendo seguido de um “final feliz”. Um abraço, um beijo de um amor que se perdeu ao longo da jornada, ficou gravado para sempre, repercutindo o mesmo arrepio, o gosto na boca, o cheiro da pele e a sensação de frio na barriga.

Como na arte da fotografia, do cinema, a vida se compraz em nos legar telas grandiosas e talvez muito simples, que se tornam irrepetíveis. Pode ser a entrada triunfal na igreja e o beijo inesquecível no dia do casamento, mas também o calor da mãe pegando a gente no colo logo ao acordar; o frescor da manhã que bate no rosto logo ao abrir a janela; a fumaça do café quente subindo, tremulando a imagem da pessoa amada do outro lado da mesa. A felicidade pode ser o reflexo do outro, ao entregar um presente a uma criança ou idoso num orfanato ou asilo. A vitória sobre uma doença grave... o nascimento dos filhos.

E o imponderável momento da travessia, pois a morte é a reafirmação da vida, e vice-versa, materializada na tênue filigrana de um instante. Achamos que quando morremos voltamos à natureza, quando em verdade, jamais saímos dela – não vivemos sem respirar o ar que nos circunda, e necessitamos, volta e meia, parar para contemplar a natureza.

A vida é contínuo reencontro com o universo, apreciando-o, seja nas gravuras ou andanças de Angella Schiling pelas ruas de Porto Velho, nos pássaros de Maria Miranda e mesmo na luta humana pelo Poder registrada na crônica semanal de Robson Oliveira – que tem criticado bastante os políticos que não colocam o meio ambiente no centro de suas atenções.

Necessitamos dar-nos mais ao amor fraterno. Em justo movimento, uma nova corrente jurídico-filosófica, desenvolvida a partir do pensamento Chiara Lubich, vem trazendo de volta a fraternidade ao seu lugar de importância na tríade da Revolução Francesa, eis que, no rastro das lutas entre ocidente e oriente, por liberdade ou igualdade, vem de há muito esquecida.

Necessitamos, mais do que nunca, da interação humana, que nada mais é do que um conjunto de trocas de mensagens, que tem sido cada vez mais prejudicada pela tal pós-verdade que nos polariza, brutaliza e desfraternaliza. Civilidade, nesse contexto, é também um ato de amor.

Ora, necessitamos nos irmanar e caminhar na areia da praia, intercalando banhos de mar, ou na senda arborizada de uma vereda amazônica, colhendo seus frutos, e contemplando o belo, de preferência de mãos e braços dados. Porque viver vale a pena – com amor.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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