Segunda-feira, 7 de março de 2022 - 12h05
O
Cidadão
8. ARL
- O que a pandemia nos ensinou? Como conviver com a saudade dos confrades e
amigos que partiram prematuramente?
Dimis
Braga – Aprendemos o quanto vale a qualidade sanitária que garante a liberdade
de ir e vir. As doenças, especialmente
as epidemias, sempre foram fruto da insalubridade decorrente das aglomerações
humanas. De um lado a ciência desenvolve a medicina preventiva através de
medicamentos e vacinas, o interesse econômico se apropria dessa fonte de
riqueza e garante a redução da mortalidade, mas de outro, o aumento das
populações nas cidades e no campo, produz mais doenças – a maioria proveio, ao
longo dos séculos, das regiões orientais mais populosas e menos sanitizadas,
como a epidemia de Peste Antonina, no século I. Enfim, a humanidade vem
poluindo o Planeta, gerando extinção de espécies e infelizmente, pouco aprendeu
em termos de saúde coletiva e ambiental do planeta.
A
pandemia de Covid-19 é em grande parte fruto do modo de vida insustentável
imposto pelo sistema econômico mundial que produz a exploração do homem pelo
homem – seja no capitalismo ou comunismo. Continuamos escravos do consumismo,
poluindo a natureza, e sempre exigindo mais do Planeta, nossa casa e única
fonte de vida. Os cientistas avisam que já ultrapassamos o tipping point – o ponto de virada, quando não há mais como
retroceder no caminho de uma catástrofe irreversível –, e nos aproximamos da
maior extinção em massa no Planeta Terra. Mais energia, mais combustíveis
fósseis, mais produção, mais gases de efeito estufa na atmosfera, gerando
mudanças e eventos climático drásticos: calor insuportável, derretimento dos
polos, tempestades, furacões e outras calamidades, naturais ou não, como
Mariana, Brumadinho, e o recente caso de Petrópolis, com a agravante de serem,
ambos os casos, repetições de situações idênticas anteriores.
E não
se descarta que essa pandemia tenha sido intencional, por interesses econômicos;
nossas perdas, ganho$ dele$! Sem falar na corrupção de estados e municípios,
com os recursos enviados para combatê-la! Há muita mentira e falácia por detrás
da pretensa seriedade com que se enfrenta a pandemia, o que me lembra outra
peça de Viriato Moura, o haicai Máscara:
Por
trás / De suposta sisudez / Muita desfaçatez.
Ademais,
a pandemia afasta, desumaniza e brutaliza as pessoas, tornando-as mais
egoístas. Observe que vimos mais casos de violência doméstica, de gênero,
étnica e racial, como o caso George Floyd. Para completar o quadro infausto de
desamor da humanidade, justo quando estamos vencendo a pandemia, assistimos
perplexos a nova invasão e opressão russa contra o povo ucraniano, movida pela
mesma ganância dos romanos no século I, que para além de gerar um grave
desequilíbrio no Planeta, perdas e mortes, ameaça a tão sonhada paz mundial e
desintegra nossas mais acalentadas esperanças de um mundo fraterno e solidário
no século XXI.
Dito
tudo isto, não há melhor forma de conviver com a saudade dos amigos, senão
vivenciando sua obra, reafirmando a sua imortalidade e compartilhando sua
produção com a sociedade. Eles estão conosco e na história de Rondônia, onde
ficarão para sempre. Não vejo a hora de voltarmos a nos reunir, pois
necessitamos coletivamente amainar toda essa perda, reabrindo nossos corações
para o irmão e reverenciando as doces lembranças do Anisinho, reverberando os
registros históricos do Matias e buscando os caminhos do Joãozinho, através da
sensibilidade poética de seus escritos.
9. ARL
- Você é amazonense, mas é querido pelos porto-velhenses como um autêntico
filho da terra. A que você deve tal sintonia? O que o fez se identificar tanto
com Rondônia?
Dimis
Braga – Vai ver, porque bebi água do Madeira? Acredito que o tratamento que
venho recebendo decorre de ter acionado, no meu relacionamento com toda a
comunidade, o “modo respeito”: imprensa, poderes públicos, empresas, e
principalmente as pessoas, que fazem as instituições.
Além
disso, tenho me esforçado para ser um cidadão que, nas minhas áreas de atuação,
seja como juiz, professor ou escritor, decide, ensina e fala sobre o Estado, a
cidade e o povo de Rondônia, conhecendo a história, a cultura e as pessoas que
fazem a sua história.
Trago
comigo muita vontade de aprender e respeitar os valores locais, onde quer que
vá, e colocando-me sempre à disposição para aprender, como um legítimo filho da
terra. E recebi o maior galardão quando em 2015 a ALERON me concedeu o título
de Cidadão de Rondônia. Apaixonei-me por Juliana, uma bela mulher
portovelhense, com quem me casei e recebemos a dádiva de nosso filho, Dimis
Herculano. Que mais posso receber desta terra? Apenas ela mesma sobre mim, no
momento oportuno.
10.
ARL – Muito já se escreveu sobre a vida, mas uma frase de Clarice Lispector
reconhece que nem tudo na vida precisa fazer sentido: “Renda-se, como eu me
rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em
entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. E para você, nobre
acadêmico, o que é a vida?
Dimis
Braga – A vida é, acima de tudo, amor. As pessoas felizes são as que conseguem
se doar aos seus amados: cônjuge, pais, irmãos, amigos, de sangue ou não. Amar
vale a pena; aliás, vê-se que a vida é amor na própria natureza, pois nos
bichos se observa o maior exemplo de amor: tigres, golfinhos, baleias, todos
cuidam dos filhotes geração a geração, e algumas espécies cuidam das outras,
como certas formigas que alimentam uma lagarta que se tornará uma das mais
belas borboletas.
Sobre
fazer sentido ou não, merece uma percepção mais ampla, valho-me novamente de
Spinoza: o que numa visão micro parece o caos, fará sentido em uma perspectiva
de tempo e espaço mais ampla. Sub specie aeternitatis, tudo está
justificado, tudo é necessário e nossas angústias decorrem do olhar particular
de cada um, incapaz de contemplar a obra toda da eternidade. Spinoza nos
convida a pensar que todos somos partículas de uma escultura: enxergando a
nosso redor apenas as microscópicas imperfeições da pedra, desconhecemos que as
minúsculas rugosidades e rachaduras da escultura em nada alteram a beleza do
conjunto para quem a contempla no todo.
Em
Grande Sertão – Veredas, Riobaldo tenta, de forma caótica e desconexa, entender
coisas como a vida, o motivo de estar aqui, o mundo enfim, e depois que se
torna também chefe de jagunços, tenta consertar o mundo a seu modo, sem se
deixar entregar ao amor, vindo a descobrir apenas tardiamente que seu amor
estava a seu alcance... Contraditoriamente, ama-se o diferente, mas o
inesperado perfaz a beleza da vida. Com o tempo, veremos que a memória nos traz
de volta momentos maravilhosos, mesmo não sendo seguido de um “final feliz”. Um
abraço, um beijo de um amor que se perdeu ao longo da jornada, ficou gravado
para sempre, repercutindo o mesmo arrepio, o gosto na boca, o cheiro da pele e
a sensação de frio na barriga.
Como
na arte da fotografia, do cinema, a vida se compraz em nos legar telas
grandiosas e talvez muito simples, que se tornam irrepetíveis. Pode ser a
entrada triunfal na igreja e o beijo inesquecível no dia do casamento, mas
também o calor da mãe pegando a gente no colo logo ao acordar; o frescor da
manhã que bate no rosto logo ao abrir a janela; a fumaça do café quente
subindo, tremulando a imagem da pessoa amada do outro lado da mesa. A
felicidade pode ser o reflexo do outro, ao entregar um presente a uma criança
ou idoso num orfanato ou asilo. A vitória sobre uma doença grave... o
nascimento dos filhos.
E o
imponderável momento da travessia, pois a morte é a reafirmação da vida, e
vice-versa, materializada na tênue filigrana de um instante. Achamos que quando
morremos voltamos à natureza, quando em verdade, jamais saímos dela – não
vivemos sem respirar o ar que nos circunda, e necessitamos, volta e meia, parar
para contemplar a natureza.
A vida
é contínuo reencontro com o universo, apreciando-o, seja nas gravuras ou
andanças de Angella Schiling pelas ruas de Porto Velho, nos pássaros de Maria
Miranda e mesmo na luta humana pelo Poder registrada na crônica semanal de
Robson Oliveira – que tem criticado bastante os políticos que não colocam o
meio ambiente no centro de suas atenções.
Necessitamos
dar-nos mais ao amor fraterno. Em justo movimento, uma nova corrente
jurídico-filosófica, desenvolvida a partir do pensamento Chiara Lubich, vem
trazendo de volta a fraternidade ao seu lugar de importância na tríade
da Revolução Francesa, eis que, no rastro das lutas entre ocidente e oriente,
por liberdade ou igualdade, vem de há muito esquecida.
Necessitamos,
mais do que nunca, da interação humana, que nada mais é do que um conjunto de
trocas de mensagens, que tem sido cada vez mais prejudicada pela tal pós-verdade
que nos polariza, brutaliza e desfraternaliza. Civilidade, nesse contexto, é
também um ato de amor.
Ora,
necessitamos nos irmanar e caminhar na areia da praia, intercalando banhos de
mar, ou na senda arborizada de uma vereda amazônica, colhendo seus frutos, e
contemplando o belo, de preferência de mãos e braços dados. Porque viver vale a
pena – com amor.
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