Terça-feira, 15 de março de 2022 - 12h42
Nesta semana a atual diretoria
da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes - ARL entrevista o
professor Célio Leandro da Silva, paraense de Uruará, historiador, mestre,
doutorando, ex-diretor da Biblioteca Municipal Francisco Meireles, atual
diretor da EEEFM Major Guapindaia e membro efetivo da ARL, onde ocupa a cadeira
23, cujo patrono é José Pontes Pinto. Porto Velho, março de 2022.
1. ARL − Quem
é Célio Leandro da Silva? Responda como se estivesse diante do espelho,
enxergando a parte do seu corpo
que abriga o coração, seus sentimentos e emoções.
Célio
Leandro é um típico caboclo do interior, nascido às margens da rodovia
Transamazônica, último de doze filhos. Aos 13 anos chegou nas terras de Rondon
como mais um, em busca do “Eldorado”. Acolhido por família pioneira, foi
açougueiro, lavador de carro, feirante, vendedor de jornal (onde conheci os
caminhos da leitura). Apaixonado por nossa História, busquei (e ainda busco)
conhece-la e acima de tudo, vivenciar ... Graduação, especialização, mestrado e
doutorado na área de História Regional, contudo, minha maior aprendizagem
sempre foi na “conversa”, tenho o privilégio de experienciar nossa história com
grandes ícones, foram tardes com Esron de Menezes, dividi palestras com Anísio
Gorayeb, frequentei a casa de Eunice Bueno, fui aluno de Mário Sávio (quanta
sapiência e inspiração); mas também tive a honra de aprender com personagens não
tão conhecidos, como seu Raimundo, o construtor de dormentes, seu Antônio
açougueiro, dona Graça da banca de revista e tantos outros que por minha vida
passaram e deixaram marcas de suas vivências.
Sou um apaixonado (agora mais que nunca),
creio que a paixão é a grande energia que move o mundo. Paixão pelo
conhecimento, pelo desafio, pelo trabalho, pela família ... Paixão pela busca,
por uma coleção, por mais uma manhã, paixão por um novo amor, enfim, PAIXÃO.
2.
ARL − Quantos e quais livros você já escreveu e publicou?
Terra
Sem História – Identidade e História na Amazônia de Euclides da Cunha,
publicado pela PUC/RS faço uma análise acerca dos escritos euclidianos sobre a
vivência dos seringueiros na Amazônia;
O
Ritual de Judas na Amazônia, publicado pela Temática Editora. Nesta
obra mergulho na pureza da religiosidade dos ribeirinhos em torno do personagem
e ritual de “malhar o Judas”;
Encontro
de Gigantes: Euclides da Cunha e Plácido de Castro na Amazônia,
Imediata Editora. Um encontro inusitado, dois grandes líderes passam 7 dias em
uma viagem pela Amazônia, o resultado: Histórias de muita luta e trabalho;
História
Rondoniana: História de Rondônia em uma Perspectiva Didática.
Temática Editora. História da ocupação do oeste amazônico numa versão didática com
indicação de leitura e questões voltadas para a compreensão de cada fase de
ocupação.
Jorge
Teixeira – 100 anos de História. Editora Imediata. Revista
alusiva ao centenário de Jorge Teixeira de Oliveira, o construtor de Rondônia.
Conta com artigos de personalidades que conviveram e/ou pesquisaram sobre este
grande personagem de nossa História.
3. ARL −
Nós temos em Rondônia vários historiadores, na sua opinião, por que o Governo
do Estado, através da Seduc, nunca se preocupou em patrocinar livros de historiadores
regionais, que seriam posteriormente adotados nas escolas?
O sistema púbico é muito complexo, temos
excelentes obras, não somente o campo da história, que poderia está
contribuindo para a aprendizagem/educação de nossos jovens. Infelizmente uma série
de “amarras” burocráticas dificultam a aquisição, falo por experiência, não
depende de “querer” e sim de mudança estrutural/legal. Torço para que possamos
encontrar um mecanismo de apoio a divulgação de obras regionais
4. ARL –
Recentemente, o Governador e a cúpula da Seduc se reuniram no auditório do
Major Guapindaia para homenagear a diretoria e professores do MG, pelo sucesso
dos alunos desta prestigiada instituição de ensino, nas provas do ENEM,
notadamente no quesito redação. O que você fez no pré ENEM, diferente das
outras escolas, para alcançar o festejado sucesso?
Conseguimos
um conjunto de fatores que favoreceu este resultado, foi um processo que
refletiu muito os esforços da equipe. Nossos professores têm uma dedicação
ímpar, obedecendo a um projeto da escola, com carga horária e currículo escolar
diferenciados. Creio que a presença da família na escola tem feito diferença,
embora o período da pandemia não nos permitiu muito, mas fizemos e fazemos
questão desta presença. No Major buscamos realizar mutirões, jogos, reuniões
... nossa comunidade participa efetivamente da escola, há um pertencimento.
Além disso, recebemos um grande apoio governamental, conseguimos, com esse
apoio, estruturar a escola, criar um ambiente favorável à aprendizagem.
É
fundamental levarmos à finco o que preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei 9.394/96 (Brasil, 1996), em cujo artigo segundo
afirma-se “A Educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios
de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Quando cada elemento do processo assumir sua
responsabilidade de fato, a educação se faz. É o que buscamos.
5. ARL –
Uns elogiam, outros criticam, qual a sua opinião sobre o ensino remoto? Os
alunos melhoraram ou pioraram estudando em home office, nestes tempos de
pandemia?
Entendo
que o modelo de ensino que vivenciamos era o que tínhamos para o momento,
devido a situação, professores tiveram que virar youtubers, programadores,
técnicos em informática, enfim, funções até então inéditas para a grande
maioria. Se a aprendizagem foi comprometida? Diria que foi diferente. O ensino
virtual teve que contar, necessariamente, com a família, a pandemia exigiu
muitas adaptações em casa, o que também provoca diversas dúvidas. Uma das mais
comuns está relacionada ao papel da família nas aulas remotas, pois esse ajuste
exige organização da rotina dos moradores, apoio aos filhos em período de
aprendizagem e flexibilidade para conciliar os demais afazeres.
O
processo de ensino-aprendizagem, por si, já é complexo, e a sua virtualização
acarretou novos desafios. Nesse contexto, a união da família é importante para
tornar essa experiência mais prazerosa e formadora. Similarmente, a relação com
a escola tem um impacto significativo. Uma realidade a pandemia nos trouxe:
será impossível uma educação desvinculada das mídias e modelos virtuais
vivenciados na pandemia, o processo educativo está vivenciando (infelizmente
por força de uma situação pandêmica) uma nova era, negar ou não participar é
retrocesso.
O
processo de ensino-aprendizagem, por si, já é complexo, e a sua virtualização
acarretou novos desafios. Nesse contexto, a união da família é importante para
tornar essa experiência mais prazerosa e formadora. Similarmente, a relação com
a escola tem um impacto significativo.
6. ARL − Quais suas ações, enquanto diretor do colégio Major Guapindaia
e ex-diretor da Biblioteca Pública Municipal Francisco Meirelles, pela
divulgação da literatura regional?
Há
uma grande carência em nossa sociedade de atividades voltadas para o estímulo à
leitura, em nossa gestão na Biblioteca estimulamos a criação de clubes de
leitura, realizamos concursos de contos, poemas e fotografia e implantamos um
projeto onde direcionávamos estudantes a vivenciar a biblioteca onde e seus
espaços de leitura.
Projetos
de estímulo à leitura são louváveis, contudo acredito que a família, mais uma
vez, tem um papel primordial no processe. O ambiente familiar e as experiências
que a criança vive em seu dia a dia têm grande influência no seu
desenvolvimento. Isso é verdade também no que diz respeito à leitura: o hábito
de ler em família ajuda no desempenho escolar durante a infância, contribuindo
para a aprendizagem ao longo da vida. Segundo a pedagoga Cláudia Onofre, a
criança que traz o hábito da leitura de casa é mais participativa, se coloca no
lugar do outro, tem uma imaginação fértil e mais facilidade em partilhar
objetos, espaço e conhecimento.
7. ARL − Pelas
suas publicações em grupos de WhatsApp, percebe-se que você é um adepto
fervoroso da literatura de autoajuda? Você acredita mesmo nesse tipo de
literatura ou é apenas porque você sabe que se trata
de uma leitura fácil, de baixo custo, que não requer grande esforço mental para
a compreensão do texto, ademais são obras muito bem difundidas pela mídia,
reforçadas por veículos de comunicação respeitáveis e que propõem soluções
simples, nem sempre válidas ou efetivas, para problemas complexos?
Não
me vejo como um “adepto de literatura de autoajuda”, o que publico são frutos
de reflexos diárias acerca da vida, relações sociais, amadurecimento, e, apesar
de pouca idade (rsrsrs) são reflexões de minha vivência. Por si
só a leitura é algo que contribui para o aumento do conhecimento, o
desenvolvimento pessoal e profissional, além de ampliar o vocabulário e
melhorar o repertório cultural, além de tantos fatores que contribuem para o
indivíduo que tem o hábito de ler. A leitura é o melhor exercício para
estimular o cérebro, e manter a capacidade mental em forma, creio que minha
contribuição vem mais por esse viés.
Estudos confirmam que a nossa mente é
associativa e vincula as informações aleatoriamente, seguindo uma lógica que só
ela entende. Atribui significados e símbolos a partir de acontecimentos que nos
emocionaram em algum momento. Significados esses, que nos impactaram,
aterrorizaram e apaixonaram, os traçando de tal modo que para deixarem de
funcionar automaticamente, deve ser feito um trabalho de anulação voluntária.
Se
uma pessoa acha que um texto reflexivo não serve para nada, mesmo se esbarrando
com informações que podem ajuda-la. é possível que ele não tenha nenhum efeito.
No entanto, para uma pessoa que realmente acredita nessas informações, sempre
haverá bons resultados. Por enquanto, me sinto bem ao publicá-los, sem grandes
pretensões) e com o retorno percebido.
8. ARL −
Para a professora e psicóloga Eunice Madeira a falta de contato físico entre as
pessoas, principalmente neste período de pandemia, nos deixou órfãos da química
olho no olho, daí que quem faz a opção pela divulgação ou produção de textos de
autoajuda o faz não para o próximo, mas para o seu íntimo, esse universo onde
habita a magia da solidão. Favor
comentar. Enfim, você acredita na literatura de autoajuda como terapia?
Reiterando
que não considero os textos que publico uma “autoajuda”, sei que a literatura
de autoajuda é, na contemporaneidade, um dos gêneros mais consumidos pelos
leitores. A autoajuda literária é configurada por um conjunto de obras que tem
por objetivo fazer o leitor pensar sobre seus próprios problemas ou aprimorar
suas habilidades e, para isso, as narrativas do gênero fornecem variadas
alternativas para todo tipo de assunto. Faço reflexões que, certamente
demonstram uma busca interna, mas que considero formas de inspiração (os textos
publicados). Tenho recebido excelente retorno, comentários de leitores de como
os textos os têm ajudado, cobranças nos dias que não consigo publicar, enfim,
em última instância, os textos estão estimulando o hábito da leitura, o que já
me motiva a continuar.
9. ARL –
O que significa a ARL na sua vida? De que forma você poderá contribuir para
divulgar a ARL nas escolas públicas?
Ser
membro efetivo de uma academia de letras por si só, já é motivo de orgulho e
reconhecimento pessoal, fazer parte de um seleto grupo nos torna responsável
pelo que se propõe esse grupo, ARL significa uma busca pelos caminhos da
literatura, participar da Academia me torna responsável pela defesa e
divulgação de seus princípios.
Sempre
defendi a ideia de que a Academia deve estar onde o leitor estiver, onde ele se
encontra e as escolas certamente devem ser o local da Academia. Pretendo, junto
com nobres confrades, realizar essa aproximação. Imagino um fim de tarde, numa
escola, uma leitura de um conto com William Haverly Martins,
acompanhado de uma bela composição clássica com Andréa Figueiredo, poemas do
professor Dettoni em meio à exposição de Angella Schilling, são exemplos de
inúmeras configurações de eventos possíveis, certamente uma maneira de estímulo
e vivência da academia com seu público.
10.
ARL – De que forma o professor pode preencher a
ânsia característica do aluno do ´século 21, por conhecimento, conselhos,
sugestões, caminhos e orientações, concorrendo com o celular, na reflexão
filosófica do dia a dia?
O
ato de ensinar por si só é um desafio e tanto. E lidar com uma grande
diversidade de alunos acaba exigindo muitas competências do professor, que tem
papel fundamental na preparação deles. Em qualquer época essa é uma atividade
desafiadora, mas podemos dizer que as mudanças ocorridas ao longo do tempo
aumentaram as exigências para esse tipo de profissional. Afinal, é enorme a
responsabilidade de formar pessoas, no mundo de hoje.
Não
podemos vislumbrar as chamadas “novas mídias” como um concorrente, é fato. Daí
o desafio só aumenta, como contribuir para “preencher a ânsia” e ao mesmo
tempo, despertar a criticidade de nossos jovens diante de turbilhões de
informações? Aliando-nos e eles. A ideia é buscar, onde o jovem se encontra,
mecanismos de atração, de reflexão e de criticidade.
É
sem dúvidas uma tarefa nada fácil, de acordo com a Stanford Encyclopedia of
Philosophy, a adoção do pensamento crítico como objetivo educacional foi
“recomendada com base no respeito à autonomia dos estudantes e na preparação
destes para o sucesso na vida e para a cidadania democrática”. Além disso,
“demonstrou-se experimentalmente que a intervenção educacional aprimora as
habilidades do pensamento crítico, principalmente quando inclui diálogo,
instrução ancorada e orientação”.
Esses
argumentos, sem dúvida, fazem da escola um bom ambiente para que a
criança/adolescente desenvolva as habilidades necessárias ao pensamento
crítico, uma vez que está exposta a um sem-número de informações propícias ao
fomento de reflexões consistentes. Mais uma vez, o papel do professor-formador
ganha notória importância.
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