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História de Gente de Opinião

Exemplo de pioneiro


Délcio Alves Pereira - Gente de Opinião
Délcio Alves Pereira

Continuando com a missão de tornar conhecidos os membros da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes – ARL, a Diretoria da ARL entrevista o médico e escritor Délcio Alves Pereira, titular da cadeira nº 29, cujo patrono é o médico Belizário Penna.

1.   ARL - Quem é Délcio Alves Pereira?

 

R- Antes de responder à primeira pergunta, tenho que parabenizar os idealizadores deste programa de entrevistas e todos aqueles que vêm dando fôlego e corporatura à ideia.

Sou casado com Dione há quase 45 anos; tenho duas filhas e quatro netas; três irmãs. Nasci em Salinas, Minas Gerais. Cresci com um pé no sul da Bahia, e o outro no leste de Minas. Descalço, vestindo calças curtas e camisa, levando pendurado ao ombro um embornal cheio de coisas escolares e merenda, eu e amigos íamos para uma escola que se punha dentro da casa do vizinho de roça. Da roça fui para Lajedão, uma cidade-roça sul-baiana.  Depois, para Nanuque, para mim, então, uma grande cidade mineira. Uma da outra, perto. Aí veio o salto supino e de importância oceânica: de ônibus, saltei de Nanuque a Belém. Tinha 19 anos de idade quando o meu pai, atrás de adquirir uma roça que lhe sustentasse e os filhos, ele só sabia trabalhar na roça, empinou o nariz para as bandas do sul do Pará. E foi muito bom, pois lá ele teve condições de manter a família na capital, Belém. E os filhos estudaram. Ele não sabia ler nem escrever, fazia, porém, contas de cabeça. Aí calculou que, se ficasse em Minas, os filhos não passariam do curso científico e da escola normal. Caso sonhassem com uma faculdade, teriam que se debandarem para São Paulo, em busca de empregos e estudos. Em Belém, na UFPA, em 1978, graduei-me em medicina. De Belém, fui para uma cidade do interior do Espírito Santo, onde aconteceram meus primeiros dias de vida como médico. Morei lá poucos meses; em novembro de 1979, vim para Ariquemes. Como vê, excluindo-se os sete anos em que vivi na capital do Pará, a minha vida acontece em sítios interioranos. Sou, pois, gente que viveu, conviveu, vive e convive com a beleza natural da singeleza. Sou um momento passageiro que se imagina longo, tanto longo que, aos quase setenta, planto uma árvore crendo fielmente que gozarei a sombra dos seus enormes galhos.

 

2.   ARL - Na literatura brasileira, existem muitos médicos, sendo Guimarães Rosa o mais conhecido. Aqui em Rondônia, além de você, temos os médicos Viriato Moura, Heinz Roland Jakobi, Nestor Ângelo Mendes, Samuel Castiel e outros, envolvidos com a literatura. A que você atribui tanto interesse do médico pelas artes literárias?

 

R- Médico é um profissional que logo que se propõe a sê-lo, propõe-se também a adentrar os dramas que envolvem cada indivíduo, cujas fatalidades se sentam à mesa de eventos dolorosos e reais, e de eventos, também dolorosos, porém, surreais. E aí entra no jogo da vida clínica as relações médico-pacientes, necessidade imprescindível para que médico e pacientes tenham seus almejos acertados. O primeiro tem que saber ouvir, o segundo, falar, ainda que falar seja apenas estar aos olhos do primeiro. Cada paciente é um livro. Uns têm poucas páginas e conclusões imediatas; outros as têm inúmeras, requerem atenção redobrada e habilidade para entender seus desfechos. Aí, de forma abstrata e capciosa, a literatura invade o médico, tanto no que se tange à ciência como à ficção, levando o indivíduo médico, conforme a sua aptidão (ou pretensão) e inspirações advindas das suas próprias vivências, ora risonhas, ora lacrimosas, e das alheias, a se deitar nos braços da arte de escrever, para partilhar com o leitor os seus aprendizados e as suas diferentes emoções experimentadas.  

 

3.   ARL - A medicina é arte, ciência ou tudo junto e misturado?

 

R- A medicina é arte e ciência, portanto andam juntas e misturadas. Que medicina é arte, Hipócrates já nos disse. Que não deve haver uma parede entre a arte da medicina e a ciência, também já nos disseram.  Vivemos momentos em que a tecnologia para diagnósticos e curas avança contra a arte de exercer a medicina, o que compromete a fé do paciente no médico ─ a fé tem um enorme poder de cura ─ e o médico, por sua vez, passa a valorizar mais a doença que o doente. E Hipócrates? E São Lucas? Como encaixá-los na modernização da medicina? A parcela científica, da qual o exercício da medicina precisa, continua se desenvolvendo, para o bem da humanidade. A parcela arte de exercer a medicina retrocede à medida que a relação médico-paciente se alarga, para o bem da desumanização. O paciente não é um objeto a ser consertado, é um indivíduo essencialmente corpo/ matéria e alma/sentimento (nesse contexto: mais Spinoza; menos Descartes). O corpo necessita da medicina-ciência; a alma carece da medicina-arte.  

 

4.   ARL - Quais os livros que você publicou?

 

R- Primeiro: Balas, Vacas e Anamneses (contos/narrativa), em 2014. Carlini & Carniato Editorial, Cuiabá/MT. Republicado, com um novo formato e capa, em 2020. Temática Editora, Porto Velho/RO.

Segundo e terceiro: O Estranho Caso das Alianças (romance) e Quando Escuto o Vento (contos e poemas), em 2017. Editora Fontenele Publicações, São Paulo/SP.

Quarto: Desventuras de Jorge Agueto (romance), em 2020. Temática Editora, Porto Velho/RO.

Este quesito me oferece suas guedelhas, não vejo por que não as segurar (vem-me, vem-me mais, Dom Quixote!), então, não poderia deixar de compartilhar com os confrades e leitores o porquê de aventurar-me na arte de escrever. Certo dia, querendo encurtar o tempo de viagem, Porto Velho-Belém, resolvi comprar um livro. Fui à livraria do aeroporto; comprei “Contos Despedaçados”, de Sandra Castiel. Li-o inteiro, sem parar. De repente, um antigo interesse pela literatura, que, em mim, dormia há quarenta anos, acordou. Soube que Viriato Moura escrevia. Procurei-o. Através de livros que ele me presenteou, conheci outros escritores rondonienses. Enfim, soube de Rondônia o que não sabia, e o meu bem-querer por este estado e pela literatura se tornaram mais robustos.

5.   ARL - Quais os escritores que você mais admira? Destaque três romancistas, três contistas e três poetas.

 

      R- Jorge Amado, Machado de Assis, Erico Verissimo.

           Guimarães Rosa, Alan Poe, Jorge Luís Borges.

           Castro Alves, Cecília Meireles, Drummond.

           Pergunta difícil essa. Muito. Soe ser mais elegante, hum!, citar os que já se foram. E os que estão e são?

Admirei todos os escritores que os li. Não li tantos, infelizmente. Ah, se antes soubesse que aos sessenta anos de idade me interessaria pela arte de escrever! Ah, se antes soubesse que a prosa fictícia e a poesia fariam de mim um médico mais humano e mais competente, médico de corpo e alma!   

6.   ARL - Remoto ou presencial, e-book ou impresso, o carinho no papel ou o dedo na tela?

 

       R- Presencial, impresso e carinho no papel. E a lombada exposta na estante, para facilitar uma inevitável releitura. Sou, porém, consciente de que o e-book e o dedo na tela vieram para ficar. Negar ou navegar contra esta onda nova de lidar com a literatura é, no mínimo, um insensato negacionismo.

7.   ARL - A cada ano que passa, segundo as estatísticas, diminui o número de leitores de ficção, até quando? Será que a Inteligência Artificial – lA, eminentemente técnica, vai pôr um fim na fabulação, tida como exclusivamente humana? O futuro literário pertence aos robôs escritores?

 

R- Robô escritor me norteia a nada. Robô transcritor estará na moda, nunca, porém, será literato. Literatura não é apenas a arte de escrever sobre assuntos diversos, é a arte de escrever com paixão, com senso crítico, com ou sem parcialidade, com inventividade, de fazer acontecer a interação social e a comunicação entre dois indivíduos e entre os indivíduos do mundo inteiro; é a arte que derruba barreiras entre diferentes culturas e as aproxima. A literatura existe graças à inteligência humana que lhe busca a existência nas suas aptidões (inato) e no aprendizado cotidiano. O robô escritor não possui aptidões nem aprendizado cotidiano, possui, sim, uma memória para que a inteligência humana o abasteça de dados, fórmulas, opções e de outras coisas que nem sei quais. Não passará, pois, senão de mais uma enciclopédia virtual.

 

8.   ARL - Frango caipira com quiabo, jiló, tutu à mineira, café torrado em casa e tomado à beira do fogão a lenha, ou açaí com peixe e farinha de piracuí, saboreado no Mercado do Ver o Peso, acompanhado de refresco de cupuaçu, pupunha e tucumã? Enfim o reservado ou o público?

 

R- Ambos. Já tive o privilégio de experimentar os dois. Pará e Minas são lugares e sabores bastante diferentes, têm, porém, encantos e prazeres bastante iguais.

 

9.   ARL - Como você avalia o seu sentimento de pertencimento em relação ao município de Ariquemes, consequentemente ao Estado de Rondônia?

 

R- Que moro em Ariquemes já se vai quase 43 anos. Pertenço a Ariquemes e Rondônia, e ambos me pertencem. Tenho amigos, irmãos de luta e confrades de artes. Além desses bens, Ariquemes e Rondônia me emprestaram suas poesias, histórias e causos a que compusesse versos e prosas. Aqui, amparei muitos, e muitos me ampararam. Sinto-me um filho adotado por venturosos pais; não consigo me imaginar respirando outros ares.

 

10.    ARL - O que representa a ARL na sua vida?

 

          R- A ARL representa mais uma conquista valorosa à minha vida. Uma vitória que me aproxima do “ser”, pois o “ter” já o consegui. Ontem, sonhei ter uma rua modesta; hoje, tenho uma avenida. É-me bastante honroso estar entre gente de naipe tão elevado. Questionei e questiono a mim mesmo se possuo pernas fortes e dignas para caminhar tal vereda. Estou me esforçando.          

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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