Domingo, 27 de março de 2022 - 15h25
Continuando com a missão de
tornar conhecidos os membros da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e
Artes – ARL, a Diretoria da ARL entrevista o médico e escritor Délcio Alves
Pereira, titular da cadeira nº 29, cujo patrono é o médico Belizário Penna.
1. ARL - Quem
é Délcio Alves Pereira?
R- Antes
de responder à primeira pergunta, tenho que parabenizar os idealizadores deste
programa de entrevistas e todos aqueles que vêm dando fôlego e corporatura à
ideia.
Sou
casado com Dione há quase 45 anos; tenho duas filhas e quatro netas; três
irmãs. Nasci em Salinas, Minas Gerais. Cresci com um pé no sul da Bahia, e o
outro no leste de Minas. Descalço, vestindo calças curtas e camisa, levando
pendurado ao ombro um embornal cheio de coisas escolares e merenda, eu e amigos
íamos para uma escola que se punha dentro da casa do vizinho de roça. Da roça
fui para Lajedão, uma cidade-roça sul-baiana.
Depois, para Nanuque, para mim, então, uma grande cidade mineira. Uma da
outra, perto. Aí veio o salto supino e de importância oceânica: de ônibus,
saltei de Nanuque a Belém. Tinha 19 anos de idade quando o meu pai, atrás de
adquirir uma roça que lhe sustentasse e os filhos, ele só sabia trabalhar na
roça, empinou o nariz para as bandas do sul do Pará. E foi muito bom, pois lá
ele teve condições de manter a família na capital, Belém. E os filhos
estudaram. Ele não sabia ler nem escrever, fazia, porém, contas de cabeça. Aí calculou
que, se ficasse em Minas, os filhos não passariam do curso científico e da
escola normal. Caso sonhassem com uma faculdade, teriam que se debandarem para
São Paulo, em busca de empregos e estudos. Em Belém, na UFPA, em 1978,
graduei-me em medicina. De Belém, fui para uma cidade do interior do Espírito
Santo, onde aconteceram meus primeiros dias de vida como médico. Morei lá
poucos meses; em novembro de 1979, vim para Ariquemes. Como vê, excluindo-se os
sete anos em que vivi na capital do Pará, a minha vida acontece em sítios
interioranos. Sou, pois, gente que viveu, conviveu, vive e convive com a beleza
natural da singeleza. Sou um momento passageiro que se imagina longo, tanto
longo que, aos quase setenta, planto uma árvore crendo fielmente que gozarei a
sombra dos seus enormes galhos.
2. ARL - Na
literatura brasileira, existem muitos médicos, sendo Guimarães Rosa o mais
conhecido. Aqui em Rondônia, além de você, temos os médicos Viriato Moura,
Heinz Roland Jakobi, Nestor Ângelo Mendes, Samuel Castiel e outros, envolvidos
com a literatura. A que você atribui tanto interesse do médico pelas artes
literárias?
R- Médico
é um profissional que logo que se propõe a sê-lo, propõe-se também a adentrar
os dramas que envolvem cada indivíduo, cujas fatalidades se sentam à mesa de
eventos dolorosos e reais, e de eventos, também dolorosos, porém, surreais. E
aí entra no jogo da vida clínica as relações médico-pacientes, necessidade
imprescindível para que médico e pacientes tenham seus almejos acertados. O
primeiro tem que saber ouvir, o segundo, falar, ainda que falar seja apenas
estar aos olhos do primeiro. Cada paciente é um livro. Uns têm poucas páginas e
conclusões imediatas; outros as têm inúmeras, requerem atenção redobrada e
habilidade para entender seus desfechos. Aí, de forma abstrata e capciosa, a
literatura invade o médico, tanto no que se tange à ciência como à ficção, levando
o indivíduo médico, conforme a sua aptidão (ou pretensão) e inspirações
advindas das suas próprias vivências, ora risonhas, ora lacrimosas, e das
alheias, a se deitar nos braços da arte de escrever, para partilhar com o
leitor os seus aprendizados e as suas diferentes emoções experimentadas.
3. ARL - A
medicina é arte, ciência ou tudo junto e misturado?
R- A
medicina é arte e ciência, portanto andam juntas e misturadas. Que medicina é
arte, Hipócrates já nos disse. Que não deve haver uma parede entre a arte da
medicina e a ciência, também já nos disseram.
Vivemos momentos em que a tecnologia para diagnósticos e curas avança
contra a arte de exercer a medicina, o que compromete a fé do paciente no
médico ─ a fé tem um enorme poder de cura ─ e o médico, por sua vez, passa a
valorizar mais a doença que o doente. E Hipócrates? E São Lucas? Como
encaixá-los na modernização da medicina? A parcela científica, da qual o
exercício da medicina precisa, continua se desenvolvendo, para o bem da
humanidade. A parcela arte de exercer a medicina retrocede à medida que a
relação médico-paciente se alarga, para o bem da desumanização. O paciente não
é um objeto a ser consertado, é um indivíduo essencialmente corpo/ matéria e
alma/sentimento (nesse contexto: mais Spinoza; menos Descartes). O corpo
necessita da medicina-ciência; a alma carece da medicina-arte.
4. ARL - Quais
os livros que você publicou?
R- Primeiro: Balas, Vacas e
Anamneses (contos/narrativa), em 2014. Carlini & Carniato
Editorial, Cuiabá/MT. Republicado, com um novo formato e capa, em 2020. Temática Editora, Porto Velho/RO.
Segundo e terceiro: O
Estranho Caso das Alianças (romance) e Quando Escuto o Vento (contos
e poemas), em 2017. Editora Fontenele Publicações, São Paulo/SP.
Quarto: Desventuras de Jorge Agueto (romance), em
2020. Temática Editora, Porto Velho/RO.
Este quesito me oferece suas
guedelhas, não vejo por que não as segurar (vem-me, vem-me mais, Dom Quixote!),
então, não poderia deixar de compartilhar com os confrades e leitores o porquê
de aventurar-me na arte de escrever. Certo dia, querendo encurtar o tempo de
viagem, Porto Velho-Belém, resolvi comprar um livro. Fui à livraria do
aeroporto; comprei “Contos Despedaçados”, de Sandra Castiel. Li-o inteiro, sem
parar. De repente, um antigo interesse pela literatura, que, em mim, dormia há
quarenta anos, acordou. Soube que Viriato Moura escrevia. Procurei-o. Através
de livros que ele me presenteou, conheci outros escritores rondonienses. Enfim,
soube de Rondônia o que não sabia, e o meu bem-querer por este estado e pela
literatura se tornaram mais robustos.
5. ARL - Quais
os escritores que você mais admira? Destaque três romancistas, três contistas e
três poetas.
R- Jorge Amado, Machado de Assis, Erico
Verissimo.
Guimarães Rosa, Alan Poe, Jorge Luís
Borges.
Castro Alves, Cecília Meireles,
Drummond.
Pergunta difícil essa. Muito. Soe
ser mais elegante, hum!, citar os que já se foram. E os que estão e são?
Admirei
todos os escritores que os li. Não li tantos, infelizmente. Ah, se antes
soubesse que aos sessenta anos de idade me interessaria pela arte de escrever!
Ah, se antes soubesse que a prosa fictícia e a poesia fariam de mim um médico
mais humano e mais competente, médico de corpo e alma!
6. ARL - Remoto
ou presencial, e-book ou impresso, o carinho no papel ou o dedo na tela?
R- Presencial,
impresso e carinho no papel. E a lombada exposta na estante, para facilitar uma
inevitável releitura. Sou, porém, consciente de que o e-book e o dedo na tela
vieram para ficar. Negar ou navegar contra esta onda nova de lidar com a
literatura é, no mínimo, um insensato negacionismo.
7. ARL - A
cada ano que passa, segundo as estatísticas, diminui o número de leitores de
ficção, até quando? Será que a Inteligência Artificial – lA, eminentemente
técnica, vai pôr um fim na fabulação, tida como exclusivamente humana? O futuro
literário pertence aos robôs escritores?
R- Robô
escritor me norteia a nada. Robô transcritor estará na moda, nunca, porém, será
literato. Literatura não é apenas a arte de escrever sobre assuntos diversos, é
a arte de escrever com paixão, com senso crítico, com ou sem parcialidade, com
inventividade, de fazer acontecer a interação social e a comunicação entre dois
indivíduos e entre os indivíduos do mundo inteiro; é a arte que derruba
barreiras entre diferentes culturas e as aproxima. A literatura existe graças à
inteligência humana que lhe busca a existência nas suas aptidões (inato) e no
aprendizado cotidiano. O robô escritor não possui aptidões nem aprendizado
cotidiano, possui, sim, uma memória para que a inteligência humana o abasteça
de dados, fórmulas, opções e de outras coisas que nem sei quais. Não passará,
pois, senão de mais uma enciclopédia virtual.
8. ARL - Frango
caipira com quiabo, jiló, tutu à mineira, café torrado em casa e tomado à beira
do fogão a lenha, ou açaí com peixe e farinha de piracuí, saboreado no Mercado
do Ver o Peso, acompanhado de refresco de cupuaçu, pupunha e tucumã? Enfim o
reservado ou o público?
R-
Ambos. Já tive o privilégio de experimentar os dois. Pará e Minas são lugares e
sabores bastante diferentes, têm, porém, encantos e prazeres bastante iguais.
9. ARL - Como
você avalia o seu sentimento de pertencimento em relação ao município de
Ariquemes, consequentemente ao Estado de Rondônia?
R- Que
moro em Ariquemes já se vai quase 43 anos. Pertenço a Ariquemes e Rondônia, e
ambos me pertencem. Tenho amigos, irmãos de luta e confrades de artes. Além desses
bens, Ariquemes e Rondônia me emprestaram suas poesias, histórias e causos a
que compusesse versos e prosas. Aqui, amparei muitos, e muitos me ampararam.
Sinto-me um filho adotado por venturosos pais; não consigo me imaginar
respirando outros ares.
10. ARL - O
que representa a ARL na sua vida?
R- A ARL representa mais uma
conquista valorosa à minha vida. Uma vitória que me aproxima do “ser”, pois o
“ter” já o consegui. Ontem, sonhei ter uma rua modesta; hoje, tenho uma
avenida. É-me bastante honroso estar entre gente de naipe tão elevado.
Questionei e questiono a mim mesmo se possuo pernas fortes e dignas para
caminhar tal vereda. Estou me esforçando.
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