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Memórias do Cárcere - Primeiro prefeito eleito de Vilhena abre o jogo sobre sua cassação mas não baixa a cabeça


Vitório Abrão abrindo o jogo na conversa com o jornalista Júlio Olivar (F. Júlio Olivar) - Gente de Opinião
Vitório Abrão abrindo o jogo na conversa com o jornalista Júlio Olivar (F. Júlio Olivar)

Em 1983/84 o empresário e então prefeito de Vilhena Vitório Abrão viu seu mundo virar de cabeça para baixo, sob acusações várias, perdeu o mandato, esteve preso e quando em liberdade teve de recomeçar do zero, agora como um trabalhador comum num frigorífico. A entrevista foi feita em 2011 pelo jornalista e turismólogo Júlio Olivar, mas é bem atual.

Em 1982, o paulista Vitório Alexandre Abrão era rico, tinha somente 33 anos, “vivo”, inteligente e com grande futuro na política. Muitos apostavam que, com o pique e o traquejo que tinha, ele chegaria fácil ao Governo do Estado de Rondônia.

Naquele ano, foi o primeiro prefeito eleito pelo voto popular de Vilhena, filiado ao PDS. Viveria, em poucos meses, a glória da eleição e a desonra da cassação que, quase duas décadas depois, o levaria à prisão.  

Hoje, ele responde às questões relacionadas à sua condenação  sem pestanejar; Vitório é sereno e sorridente nas respostas. Continua muito carismático, pois esse é um predicado nato e não muda frente às intempéries. Ele se emociona quando se lembra da mãe, dona Regina, já falecida.

Veja a entrevista gravada em 2010.

Como era Vilhena quando o senhor chegou aqui em 1971, aos 21 anos?

VITÓRIO — Vilhena precisa ter duas histórias: aquela do Marechal Rondon e do posto telegráfico que foi a base do município, onde vivia a Família Zonoecê; depois, a odisseia dos que fizeram a cidade. Cheguei aqui no final de 1971, o lugar tinha de 15 a 20 casas e 200 habitantes. Quando o Incra criou, em 77,  o projeto de colonização de Colorado do Oeste, depois de Cerejeiras e Cabixi. Na mesma época houve a abertura da estrada ligando Vilhena a Juína (MT). Percebi que Vilhena nasceu para ser cidade-polo. A cidade tinha duas avenidas — Major Amarante e Marechal Rondon — de 200 metros cada. O restante era só cerrado. Já quando fui eleito prefeito, a cidade tinha 130 serrarias e passou por grande desenvolvimento.

Em que circunstâncias o senhor surgiu no cenário político?

VITÓRIO — Meu pai tinha vendido as propriedades em Três Lagoas (MS) e resolvemos vir para cá. Eu vim na frente. Criei o primeiro hospital particular, promovi as primeiras festas, o primeiro rodeio, e fui ficando popular. Queriam me indicar administrador do distrito, eu não aceitei. Queria ser eleito prefeito. Desde estudante tive uma certa liderança. Político você não fabrica. Temos em Vilhena exemplo de político fabricado que é um desastre.

Que lembranças o senhor tem da primeira eleição de Vilhena?

VITÓRIO — Foi violenta. Era Vitório Abrão e o povo de um lado e os empresários do outro. Nas minhas carreatas, só carros velhos. Nas dos outros três candidatos, só carros do ano. Isso deixou mágoas neles, que começaram a me perseguir. A primeira denúncia que recebi contra mim como prefeito era de um sujeito que dizia que a filha dele era funcionária fantasma da prefeitura. E era mesmo. Mas ela [ele não quis revelar o nome] era a maior esportista de Vilhena e queria estudar fora. Arrumei o emprego para ela ir embora, estudar e trazer mérito para Vilhena.

Juntando tantos atos considerados irregulares, o senhor acabou cassado. Qual a parte mais triste da história? Do que o senhor se arrepende?

VITÓRIO —  Eu me arrependo de ter sido prefeito. Trouxe sofrimento para meus pais e filhos. A coisa mais triste que vivi foi ver minha mãe às sextas-feiras, então com 72 anos de idade, carregando uma sacolinha que ela levava com comida e alguns objetos para mim, nos dias de visita na cadeia. Eu ficava envergonhado, mas minha mãe era sábia, me dava conselhos e dizia apenas que tudo iria passar.

Durante 18 meses, entre 2001 e 2002, vivi  no inferno do cárcere. Na época, com 52 anos, eu estava sempre aturdido na cela superlotada. Nunca tive  regalias na cadeia por conta de ter sido um dia a figura mais influente do município. Ali, fui só mais um preso.

O senhor ficou depressivo?

VITÓRIO — Não fiquei com depressão e nem apresento traumas depois que saí. Procurei tocar a vida e nunca abaixei a cabeça. 

Sua prisão foi injusta?

VITÓRIO — Fui preso porque perdi o prazo de me defender em apenas um dos 36 processos que a oposição tratou de mover. Fui inocentado nos outros 35. Eu era primário e fui condenado à cadeia porque teria beneficiado uma empreiteira em R$ 6 mil, em valores atualizados [em 2009], correspondentes à reforma da praça Padre Angelo Spadari. Sim, acho que a pena foi injusta. Chega a ser cômico o que a justiça me fez.

Quando da sessão da Câmara de Vereadores que cassou seu mandato, o senhor também não se defendeu. Por que?

VITÓRIO — Não participei daquele circo. Deixei que fizessem o que bem entendessem. Não sou palhaço para participar de espetáculo circense.

Ficaram mágoas dos seus detratores, principalmente dos ex-vereadores que o cassaram?

VITÓRIO — O que a gente faz na vida, fica gravado. Quem me cassou não teve sucesso na vida e nem na política. Eu fui preso, processado, humilhado e sofro, até hoje, perseguições absurdas. Mas sou querido e procurado pelas pessoas. E eles? Não preciso das mágoas para revidar. A vida já fez por mim. Eu paguei caro. E eles também pagaram.

O senhor ainda gosta de política?

Quero distância dos partidos políticos. Não penso em me candidatar, mas admito que quem nasce político, morre político. Ainda ajudo os amigos candidatos. 

Qual conselho o senhor daria a alguém que pensa em entrar na política?

VITÓRIO — Pense mil vezes antes e não seja tão afoito como eu fui querendo fazer muito e bem feito. Os inimigos nascem sem motivos às vezes, só por inveja. Na política você entra limpo e honrado, em seguida já começam as acusações e infâmias.

Houve muitos falatórios envolvendo seu nome, não é?

VITÓRIO — Sempre houve. Eu estava assinando o termo de posse quando, atrás de mim, o governador Jorge Teixeira brincou ao meu ouvido, dizendo “a partir de hoje você é corno, viado, canceroso e leproso”. A política é um setor da sociedade em que se faz questão de distorcer os fatos a bel-prazer de quem fala mal com xingamentos e acusações sem sentido.

E nessa história ninguém se salva? Todo mundo fala mal?

VITÓRIO — O melhor é sempre o povo mais humilde, que é solidário e generoso. Mas algumas pessoas mais abastadas são ferinas. Se você viaja a negócio logo dizem que você está em tratamento de uma doença grave. Se você se cerca de homens, é gay. Se sua mulher tem amigos homens, você é corno. Nada é perdoado aos olhos dos críticos maldosos.

Mas valeu a pena, de alguma forma, ter lidado com política?

VITÓRIO —  O que você acha? Ao contrário do que muita gente pensa, saí pobre da prefeitura. Modéstia à parte, eu era rico antes de lidar em política. Fui o primeiro a trabalhar com agricultura mecanizada na Amazônia e colhia 130 mil sacas de arroz; tinha 4 mil cabeças de bois e abri em Vilhena o primeiro hospital particular. Era realmente bem sucedido e, naquele tempo, acabei com tudo por causa da política; tive que voltar a ser empregado num frigorífico até me reerguer.  Perdi pelo menos 20 anos de minha  vida com a política. Tive uma carreira abortada.

A que lugar o senhor gostaria de ter chegado? O senhor queria ser governador de Rondônia?

VITÓRIO — Eu era novo, tinha coragem de sobra, muito tino empresarial e vontade. E joguei meu tempo fora com política. Eu sonhava muita coisa. Quando fui prefeito meu nome estava sempre nos jornais e revistas. Era a imprensa que dizia que eu concorreria às eleições de 1986. Quando houve a intervenção no município [decorrente do afastamento de Vitório], o governador Jorge Teixeira já não quis me receber para me ajudar. Deixei claro ao braço-direito dele, José Renato da Frota Uchôa, que eu não seria candidato ao governo e fui à TV dizer isso. Mas o prefeito de Ji-Paraná, Roberto Jotão, tinha brigado com o governador e também foi na imprensa, só que para dizer que o povo deveria acabar com o coronelismo em  Rondônia e me eleger governador. Isso me isolou ainda mais naquele momento. Mas, se não tivessem agito, meus adversários sabiam que eu chegaria lá. Eram apagados e atuaram com… deixa pra lá. Melhor esquecer.

O senhor era visto como político, e não como gestor  propriamente.

VITÓRIO — Lugar de empresário é na empresa. Lugar de político é na política. Um visa o débito e o crédito; o outro, o saldo social.  Eu fui pouco político se você observar. Eu não sabia que para ficar prefeito deveria fazer favores aos vereadores, o tempo todo. A corrupção não está no Executivo, mas sim no Legislativo. Não passei cargo nenhum para vereador, comia em marmita e corria o tempo todo trabalhando, vendo tudo de perto. Vilhena viveu uma fase de muito desenvolvimento comigo na prefeitura.

Existem muitos comentários sobre suas supostas espertezas. Por exemplo: o senhor pintaria cupins de branco e sobrevoaria  suas fazendas dizendo que eram bois. Outros dizem que o senhor apresentaria  depósitos cheios de sacas de palha dizendo que era arroz, para garantir financiamentos e gerar credibilidade. Seriam lendas?

VITÓRIO — Naquele ano colhi 130 mil sacas de arroz. Falaram que aquilo não era arroz, que era palha. Mas aqui não tinha máquina  de beneficiar. Onde é que eu arranjaria palha? Isso são comentários sujos de cidade pequena. Sobre os cupins, chega a ser cômico. Eu tinha 4 mil cabeças de gado. Mas em política é assim: você vira ladrão, veado, leproso e corno.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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