Segunda-feira, 23 de maio de 2022 - 12h01
O
entrevistado da ARL, nesta semana, é Ernesto Melo, contador, funcionário
público federal, aposentado do Ministério do Trabalho, sambista, nascido em
Porto Velho, Rondônia. Escreve, toca violão, banjo e cavaquinho. É autor de vários sambas enredo bem como de marchinhas de carnaval.
Nos anos 2000 fundou o Grupo “A Fina Flor do Samba”. Em
2018, foi reconhecido pelo Ministério da Cultura como Mestre
da Cultura Popular Imaterial e no ano de 2020 recebeu o Título de
Imortal da Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes – ARL,
ocupando a cadeira de n° 13 cujo Patrono é José Alves da Silva, o
nosso Zezinho Maranhão.
1. ARL − Quem é Ernesto
Melo? Seus pais vieram de que estado brasileiro?
EM - Bom
dia, queridos Confrades. Antes de mais nada, quero expressar o meu imenso
apreço à Academia Rondoniense de Letras, Ciências e Artes – ARL, extensivo aos
meus pares, e dizer do meu orgulho de pertencer a tão seleta confraria.
Ernesto
Melo é Contador de formação, Servidor Público Federal Aposentado do Ministério
do Trabalho, 70 (setenta) anos, nascido em 19 de agosto de 1951, na residência
da família, localizada na Rua Gonçalves Dias, 163 - Centro. Músico autodidata,
toca violão, cavaquinho e banjo, dedica-se a escrever canções, sambas, sambas
de enredo, marchas carnavalescas, e é enfronhado nas lides culturais onde busca
o resgate e a preservação de nossa história. É intérprete por necessidade, pelo
dever de ofício de cantar sua cidade, aos jovens, para que o amor e o interesse
por suas raízes não se diluam no tempo e no espaço do resgate oral, haja vista
carecermos, há tempos, de um Museu da Imagem e do Som. Aos mais vividos, tenta
passar as reminiscências, sem o ranço do saudosismo mórbido, do início de nossa
história, que por si só, é tão recente. Aos migrantes, tenta oferecer um pouco
da história oral desse povo acolhedor e da terra que passou a também ser sua.
Meus
pais, Esmite Bento de Melo, 1927, já falecido, era amazonense, de Porto Velho.
Era Funcionário Público Municipal e Jornalista. Minha mãe, Maria Thereza de
Oliveira Melo, 1931, mato-grossense de Santo Antônio do Madeira, é Funcionária
Pública Federal, aposentada.
2. ARL – O gosto pela
música é familiar, já que você tem irmãos que também são músicos?
EM - Sim.
Esse gosto pela música vem de berço pois, nos idos de 1950, sem rodovias
federais, sem trânsito regular ao sul maravilha, nosso contato com as notícias,
música, cultura, vinha do rádio, Rádio Globo, Rádio Rio-Mar de Manaus, Rádio
Nacional de Brasília, Rádio Verdes-Mares de Fortaleza, que eram captadas nos
antigos rádios de válvulas. Dadas as dificuldades de logística, os artistas de
renome, que vinham se apresentar em Porto Velho, pernoitavam em Cuiabá ou
Brasília, antes de aqui aportar, o que tornava inviável economicamente um
cantor vir fazer apenas um show em Porto Velho, razão pela qual, o artista
tinha necessariamente que também apresentar-se em outras praças, às vezes em
Guajará-Mirim e Bolívia ou, permanecer por aqui, às vezes, por uma semana, como
fazia costumeiramente o nosso querido Waldick Soriano e outros como Nerino
Silva e Orlando Dias. Após os shows, a noite se estendia na residência de meus
pais, onde já se encontrava a prata da casa: Jorge Andrade, Voz e Violão; Ivo
Santana, Cavaquinho; Souza, Violão; Cabôco, Pandeiro; Sabará, Voz e Ritmos;
Silvio Santos, Ritmos; Jorge Santos, Violão; Leônidas O´Caroll Chester,
Maracas; Cabeleira; Bola Sete; Tário de Almeida Café; Antero; Waldemar Pelé e
tantos outros. O show era melhor ainda, dada a espontaneidade dos músicos. Depois, o destino era o Restaurante do Seu Antônio
Galinha, na Sete de Setembro, entre Marechal Deodoro e Joaquim Nabuco, colado
com o Bar do Seu Brito. Eu acho que aquilo sim é o que podia se chamar de
felicidade. Daí nasceu nossa paixão pela música.
Além do
mais tenho vários irmãos que são músicos. O mais velho, já falecido, Esmite
Bento de Melo Filho, Matemático, era multi-instrumentista, tocava violão e
pandeiro; Enos Oliveira Bento de Melo, Tecnólogo Ambiental, também já falecido,
cuidava dos ritmos; Edson Oliveira Bento de Melo, Médico em Manaus, possui um
Grupo Regional, dedicado ao samba e choros, e Ênio Oliveira Bento de Melo,
Engenheiro, Administrador e agora Advogado atuante, fez Escola de Música,
Violão, e me auxilia com maestria, nessa luta de rochedo contra o mar, em prol
de nossa cultura. Por fim, minha única irmã, Dra. Edna Oliveira Bento de Melo
Martins, Médica e Major PM, também, infelizmente, já falecida.
3. ARL − Como surgiu o
samba “Porto Velho, meu dengo”, considerado por muitos o hino da cidade? E o
conjunto A Fina Flor do Samba?
EM −
Embora eu já tenha mais de 100 canções, muitas já gravadas a nível regional,
minhas músicas não vêm num repente, às vezes demoro dias para concluí-las. Já
meu primo, o Professor Mávilo Melo, compositor de primeira ordem, aliás, um de
nossos mais inspirados compositores, tem a capacidade de fazê-las em um dia, às
vezes até mais de uma canção, e sem perder o brilho. É um ser de luz.
Entretanto, a canção Porto Velho, Meu Dengo veio-me num repente
só. Eu estava no saguão do Hospital Regina Paces, aguardando minha filha Érika
Patrícia que levara minha neta Sarah para ser atendida e a canção brotou ali,
de uma só vez, como se psicografada tivesse sido. Eu apenas a transcrevi;
Já o projeto
cultural A Fina Flor do Samba nasceu em meados de 2006, com o propósito
de resgatar, preservar e manter viva a história oral de nossa terra, onde, ao
lado de sucessos nacionais do samba de tradição, executávamos obras autorais,
cujo maior foco era a nossa história. Já vínhamos, havia 20 anos, trabalhando
com música com o nosso Grupo então denominado “Águas do Madeira”. Em 2006 minha
esposa Maria Erenir Coral dos Santos Melo, dando uma nova leitura ao nosso
trabalho, batizou o Grupo como “Ernesto Melo e A Fina Flor do Samba”, e nosso
debut deu-se nos honrados salões da Taba do Cacique, onde nos apresentamos por
um bom tempo, sob os auspícios do Grande Cacique Carmênio Barroso, o Seu
Carmênio.
4. ARL – É possível
viver de Música em Porto Velho? Quantos álbuns você já gravou?
Claro que
não. A música é um complemento, embora o talento de nossa gente não fique nada
a dever a outras praças.
Tenho dois álbuns gravados,
denominados Ernesto Melo, O Poeta da Cidade e Mestre Ernesto Melo, O Poeta da
Cidade Vol. II, onde a essência desses trabalhos exaltam os bairros do Mocambo,
Areal, Caiari, Arigolândia, Olaria, Favela, Alto do Bode, Morro do Querosene,
Baixa da União, etc. Exalto também, o Mestre Bainha, Mestre Silvio Santos, Babá
e tantas outras personalidades de nossa cultura. Em paralelo, no que tange a
marchinhas carnavalescas e sambas de enredo temos outras tantas gravações, mas
em coletânea com outros compositores de nossa terra.
5. ARL – Como a ARL
poderia ajudar na visibilidade de conjuntos regionais de música popular?
Promovendo
Saraus com artistas locais, convidando a sociedade a conhecer seus artistas
que, reafirmo, são do melhor quilate. E buscar, junto aos gestores estaduais e municipais,
a criação do nosso Museu da Imagem e do Som. Ninguém é eterno. O tempo é
implacável. Já perdemos tantos valores, que tinham tanto para deixar registrado
sobre a nossa formação cultural, a exemplo de um Bola Sete, Leônidas O’Caroll
Chester, Cabeleira, Bizigudo, Hiran Brito Mendes, Babá, Sabará e tantos outros,
como Mestre Silvio Santos e Nicodemos Sete Cordas, que nos deixaram
recentemente.
6. ARL – a cantora
Maísa dizia que sem estar na fossa ela não conseguia compor uma música, muito
menos interpretar. O ato de compor e o exercício da interpretação musical são
importantes no enfrentamento da nostalgia?
O poeta Vinicius de Moraes com
Rosa Passos e Antônio Carlos Jobim já asseveraram, na belíssima “Eu Não Existo
Sem Você”, a máxima: “Assim como o Poeta só é grande se sofrer
...”, entretanto, os Mestres João Nogueira e Paulo Cesar Pinheiro, na
antológica “Poder da Criação” afirmaram que: “Força nenhuma interfere sobre o
Poder da Criação, não, não é precisa estar nem feliz, nem aflito, nem se
refugiar em um lugar mais bonito, em busca da inspiração, não, ela é uma luz
que chega de repente...”. Todos estão certos. Certíssimos. A dor traz uma
inspiração dolorida, mas, a alegria, arrebenta nossos sentidos nos trazendo uma
inspiração quase que divina. Senão, vejamos o que nos trouxe o grande Paulinho
Soledade em “Estão Voltando As Flores”: “Vê, as nuvens vão passando, vê, um
novo céu se abrindo, vê, o sol iluminando, por onde nós vamos indo...”, é o
suprassumo de uma ode à alegria, que lhe brotou.
7. ARL – Como surgiu o
apelido de poeta da cidade?
EM - Esse epíteto foi forjado
pelos Mestres Júlio Yriarte e Silvio Santos, em virtude de minhas canções
serem, em sua maioria, voltadas para contar nossa história, nossa cidade, nossa
gente, nossos bairros e personagens. Esclareço que, para escrever minhas letras
eu sempre procurei pesquisar, buscar na fonte de conhecimentos de um Silvio
Santos, Bainha, meu pai, historiadores como o Professor Abnael Machado de Lima
e tantos outros ícones de nossa história, mas sempre sem ser definitivo, sem querer
ser o dono da verdade.
8. ARL – Você fez parte
da Escola de Samba Sekabuteco? Quais são suas lembranças dessa época?
Sim, fiz
parte da Escola de Samba Sekabuteko. Na verdade, a gente veio primeiro como
Bloco Carnavalesco. Se a memória não me trai, corria o ano de l982, quando
vencemos o acesso e passamos a ser uma Escola de Samba, Grêmio Recreativo
Escola de Samba Sekabuteco. O acesso deu-se em um duro embate contra os amigos
do Bloco 812. Debutamos como escola, no ano seguinte, com o Samba Enredo
“Quatro Séculos de Miscigenação no Brasil” e fizemos bonito. O samba foi de
minha autoria. O Bloco nasceu de uma ideia dentro da loja de ferragens do amigo
Miguel Arcanjo Neto, o Miguelzinho Arcanjo, logo abraçada pelos amigos da loja
de seu pai, Miguel Arcanjo e aí o caldo engrossou: Cabeleira, Carlinhos, Zé
Fraqueza, Ademir, Sibite, João Relvas, Alzir, Waldomiro Andrade, todos, enfim,
das duas lojas e simpatizantes. Foi linda a luta de Davi contra Golias. Nos
reuníamos nas tardes de sexta-feira, após o expediente, no Bar do Jota Lima, eu
acho, na esquina do Mercado Municipal, hoje Mercado Cultural. Inclusive o nosso
Presidente Willian Haverly era um dos foliões mais entusiasmados. Uma bela
tarde o proprietário do estabelecimento falou: “Gente, acabou a bebida. Vocês
me secaram o boteco”. Foi a Deixa. Acabava de nascer o Bloco Sekabuteco.
9. ARL − Porto Velho
antigo ou Porto Velho atual? Justifique sua escolha.
Ambas,
porque ambas têm o seu encanto. Reportando-me à Porto Velho provinciana,
bucólica, relembro a imponência do Colégio Salesiano de Dom Bosco, das Missas
em latim, aulas de Inglês, Francês e OSPB, formação rigorosa, do Instituto
Maria Auxiliadora, Escola Normal Carmela Dutra, Colégio Presidente Vargas,
Grupo Escolar Barão do Solimões, Escola Samaritana, onde a continuidade da
educação familiar se dava; onde existia o venerado respeito pelos mais velhos;
a graça de sermos uma grande família, onde todos se conheciam; lembro das inocentes brincadeiras nas calçadas, depois
do jantar; meus amigos, meus irmãos, quanta saudade sadia, fotografada com
fidelidade nos versos do Acadêmico Casimiro de Abreu, na antológica “Meus Oito
Anos”: “Oh! Que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância
querida que os anos não trazem mais ...”. Quanto à, já cosmopolita, Porto Velho
de hoje, há que se admitir que o progresso é inexorável, traz suas mazelas a
demolir histórias, mas com ela também vêm os novos horizontes que a sociedade
exige: Faculdades para os nossos jovens; um comércio pujante para atender os
anseios da população; Indústrias a oferecerem empregos, é a roda-viva da vida
desde o princípio dos tempos. E Porto Velho continua linda. E Porto Velho
continua sendo a Porto Velho, Meu Dengo.
10. ARL – O que você
acha do movimento saudosista de um grupo de portovelhenses que alimentam com
fotografias e fatos algumas páginas do Facebook? https://www.facebook.com/groups/199910546786793/
EM − Acho salutar o resgate de
nossa história. O bordão diz que “um povo sem história é um povo sem
identidade”, e nós temos ambas: história e identidade. Nossa história é tenra, ainda
assim nosso jovem passado nos comprova a
assertiva. Temos história desde os nossos aborígenes, nossos locais, nossos
destemidos pioneiros, que escreveram em priscas eras o preâmbulo dessa
identidade, identidade essa que agora vai se consolidando mais e mais, com a
força e a mão do migrante, que aqui veio trazer a sua experiência e a sua
história, que somadas à nossa, vão se transformando em um imenso caldeirão
cultural. Daqui a três ou quatro
gerações, desse caldeirão sairá um formidável caldo cultural, consolidando de
fato a nossa cultura, como se uma imensa pizza, e, cada uma das fatias irá
representar a origem dessa gama de heróis, compondo a nossa identidade, dizendo
quem somos e de onde viemos. Há que se resgatar nossa história, há que se
registrar também a nossa história oral, pois ela é um dos componentes da nossa
Carteira de Identidade.
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