Segunda-feira, 20 de junho de 2022 - 13h46
O entrevistado da Academia
Rondoniense de Letras, Ciências e Artes - ARL, desta semana, é o jornalista José
Gadelha da Silva Júnior, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Informação em Saúde (PPGICS), no Icict/Fiocruz, onde desenvolve pesquisa com
foco nas dinâmicas de comunicação em comunidades ribeirinhas de Porto Velho-RO.
Mestre em Letras pela Universidade Federal de Rondônia, UNIR;
graduado em Comunicação Social com
habilitação em Jornalismo pela União das Escolas Superiores de Rondônia, Uniron;
Professor universitário, com experiência em disciplinas como Telejornalismo,
Radiojornalismo, Produção Multimídia, Comunicação Oficial e Oratória e
Realidade Regional em Comunicação; Membro efetivo da Academia Rondoniense de
Letras, Ciências e Artes – ARL, onde ocupa a cadeira nº 37, cujo patrono é Assis Chateaubriand.
1. ARL – Durante mais de dez anos você esteve na
linha de frente do telejornalismo da Rede Globo, entrevistando celebridades
regionais, no maior veículo de comunicação do Estado, sem se descuidar do
aprimoramento na profissão, o jornalismo, como escolha de vida, é uma paixão?
JG - Eu
arriscaria dizer que é uma missão de vida, um chamado. Talvez no início da
carreira, eu estivesse mais envolvido com a profissão, envolto em um sentimento
que se poderia chamar de paixão. Mas, com o passar do tempo, com o
amadurecimento pessoal e profissional, com as experiências vividas, a
compreensão do valor social da profissão e todos os efeitos que, por meio do
exercício consciente dessa atividade, nós podemos provocar nas pessoas, tudo
isso foi descortinando aquela visão romantizada que muitos de nós, jornalistas
em começo de carreira, nutrimos. Daí, ser jornalista para mim foi ganhando novos
contornos, não num sentido de sobreposição ou desconstrução em relação aos
sentidos que a profissão fazia para mim, no começo da carreira. Mas, num
sentido de ressignificação do meu olhar, das novas questões que passaram a
justificar o meu interesse e permanência na profissão, que, aliás, é um dos
fatores que constituem a minha existência.
2. ARL –
Como foi sua experiência na Rede Globo? A gente achava que você fazia parte do patrimônio
cultural da empresa, e, de repente, você saiu, você tem mágoas?
JG - Não
há mágoas, pelo contrário, sou extremamente grato por tudo aquilo que a Rede
Amazônica pôde proporcionar ao meu aprendizado e formação como jornalista. Ali,
conheci pessoas maravilhosas, amizades que levarei para o resto da vida, muitos
exemplos para mim. Páginas importantes da minha vida foram costuradas enquanto
eu estava ali. Para além da bancada dos telejornais, ou das experiências na
reportagem (embora tenha sido curta a minha passagem como repórter na emissora,
pois fiquei mais tempo na apresentação), o que eu vivi na Rede Amazônica
contribuiu para a minha trajetória enquanto pessoa. Eu encaro essa mudança,
extremamente significativa, com muita naturalidade. Não houve demissão. Eu
mesmo pedi para sair da empresa. Estava com novos planos, novos projetos, e o
tempo vem demonstrando que não haveria desfecho melhor para essa história. Olha
quanta coisa vem acontecendo. Ter a oportunidade de estar aqui, por exemplo, concedendo
esta entrevista, acredito que é fruto de um novo momento que estou vivenciando,
na academia, na pesquisa, na docência, na produção literária, no engajamento em
torno da divulgação científica e de valorização do saber construído sobre a
nossa Amazônia.
3. ARL – Gadelha
significa “aquele que é dono de uma vasta cabeleira”. Na língua espanhola
encontramos vários significados para a origem de seu nome, relacionados às
atividades comerciais e aos longos cabelos. Quem são e de onde vieram os
gadelhas rondonienses?
JG - Difícil
responder a essa pergunta e, para não ser injusto ou superficial em minha
resposta, vou concentrá-la na história de minha família. Gadelha é o sobrenome
do meu pai, o senhor José Gadelha da Silva, exemplo de resiliência e
persistência. Ele e a minha mãe, Maria Elza Ribeiro da Silva, são nordestinos
nascidos no interior do Ceará. Foram para Santarém durante a década de 1950 e
lá constituíram a nossa família. Meu pai, hoje aposentado, foi garimpeiro e
carpinteiro durante toda a vida. Mudou-se com a minha mãe e meus irmãos para
Porto Velho, em 1989, atraído pelos rumores da mineração no Rio Madeira. Muitas
obras que foram erguidas em Porto Velho tiveram a participação das mãos
habilidosas do meu pai, no serviço de carpintaria.
4. ARL - Você
vem se destacando como professor universitário, como se sente contribuindo para
a formação de novos jornalistas?
JG - A
docência não aconteceu por acaso na minha vida, foi uma consequência. Eu
trabalhei para isso, sempre foi um sonho também estar em sala de aula. E, hoje,
poder atuar como professor na mesma instituição em que eu conclui a graduação
em Jornalismo é motivo de orgulho. Os jornalistas da atualidade recebem muitos
outros estímulos que nós não recebíamos, no começo dos anos 2000, período de
criação dos primeiros cursos de Jornalismo em Rondônia. Eu mesmo sou aluno da
turma pioneira da faculdade Uniron, em Comunicação Social – com habilitação em
Jornalismo.
Ser um
professor para alunos de Jornalismo em um estado da Amazônia é extremamente
desafiador, principalmente quando falamos de um estado novo como é o nosso. São
muitas as questões que nos atravessam, a começar pela quantidade reduzida de
profissionais que se dedicam à docência no ensino superior nesta área. Em que
pese essa situação, boa parte dos comunicadores que atuam em Rondônia, nos mais
variados veículos de comunicação e instituições, passaram ou foram formados
pela faculdade Uniron. É necessário dizer que a experiência do dia a dia nas
redações, na reportagem, ouvindo as pessoas nas ruas, conhecendo as suas
histórias de vida, faz todo o diferencial na vida de qualquer jornalista, mas a
sua formação acadêmica passa, obrigatoriamente, pela sala de aula, pela valiosa
e indispensável contribuição dos professores, que são pessoas capacitadas para
instruí-los e orientá-los nas mais variadas situações da prática jornalística,
a partir, inclusive, de suas experiências reais.
Gostaria
de salientar que de todos os desafios eu diria que, no contexto amazônico,
precisamos fomentar o debate sobre como a atuação deste profissional da
atualidade vem refletindo na sociedade e na qualidade da informação que vem
sendo veiculada. E isso, necessariamente, tem motivado muitos debates em sala
de aula. Independentemente das aspirações profissionais do estudante de
Jornalismo, é preciso potencializar iniciativas que colaborem para uma postura
mais reflexiva deste profissional, considerando o ambiente de múltiplas
desigualdades em que vivemos, para que as vozes das populações subalternizadas
e invisibilizadas da sociedade possam ecoar com mais frequência, em detrimento
de uma comunicação que tem privilegiado as vozes autorizadas e
institucionalizadas das mais variadas instâncias do poder. Esse é um debate que
não pode esperar...
Normalmente,
com a correria do dia a dia de um jornalista, ele precisa estar focado no
cumprimento de prazos e em múltiplas tarefas e atribuições. Por isso, uma vez
impregnado por estes valores ele certamente terá mais possibilidades de atuar
como um agente de transformação social, em sua comunidade, e não ser confundido
como um mero “contador de histórias” como muitos reproduzem no senso comum.
5. ARL -
O que representa a ARL na sua vida profissional e social?
JG - O convite
para integrar a ARL realmente foi um presente, desses que você nunca imagina
que vai receber. E eu não esperava mesmo, foi uma surpresa enorme quando eu
recebi o recado do presidente, William Haverly Martins, dizendo que o meu nome
havia sido indicado para a cadeira de número 37. Olhando para o que a Academia
representa e com tantos nomes reverenciados que ali estão, eu me senti
extremamente lisonjeado. Como já falei em outras entrevistas sobre o assunto,
eu acredito que este é o resultado de um trabalho muito intenso que vem sendo realizado
nos últimos anos, em prol da valorização do saber científico sobre a Amazônia.
Em pouco tempo, mais especialmente desde que conclui o curso de Mestrado (2016)
e com a minha inserção na área da Comunicação e Saúde, ao migrar da Rede
Amazônica para a Fiocruz Rondônia, tivemos várias experiências com resultados
muito gratificantes.
6. ARL -
Você é doutorando numa grande instituição ligada à Fiocruz e foi o único da
Região Norte a ser selecionado. O que representará um doutorado na sua carreira?
JG - A
migração da Rede Amazônica para a Fiocruz Rondônia foi a principal mudança na
minha carreira nos últimos anos. A seleção ao Doutorado em Informação e
Comunicação em Saúde pelo Icict/Fiocruz foi uma consequência desse processo de
reconfiguração da minha trajetória. Veja que essa é a minha primeira
experiência como assessor de imprensa. Antes disso, eu havia estagiado na
assessoria da faculdade Uniron, sob supervisão do jornalista Dalton Di Franco,
logo no começo do curso de Jornalismo, no ano de 2004.
A seleção
ao doutorado foi bastante intensa, várias etapas e havia apenas 6 vagas
disponíveis. Da região Norte, apenas eu fui selecionado para a turma de 2021,
ficando em terceiro lugar na pontuação geral entre os demais candidatos. Tenho
que agradecer ao total apoio e incentivo da Dra. Deusilene Vieira, minha
coordenadora na Fiocruz Rondônia, e do coordenador geral, Dr. Jansen Medeiros, que
me oportunizaram essa chance de retornar à pós-graduação. No doutorado, ter a
oportunidade de ser orientado pela Doutora Inesita Araújo e coorientado pela da
Dra. Raquel Aguiar, grandes inspirações na pesquisa em Comunicação e Saúde, sem
dúvida é uma experiência que valerá por toda a minha vida.
Como
egresso de escolas públicas, de origem bastante humilde, tendo cursado a graduação
por meio do Programa Universidade Para Todos e o único de 9 irmãos a entrar
para um curso de Doutorado, isso representa, além da realização de um sonho, a
continuidade de um projeto de vida muito mais voltado a um compromisso social
com a Amazônia e com o Estado de Rondônia, do que com as minhas próprias
aspirações.
Logicamente,
muitos benefícios pessoais e profissionais serão desfrutados a partir da
conclusão deste curso, mas o meu real desejo é que as transformações que forem
alcançadas, nessa caminhada, possam reverberar em ações práticas e cotidianas
em prol da redução das desigualdades sociais dos povos da Amazônia, de alguma
forma, mesmo que numa singela contribuição.
7. ARL –
Você foi beneficiado pelo Fundo Estadual da Cultura e publicou o livro: “A
desterritorialização da comunidade ribeirinha de São Domingos em Porto
Velho-RO: Uma análise dos discursos e suas subjetividades” Comente essa
experiência. Quais outros livros você já publicou?
JG - Em
2019, A publicação do livro “A desterritorialização da comunidade ribeirinha
de São Domingos em Porto Velho-RO: Uma análise dos discursos e suas
subjetividades” foi um marco na minha carreira. Fruto da Dissertação
de Mestrado, sob orientação da Profa. Dra. Nair Gurgel, a quem sou extremamente
grato, este livro foi contemplado em Chamada Pública da SEJUCEL para publicação
de Literatura Acadêmica. Essa experiência foi muito valiosa e oportuna. Do contrário,
eu não teria condições mínimas de lançar a obra. O fomento dado pelo Governo,
por meio da SEJUCEL, precisa ser enaltecido e reconhecido como ferramenta de
valorização da ciência e dos pesquisadores locais.
Exemplares
da obra foram distribuídos a bibliotecas de escolas da rede pública, institutos
federais, universidades e instituições de ensino superior de Porto Velho, numa
proposta de popularização desse conhecimento construído. Antes deste livro, eu
já havia participado como coautor de outros livros, organizados por professores
do Mestrado, e participei também da organização da obra: “Saber Amazônico na
Mídia: produção científica em Porto Velho”, lançado em 2018 pela editora
Temática.
8. ARL –
Sabemos que você vem participando de projetos que resultarão em importantes
livros, no cenário amazônico e nacional, o que você pode adiantar desses
projetos?
JG - Desde
2020, estou trabalhando em um Projeto de Memória Institucional, um lindo
trabalho que busca contar um pouco sobre os passos iniciais da pesquisa em
Saúde Pública em Rondônia. Foi um projeto contemplado em Chamada Interna da
Fiocruz para projetos de Memória Institucional e, entre as unidades da Fiocruz
no Brasil, ficamos em terceiro lugar com o nosso projeto. Trata-se de um livro,
em processo de finalização na editora, que conta um pouco dos passos do Prof. Dr.
Luiz Hildebrando Pereira da Silva por Rondônia, acompanhado de um seleto grupo
de pesquisadores que vieram para cá, entre o fim da década de 1980 e 1990, para
realizar estudos sobre malária. O trabalho desses pesquisadores culminou no
surgimento da Fiocruz Rondônia, uma história belíssima que precisa ser
reconhecida e valorizada. Por enquanto, é o que eu posso adiantar. Outros
detalhes poderão ser divulgados em breve!
9. ARL – Durante
a Pandemia quais foram suas atribuições na Assessoria de Comunicação da
Fiocruz?
JG - Preciso
dizer que o trabalho de assessoria vai muito além do atendimento à imprensa.
Prova disso é este projeto de Memória Institucional. Mas, a pandemia
representou um grande desafio na arte de comunicar os fatos do cotidiano ao
grande público e, principalmente, daqueles assuntos ligados à pesquisa
científica. Imagine então, o que mudou para uma instituição de pesquisa e
ensino, do porte da Fiocruz Rondônia, e com toda a sua inserção voltada à saúde
e ao desenvolvimento dos povos da Amazônia.
O
compromisso de dar visibilidade ao que a instituição desenvolve ganhou um peso
ainda maior. Tivemos que nos adaptar aos processos, as demandas que não paravam
de chegar, ao mesmo tempo que era preciso acompanhar os desdobramentos das
pesquisas e alinhar cada solicitação de pauta que chegava ao que realmente era
pertinente noticiar, naquele contexto. A pandemia colaborou, em certa medida,
para que o potencial da Fiocruz Rondônia ganhasse ainda mais notoriedade. Daqui
para frente, os projetos, com foco na comunicação, só tendem a se tornar mais
robustos e com novos contornos.
10. ARL –
Em recente entrevista, você afirmou que os livros mostram uma Amazônia que não
existe, de onde vem essa sua convicção?
JG - Um
dia desses, meu filho de 7 anos ao acompanhar comigo um noticiário que abordava
a questão indígena perguntou: “papai, os índios usam roupa? Eu pensei que
eles andassem pelados”. Não é minha intenção aprofundar o assunto, mas
alguns pontos devem ser considerados. Com esse episódio, certamente somos
provocados a refletir sobre várias situações. Talvez as mais evidentes sejam a
produção e circulação de discursos que foram, ao longo do tempo, solidificando
uma imagem sobre a Amazônia e dos povos que nela vivem, que pouco dialoga com a
nossa realidade.
Uma
visão impregnada de preconceito, que subjuga tudo aquilo que é constitutivo da
nossa cultura e que vai contra os padrões “eurocêntricos”, por vezes acionando uma
memória coletiva construída sob a perspectiva do olhar hegemônico. Representações
que têm alcançado espaço na mídia e na produção de livros didáticos.
Em
recente entrevista à Revista Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública
(Ensp/Fiocruz), eu falei sobre isso. Naquela ocasião, eu participei de uma
rodada de entrevistas com outros pesquisadores, artistas, músicos, professores com
atuação na Amazônia, sobre a invisibilidade da Região Norte na grande mídia e a
visão romantizada que vem sendo propagada sobre ela. Voltando ao início desta
resposta, sabemos que as coisas mudaram, temos indígenas nas universidades, fazendo
pesquisa e aplicando o conhecimento desenvolvido em suas comunidades. Isso
envolve o debate sobre a de(s)colonização do pensamento, das formas de olhar e
perceber as coisas, de agir, de posicionar-se diante dos mecanismos de opressão
que inviabilizam os nossos sonhos e nos deixam desestabilizados, muitas vezes
sem a menor condição de reagir e ir à luta!
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