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Lúcio Flávio Pinto

A barragem do governo desmoronou


A barragem do governo desmoronou - Gente de Opinião


LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal, colunista do Yahoo e colaborador de Amazônia

 

Em janeiro deste ano, os seus reservatórios já estavam em níveis baixos, mas a geração de energia nas hidrelétricas brasileiras cresceu 13,9% comparativamente ao mesmo mês de 2013, e 7,4% na relação com dezembro. Com as pequenas centrais (as PCHs), as hidrelétricas responderam por 80,9% da geração de energia no mês. Já a produção nas usinas térmicas neste janeiro caiu 10,7% em face de janeiro do ano passado; e se manteve quase no mesmo nível de dezembro de 2013, contribuindo com 17,8% da geração total de energia.
 

As usinas eólicas, por sua vez, tiveram um desempenho 32,1% maior do que um ano antes, mas uma queda de 0,94% diante de dezembro de 2013. Sua participação na matriz energética continua pouco expressiva: é de 1,3%, segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, fonte de todos esses dados.
 

O que eles revelam: um governo totalmente desprevenido e temerário diante do que viria a acontecer logo em seguida, o risco da repetição do apagão de 2001, que continua rondando o país. Diante desses números, constata-se que a tensão que surgiu e se intensificou por causa da falta de chuvas nas cabeceiras dos principais rios utilizados para a produção de energia, e a diminuição recorde da quantidade de água nos seus reservatórios, não é culpa da natureza, mas do homem.
 

Embora a estiagem em boa parte do Brasil tenha tido uma caracterização mais rigorosa do que nos últimos anos (ou em todo período com registro formal), o problema só se tornou potencialmente grave por falta de um monitoramento sério da água estocada e por uma política energética insensata, às raias da irresponsabilidade.
 

Seduzida por sua própria propaganda, a administração federal se lançou numa voragem por índices de crescimento que pudessem afastar o estigma do governo do PT, mas principalmente do de Dilma Rousseff: de não conseguir dar à atividade produtiva um resultado significativo. Limita-se a repetir os “pibinhos” anuais, inferiores aos PIBs alcançados pelos demais países emergentes, distanciando o Brasil das suas metas de grandeza mundial.
 

Captação de poupança externa, crédito abundante, indução ao consumismo, subsídios a vários tipos de transações e tolerância ao endividamento se traduziram em taxa de crescimento do consumo de energia superior à dos “pibinhos”. Com um efeito lateral muito desejado pelos protagonistas desse “modelo” de desenvolvimento: empurraram as grandes obras hidrelétricas na Amazônia, sem as quais (a custo superfaturado e sob um acentuado grau de risco técnico) essa demanda não seria satisfeita e o Brasil empacaria, ao invés de continuar a progredir.
 

Com mais exigência de energia, a água dos reservatórios foi usada num grau que extrapolou os melhores critérios de monitoramento, como se a natureza fosse capaz de corrigir-se automaticamente e, em sintonia com o desatino humano, trocasse o risco de estiagem pela certeza da abundância.
 

O que houve, na realidade, foi um desequilíbrio duplo. Enquanto do meio para o sul do território nacional a marca forte desta temporada foi a ausência dramática de chuvas, na região amazônica, onde estão entrando em operação as duas maiores usinas do Brasil (Jirau e Santo Antonio) as chuvas extrapolaram todas as expectativas.
 

Se o volume de água nos reservatórios das hidrelétricas do sul caiu abaixo do mínimo de segurança, por imprudência no seu uso num período de transição complicado, na Amazônia houve a conjugação de dois elementos ainda mais desconexos com a intenção das obras humanas. As hidrelétricas a fio d’água (sem reservatórios para estocar água) se mostraram inúteis para a regularização de um rio com volume de águas avassalador – e também para a geração de energia num momento extremamente crítico, como aconteceu com a usina de Santo Antonio, no rio Madeira, em Rondônia.
 

Extensas e assustadoramente caras linhas de transmissão ficaram paradas, sem poder transferir a energia que faltava no outro extremo delas. A natureza, ao mesmo tempo, desnudou toda a maquilagem colonialista que procurava esconder a natureza dessa operação: se servir da província energética amazônica.
 

Esse conjunto de erros e imprevidências, incluindo a incrível história da refinaria comprada pela Petrobrás nos Estados Unidos, deixa à mostra também a mediocridade da política econômica e, particularmente, a energética do governo federal. Tal política tem visão curta, objetivos imediatos, pressa em fazer e desleixo (quando não cumplicidade) na execução das suas operações, criando vasta margem de liberdade para desacertos, imperícia e corrupção.
 

No caso da refinaria de Pasadena, a autorização para a compra, dada pela presidente do conselho de administração da estatal, que era também a toda poderosa chefe da casa civil do governo Lula, lança uma ponte entre o governo anterior e o atual. Promove uma percepção retrospectiva sobre a fraqueza da pessoa que tinha passado antes pelo setor energético do governo do Rio Grande do Sul e fora ministra de minas e energia. Com esse currículo, foi carregada por Lula como opção técnica merecedora do suporte do seu carisma e popularidade, não apenas um poste eleitoral (ou biombo para o retorno do ex-presidente ao poder).
 

O escândalo que resultou de tantos erros, falhas e omissões na operação com a refinaria americana, causando prejuízo de centenas de milhões de dólares aos cofres públicos, que agora pode ser lançado sobre os ombros da presidente, não discrepa de escândalo ainda maior em torno das refinarias que Lula prometeu construir. Sobretudo da refinaria de Pernambuco, que leva o honroso nome do general Abreu e Lima.
 

Já com seu orçamento estourado em 16 bilhões de reais, com suspeitas de superfaturamento, sofre de um mal de origem: ter sido concebida para receber o petróleo da Venezuela, na época guardado por Hugo Chávez. Agora se teme que a chave da reserva possa ter sumido.
 

A natureza criou neste ano suas surpresas, mas não foram elas as causas fundamentais dos danos que agora se observam no Brasil. Elas podiam – e deviam – ter sido previstas e antecipadas medidas coerentes e suficientes. Nada foi feito, como se a confusão pudesse ser desfeita por processo natural (ou divino) de acomodação.
 

Exibidas as fraturas dessas engrenagens, perfeitas apenas na aparência, a sociedade começa a penetrar nas entranhas do poder e a ver a realidade de um governo incompetente, cuja maestria só se sustenta quando a análise a seu respeito é tão superficial quanto ele próprio. Independentemente do aproveitamento político dessa realidade, enodoada pela péssima oposição que se tem, especialmente a dos tucanos arrogantes e elitistas, uma coisa é certa: a barragem de manipulação nas grandes obras se rompeu.
 

Para o bem de todos e felicidade geral da nação, agora é preciso abrir todas as comportas e ver o que precisa ser visto, e feito o que se necessita fazer. E quem for podre que se quebre.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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