Quarta-feira, 30 de junho de 2010 - 20h05
Oitenta anos nada significaram para Benedito Nunes. Sua inteligência é viva, fresca e solar como a de um adolescente – escreve Lúcio Flávio Pinto /UNICAMP |
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
BELÉM, Pará — O paraense Benedito José Viana da Costa Nunes, aos 80 anos, ganhou o principal dos sete grandes prêmios que a Academia Paraense de Letras distribui todos os anos. Foi o Machado de Assis de 2010, pelo conjunto da obra. Desde que essa premiação começou a ser conferida, em 1941 (mas só a partir de 1998 passou a ser pelo conjunto da obra), é a primeira vez que um escritor paraense é lembrado.
Não há honraria igual no mundo das letras: além de um busto de Machado, Benedito Nunes terá direito a R$ 100 mil. Os outros seis premiados (por gêneros literários ou acadêmicos) receberão a metade, R$ 50 mil, cada. As últimas premiações foram dadas a autores como Autran Dourado, Ferreira Gullar, Wilson Martins e Fernando Sabino.
O conjunto da obra de Benedito é tão vasto e diversificado quanto os títulos a que se referiu o portal da APL ao comunicar a decisão da comissão de seleção, formada por Eduardo Portella, Tarcísio Padilha, Lygia Fagundes Telles, Alfredo Bosi e Domínio Proença Filho. O professor emérito da Universidade Federal do Pará foi citado como crítico literário, professor, ensaísta e filósofo, combinação rara no Brasil. Mas o único diploma que Benedito recebeu foi o do curso de direito, que concluiu em 1953.
Chegou a ter um escritório de advocacia, em sociedade com o escritor Haroldo Maranhão, mas por curtíssima temporada e sem maior empenho. O diploma serviu-lhe para obter emprego como auditor do Tribunal de Contas do Estado. Garantiu-lhe segurança e dignidade para se dedicar ao que o interessou por inteiro desde a meninice, sem depender de circunstâncias locais: ler e escrever – além de ouvir música, apreciar obras de arte e outras atividades do espírito.
Um estudioso que liga o texto literário e a sondagem filosófica
O conjunto da obra abrange mais de 15 livros individuais, participação em numerosas obras coletivas, infindáveis colaborações em revistas e jornais, além de palestras e conferências que, em sua maioria, ficaram sem o registro impresso.
Não conheço uma bibliografia completa do que Benedito Nunes já escreveu, tarefa que a Academia Brasileira de Letras podia se propor a realizar, complementando em alto estilo o reconhecimento conferido ao intelectual paraense.
Os membros da comissão, ao examinarem a obra de Benedito, identificaram-no como “um estudioso capaz de construir pontes entre a interpretação do texto literário e a sondagem filosófica, no caso fenomenológico, na linha dos grandes pensadores existenciais, como o alemão Martin Heidegger e o francês Jean-Paul Sartre. Essa dupla dimensão já aparece em seu estudo antológico, obra pioneira publicada em 1966, sobre a obra de Clarice Lispector, ‘O drama da linguagem, uma leitura de Clarice Lispector’”.
Professor emérito da Universidade Federal do Pará, Nunes foi citado como crítico literário, professor, ensaista e filósofo, combinação rara no Brasil /COMPANHIA DAS LETRAS |
O prazer, que a leitura sempre deu a Benedito, ele nos transferiu, sem estar preso nem a disciplinas nem a autores ou escolas, muito menos a bitolas formais. É o prazer do texto, como agora se repete à exaustão d’après Umberto Eco.
O excesso de leituras e o confinamento freqüente no universo das idéias podiam ter transformado Benedito num personagem de papel, agrilhoando-o ao formalismo da cultura. Sua humanidade e simplicidade, dois traços da sua sabedoria, devem ter alguma relação com o fato de que, desde cedo, esteve cercado por mulheres amorosas.
Descendo ao mundo real
Órfão de pai na primeira idade, da figura masculina ficaram os livros da biblioteca que herdou. Dialogou com o pai através dos papéis impressos, na busca dessa matriz inconsciente, que se distanciou e se dissipou no tempo. Mas as cinco tias e a mãe, sempre ao seu redor, o fizeram descer ao mundo real, no qual elas o introduziram com todo carinho. Trataram de fazer sua vida ser normal, natural, como mais um ser humano, não a grande cabeça que desde cedo se desenvolveu nele.
Por sorte, Benedito teve em seguida a companhia de Maria Sylvia, que conheceu em 1948, ambos estudantes de direito, e com quem casaria cinco anos depois, ao se formar, estabelecendo um elo perfeito, inquebrantável. E a cunhada, a pioneira Angelita Silva, primeira engenheira do Pará, ponto de equilíbrio na mansão da rua da Estrela, deturpada para Mariz e Barros pela burocracia insensível da terra.
Dois domingos atrás fui até aquele oásis de verdura e paz, agora cercado de concreto por todos os lados, numa caminhada matinal, tão precoce que não me atrevi a tocar a campainha e me anunciar para um abraço no intelectual paraense que a academia consagrou como o mais importante entre os dois séculos, o que se findou e o que ainda começa. Deixo o alô aqui, orgulhoso e feliz, já sem a freqüência do passado, destituído que fui do domínio da minha agenda, impedido de fazer o que gosto mais vezes para permanecer livre e dizendo o que precisa ser dito.
Sei, porém, que 80 anos nada significam para Benedito Nunes. Sua inteligência é viva, fresca e solar como a de um adolescente. Seu conhecimento, de um sábio. Desta vez, a Academia Brasileira de Letras acertou.
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