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Lúcio Flávio Pinto

A grave responsabilidade pela redivisão do Pará


 

A grave responsabilidade pela redivisão do Pará - Gente de Opinião
Território que pode vir a abrigar esses três eventuais Estados é o maior exportador mundial de minério de ferro, o maior produtor de alumina, o 3º maior produtor internacional de bauxita e significativo produtor de caulim.Tem ainda crescente participação em cobre e níquel.

 

 
 

LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal

 

BELÉM, Pará – O Brasil ainda não se deu conta de que um novo capítulo da sua história está se oferecendo para ser escrito. Pela primeira vez a feição geográfica do país não dependerá de um ato de império do poder central. Ao invés disso, um plebiscito inédito será realizado, graças à regra estabelecida pela constituição de 1988. Os eleitores votarão para definir o novo perfil do Pará, o segundo maior Estado da federação.

 

 A consulta plebiscitária acontecerá dentro de quatro meses, em 11 de dezembro, mas nem a opinião pública se interessou até agora pelo tema, certamente por desconhecer a sua importância, nem as regras básicas estão definidas. O Tribunal Superior Eleitoral, que já baixara suas resoluções, terá até o final do mês para decidir se aproveita ou não as sugestões apresentadas na audiência pública, realizada na semana passada, em Brasília.


O que está em causa é um território de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, onde vivem mais de 7,5 milhões de pessoas. Se o Pará atual constituísse um país independente, seria o 25º mais extenso do mundo. No continente, só a Argentina, o próprio Brasil e o Peru o superariam. Seria um pouco maior do que a Colômbia. Pelo critério populacional, ficaria na 97ª posição mundial.

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Ao contrário de Belém, que concentra a maior parte da população, pouca gente espalhada por um espaço tão grande dificultaria o aproveitamento das riquezas naturais da Amazônia e sua integração econômica ao País /OJUARAxD


 

 

Pouca gente e risco de interesses externos

 

A primeira ordem de grandeza que impressiona resulta do contraste entre extensão física e população. É o critério que mais pesa nas decisões tomadas pelo poder central em relação à Amazônia. Os estrategistas de Brasília acham que a dispersão demográfica é

um elemento de fragilidade da região diante da cobiça internacional que provoca. Pouca gente espalhada por um espaço tão grande também dificultaria o aproveitamento das riquezas naturais da Amazônia e sua integração econômica ao país, expondo-a ao risco de interesses externos e a uma eventual usurpação por potência mundial, como os Estados Unidos.

 

Seria necessário encurtar o espaço e adensar a presença do pioneiro nacional (o colono e o colonizador) para garantir a soberania e a segurança nacional. Este seria o principal fundamento para dividir o Pará. Seu atual território passaria a abrigar mais dois Estados: Tapajós, a oeste, e Carajás, ao sul. O Pará remanescente seria o menor territorialmente dentre os três, porém o maior em população. O novo Pará cairia da 2ª para a 12ª posição no ranking nacional por extensão, ficando quase do mesmo tamanho de Roraima e Rondônia, na própria Amazônia, e de São Paulo, a mais habitada das unidades federativas brasileiras, no conjunto nacional. A queda seria menos acentuada do ponto de vista demográfico: sairia do 9º para o 12º lugar entre os Estados mais populosos.


Grandezas em jogo no plebiscito

 

O possível Estado do Tapajós, com 722 mil km2, seria o 3º maior do Brasil (superado apenas pelo Amazonas, com 1,5 milhão de km2, e Mato Grosso, com 903 mil, mas estaria no rabo da fila demográfica: teria mais habitantes apenas do que Acre, Amapá

e Roraima, todos na Amazônia mesmo (os dois últimos transformados em Estados pela constituição de 1988). Já Carajás, com 285 mil km2, seria o 8º maior do país em extensão e estaria apenas uma posição acima do Tapajós em população.


Mas não é só – nem principalmente – esse conjunto de grandezas que estará em jogo no plebiscito. O território que pode vir a abrigar esses três eventuais Estados é o maior exportador mundial de minério de ferro, o maior produtor de alumina, o 3º maior produtor internacional de bauxita, significativo produtor de caulim (o de melhor qualidade do mercado para papéis especiais) de alumínio, e possui crescente participação em cobre e níquel. Ainda tem florestas e espaço territorial para ser um grande produtor agropecuário e madeireiro, à custa de continuar a ser líder em desmatamento.


 

A grave responsabilidade pela redivisão do Pará - Gente de Opinião
Carajás, com 285 mil km2, seria o oitavo maior estado brasileiro em extensão e estaria apenas uma posição acima do Tapajós em população /VIAJAMOS.COM.BR
 

Só a pauta de exportação mineral é mais diversificada do que a da África do Sul, cuja atividade econômica é muito mais antiga do que a do Pará. Sem falar em várias outras riquezas naturais, reais ou potenciais, que fazem dessa parte do Brasil uma fonte de

commodities para o mundo, que, na crise atual, verá a Amazônia como fronteira ao seu alcance.

 

Pará, o 5º maior produtor de energia

 

Com a exploração desses recursos, o Pará se tornou o 5º maior produtor de energia (e o 3º maior exportador de energia bruta) do Brasil, o 2º maior minerador nacional, o 5º maior exportador geral e o 2º que mais divisas fornece para o país. De cada 10 dólares

recolhidos pelo Banco Central, 70 centavos são provenientes do Pará. Em compensação, ele é o 16º em desenvolvimento humano e o 21º em PIB/per capita (a riqueza dividida pela população). Está do lado do 3º Brasil, o mais pobre, na companhia de seis Estados

nordestinos. A nova configuração física dessa vasta área de 1,2 milhão de km2 vai mudar esse paradoxo, que submete o Estado, por decisão tomada de fora para dentro, e de cima para baixo, a um processo de desenvolvimento semelhante ao do rabo de cavalo: quanto mais cresce, mas vai para baixo?

 

Com base nessa realidade, é impossível não concluir que o Pará segue um modelo colonial. Não sendo o detentor do poder decisório, a utilização das suas riquezas beneficia mais a quem compra do que a quem produz. Os efeitos multiplicadores

ocorrem fora do seu território, assuma ele sua configuração atual ou venha a ser retalhado em mais duas partes. Essa modificação não atingirá o processo decisório.

 

Um pedido sem fundamento

 

Se realmente o Brasil considera a Amazônia a sua grande fronteira, a ser utilizada parapoder crescer mais e com maior rapidez, o debate sobre a redivisão do Pará devia ser item importante da agenda nacional. O jurista paulista Dalmo de Abreu Dallari, com o

endosso do senador – também paulista – Eduardo Suplicy, interpelou o TSE para que o plebiscito, em vez de ser realizado apenas com a população do Pará, se estenda a todo país.

 

O pedido não tem fundamento legal. A Constituição, ao determinar a consulta específica à “população diretamente interessada”, eliminou a audiência generalizada. Do contrário, não precisaria fazer a restrição. Mas se não pode votar no plebiscito, o brasileiro pode – e deve – se manifestar sobre a causa. Pela primeira vez, se o Brasil mudar de feição, terá sido pelo voto do cidadão e não por ordem de Brasília. É uma responsabilidade e tanto.

 Os políticos, aos quais o TSE conferiu a exclusividade de iniciativa na organização das frentes que vão tentar influir sobre o eleitor no plebiscito, já se mostraram aquém dessaresponsabilidade. Foi através do voto dos líderes de partido, coagidos pela contingência da votação de matérias urgentes pendentes na pauta do Congresso Nacional, e não através de discussão e votação em plenário, que o plebiscito foi decidido. Decisão gravedemais para ficar restrita a esse ambiente fechado – e, frequentemente, viciado.
 

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