Domingo, 30 de julho de 2017 - 21h17
O álcool, o presidente
e o New York Times
(Publicado no Jornal Pessoal 324, de maio de 2004)
Quase semanalmente Cláudio Humberto insinua em sua coluna que o presidente Lula bebe demais. Oficialmente, pelo menos, ninguém, no Palácio do Planalto, se preocupou em desmentir as notas venenosas. A atitude tem sido correta. Coluna existe (também) para abrigar balões de ensaio, especulações e fofocas (e boas notícias, sempre que possível). É gás que se dissolve naturalmente no ar.
Além disso, os comentários mordazes do jornalista traem sua antiga condição, de assessor de imprensa de Fernando Collor de Mello. A tinta da sua caneta (ou a eletricidade do seu computador, descendo para a seara da realidade) está contaminada pelo veneno do rancor e da vingança. Costuma faltar-lhe isenção quando trata de certos personagens da história brasileira recente.
Sabe-se que Lula gosta de beber. Enquanto beber nos seus churrascos de fim de semana ou em qualquer outro acontecimento privado, o tema cabe em colunas e nada mais. Quando se conseguir estabelecer nexo entre sua possível embriaguez (que, quando eventual, não caracteriza dependência) e os atos que pratica como presidente da república, aí a questão passa a ser do mais alto interesse público. Mas só então.
O famoso jornalista Carlos Castello Branco disse certa vez que se tivessem trancado no banheiro Jânio Quadros (do qual foi assessor de imprensa), não teria havido a traumática renúncia do dia do soldado de agosto de 1961.
Como frase, é um primor. Como jornalismo, uma frustração: Castellinho jamais checou o que disse. Seu pequeno e delicioso livro sobre a renúncia do ex-chefe é omisso quanto à octanagem do matogrossense-paulista de sotaque indefinível naquele dia – ou na véspera.
Lula tem dito muita besteira e cometido impropriedades porque fala demais, adotando como norma o pronunciamento de improviso, algo que cabia como luva ao líder sindical, mas constitui uma temeridade para a maior autoridade do país. O correspondente do New York Times no Brasil disse que essas gafes e equívocos devem-se ao estado de embriaguez do presidente. Como nota de coluna, tudo bem. Como reportagem divulgada no mais influente jornal do mundo, foi um absurdo.
Não exatamente porque Larry Rohter esteja a serviço da CIA ou tenha despachado encomenda de alguém que quer abalar o prestígio internacional que o presidente brasileiro, segundo seus áulicos, teria conquistado, como o novo timoneiro da nau planetária. Rohter simplesmente praticou jornalismo ruim.
Sua matéria não demonstrou, através de fatos ou evidências, que ao cometer as derrapagens verbais o presidente tivesse tomado sua valorizada caipirinha. Até agora temos motivos para acreditar que o ego inflado é que agiu, não o vapor de álcool.
Mas o correspondente do diário novaiorquino podia nos ter surpreendido com relatos de personagens e testemunhas sobre essas ocasiões de incontinência verbal de Lula. Não o fez, contudo. Políticos que acompanharam Lula na visita a Rio Branco, um ano atrás, para o lançamento do Programa Amazônia Sustentável, falaram da bebedeira contínua a bordo do “sucatão” entre Brasília e Rio Branco.
Lula teria descido do avião discretamente escorado. Mas essa teria sido a única impropriedade. Ele não discrepou do que já estava escrito e não fez qualquer inovação ou improviso que sugerissem descontrole sobre seus atos.
Não existe jornalismo sem fatos, qualquer que seja o texto produzido. O de Larry Rohter sobre a compulsão alcoólica de Lula costura os fatos por uma linha interpretativa arbitrária, mais como uma cozinha de material jornalístico passado, que requentou e ao qual deu a unidade que quis, do que como apuração original. Mesmo havendo pessoas, como Leonel Brizola, que podem dar testemunho dos excessos do presidente ao beber, ninguém minimamente coerente com a realidade pode afirmar que esse se tenha tornado um motivo de preocupação nacional.
É lamentável que um texto tão pouco jornalístico assim tenha passado pelo critério editorial do NYT e merecido publicação. Uns anos atrás, na redação de O Estado de S. Paulo (o equivalente do Times entre nós), material desse tipo teria sido transformado em relatório interno. Ou, como diz o pessoal de informação, seria recebido como mero informe. E jogado no lixo, depois.
Independentemente da falha do jornalista, os excessos (todos eles) de Lula são algo a inquietar as pessoas de boa vontade. Quando ele foi eleito, comparei-o a Lech Walesa, inclusive pelo hábito de beber além da conta, que prejudicou e abreviou o mandato presidencial do líder polonês.
Mesmo que não tenham sido a causa de deslizes públicos, foram a razão da corrosão interna, que acabaria prejudicando o desempenho do famoso líder do Solidariedade. Lula, que pode muito bem ser comparado a Walesa até a vitória para a presidência, manterá essa associação até o fim? Terá esse fim?
É uma questão em aberto. Por isso mesmo, dói como aquele retrato na parede do poema do bardo Carlos Drummond de Andrade. Ainda mais porque o episódio revelou tanto da desatenção ou dos preconceitos que ainda cultivam a nosso respeito os supostos irmãos do Norte como do modo voluntarioso, amadorístico e autoritário de exercício do poder pelo nosso presidente.
Inegavelmente a reportagem foi ofensiva a Lula. Sua indignação era justa. Mas a forma de expressá-la foi desastrosa. Até o momento em que pretendia processar Larry Rohter estava acomodando a autoridade máxima nos seus limites do cidadão, tão obrigado a seguir os trâmites legais quanto qualquer João da Silva.
Quando extrapolou para a expulsão, agiu como um atrabiliário, tão pesporrento quanto os donos do poder no regime militar, como se a democracia não fosse a diferença a nos distinguir do passado (e nos dar algum alento para o futuro).
Ou seja: se tiver mais poder, mesmo que com outros propósitos ou sob outras justificativas, Lula agirá igual a um general que haja ocupado a presidência por um ato de força. Isso não é bom. Nem para Lula nem para o Brasil.
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