Quarta-feira, 7 de março de 2012 - 17h49
Projeto do Trombetas foi um espetáculo de desperdício, irracionalidade e selvageria. O assoreamento da região repercutiu no Exterior. A bauxita amazônica é exportada para o Canadá e a menor parcela é destinada ao mercado interno /EDUARDO NICOLAU-AE |
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
Duas extensas rodovias iniciaram, nos anos 1950, a integração definitiva da Amazônia ao Brasil. Eram a Belém-Brasília e a Brasília-Acre, com mais de dois mil quilômetros de comprimento. Seus eixos partiam da capital federal nos rumos norte e oeste da nova fronteira econômica em abertura. O mineiro Juscelino Kubutscheck queria que, nos seus cinco anos de mandato como presidente da república, o Brasil se desenvolvesse num ritmo dez vezes superior à medida do tempo: “50 anos em cinco”, era o seu slogan.
O ciclo dos “grandes projetos”, entretanto, começou e se consolidou durante os governos dos generais, que se sucederam de 1964 a 1985. O primeiro desses “grandes projetos” entrou em operação em 1979. O equivalente a um bilhão de dólares foi investido para que nesse ano começasse a funcionar uma das maiores minas de bauxita do mundo.
Distante mil quilômetros do litoral, numa região isolada e pouco habitada da selva amazônica, sua capacidade nominal era de 3,5 milhões de toneladas do minério, que dá origem ao alumínio. Hoje produz seis vezes mais.
Trombetas saturado
Dezenas de grandes navios singram os rios Amazonas e Trombetas para ir buscar a carga, que é distribuída pelo mundo. Outras duas grandes jazidas de bauxita entraram depois em atividade no Pará porque a produção da primeira não pode mais crescer. O rio Trombetas simplesmente não comporta mais nenhum navio. Sua capacidade de escoamento foi saturada.
Durante os seis primeiros anos de funcionamento, o grande projeto do Trombetas ofereceu a seus visitantes um espetáculo de desperdício, irracionalidade e selvageria. O transporte do minério entre a mina e o porto, numa distância de 30 quilômetros, era – e ainda é – feito por trem. Um terço da carga era de rejeito, argila inaproveitável. Uma vez descartado do processo de lavagem e secagem do minério, esse material era despejado num dos mais belos lagos da região, o Batata.
"Cinquenta anos em cinco" era o slogan de JK no governo brasileiro /PORTAL SÃO FRANCISCO |
Quase 20% da superfície do lago se tornaram terreno sólido, compactado. A água do lago ficou vermelha, como vermelha se tornou toda a paisagem ao redor. Como boa parte da produção ia para o Canadá, onde está a sede de um dos sócios do empreendimento, a Alcan, o minério precisava ser secado para não congelar nos porões dos navios nos períodos de inverno mais intenso.
A secagem era feita em fornos, que deixavam escapar uma nuvem de pó vermelho, da cor da bauxita. O combustível era derivado de petróleo, muito poluente. Durante um tempo a madeira também foi queimada. Como o governo pretendia construir uma hidrelétrica às proximidades, em Cachoeira Porteira, a Mineração Rio do Norte foi autorizada a abater as árvores situadas na área do futuro lago. A hidrelétrica não saiu. As árvores foram sacrificadas em uso muito menos nobre do que se tivessem permanecido ali, em pé.
Assoreamento repercute no mundo
Em 1985, o recém-empossado presidente José Sarney foi à mina, na época controlada pela estatal Companhia Vale do Rio Doce (em parceria com cinco multinacionais e o grupo Ermírio de Moraes). A TV Globo documentou a visita. Entre as imagens festivas, exibiu cenas chocantes do lago assoreado e da paisagem coberta de pó vermelho. Foi um impacto, de repercussão internacional. Parecia uma estampa de Marte na Terra.
Como uma mineradora que reunia tantos sócios importantes no mundo se comportava daquela maneira? Por que, em vez de transportar lixo mineral de trem para descarregá-lo depois num esplêndido lago natural, não fazia a lavagem e a deposição na própria mina? Por que não colocava filtros nas chaminés da usina de secagem de bauxita para evitar a poluição?
Eram tantos e tão graves os questionamentos que a Mineração Rio do Norte precisou fazer novos investimentos e ir atrás de tecnologia para corrigir erros flagrantes. As operações de seleção e descarte do minério foram transferidas para o alto da serra, onde está a jazida. Os buracos provocados pela extração da argila, uma das sequelas da lavra, foram preenchidos com terra vegetal e aí feito o replantio das espécies nativas. Nunca uma mina de bauxita abrigara essa experiência. A técnica foi adaptada de minas de fosfato da Flórida, nos Estados Unidos. O pó vermelho desapareceu. Só então esse “grande projeto” entrou no século 20, antecipando-se à centúria seguinte.
Talvez se as imagens de televisão não tivessem corrido mundo, colocando em má situação perante a opinião pública internacional o primeiro presidente civil depois das duas décadas de regime militar brasileiro, e logo em sua primeira viagem (e ainda mais: à glamourosa Amazônia), as mudanças não tivessem acontecido. Ou pelo menos não seriam promovidas de forma tão ampla e imediata. Outra grande mina de bauxita começou a funcionar há dois anos do outro lado do rio Amazonas, quase na mesma posição geográfica da jazida do Trombetas. É de propriedade exclusiva da Alcoa, a maior empresa de alumínio do mundo, que também participa da Mineração Rio do Norte.
Mais que iniciativas voluntaristas
A multinacional americana se instalou em Juruti sem querer repetir os erros do Trombetas. Adotou várias iniciativas para que sua entrada na nova região fosse suave e sem maiores impactos sociais e ecológicos. Garante que pretende funcionar sob um padrão de excelência sem igual em qualquer outro lugar.
Não está conseguindo. Surgiram áreas de atrito com a população primitiva, resistências e conflitos. Mas nem sempre a responsabilidade pode ser transferida à empresa. Às vezes é por desconhecimento, desinformação ou má orientação dos seus críticos ou adversários.
Vê-se que eles ignoram a história evolutiva dos seus vizinhos do outro lado do gigantesco Amazonas. Um dos seus manifestos ainda faz referência aos buracos abertos na mina e ao assoreamento do lago Batata, como se o modo antigo de produção continuasse em vigor.
Uma visita ao local os colocaria em sintonia com a realidade. Não para que necessariamente mudem de posição. Mas para perceberem que a complexidade da Amazônia impõe mais do que iniciativas voluntaristas e idéias sem compromisso com a realidade concreta.
Afinal, todos os que vivem nessa incrível região precisam resolver problemas surgidos no contato do homem com essa natureza única. Problemas pequenos ou grandes, recorrentes ou absolutamente inéditos. Do João da Silva ou da multinacional. Se é que querem ficar de vez na Amazônia e não apenas continuar em trânsito, como desatentos turistas ou exploradores, de passagem.
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