Sábado, 8 de abril de 2017 - 16h26
No próximo mês a antiga Companhia Vale do Rio Doce completará 20 anos como empresa privada, a maior do país, em 75 anos de história. Terá a partir de maio um novo presidente e uma nova organização corporativa. As duas iniciativas visariam romper definitivamente com seu passado, de extensão do governo federal, e dar-lhe o status de multinacional para valer, capaz de se manter nessa condição por sua própria atividade, sem muleta – nem dependência – oficial.
O “mercado” aprovou as medidas. Respondeu através da bolsa de valores de São Paulo, a maior do país, valorizando os papéis da mineradora, a terceira maior produtora – e a maior exportadora – mundial de minério de ferro, que caiu para o 2º lugar na pauta comercial do Brasil, mas parece estar para ultrapassar novamente a soja.
A linguagem no mundo de negócios é uníssona sobre a mutação da Vale. O novo presidente, Fábio Schvartsman, que vinha exercendo com brilho essa função na Klabin, grande produtora de papel e celulose, seria a pessoa ideal para este momento de transição: não é de Minas Gerais (berço da companhia. E, 1942), não tem qualquer ligação com a mineração, não traz na sua biografia a cultura Vale, que influiu poderosamente sobre os seus principais executivos, é um autêntico CEO.
Essas virtudes são trombeteadas como se fossem inéditas na história da extinta CVRD. No entanto, desde a privatização, em maior ou menor grau, essas características estavam presentes no currículo dos executivos ou empresários que ocupam o topo da diretoria: Benjamin Steinbruch, Jorio Dauster e, principalmente, Roger Agnelli, recordista no cargo, com seus invejáveis 10 anos (2001/2011).
Agnelli poderia ter sido o que agora se diz ser Schvartsman. Ele era paulista, nada tinha a ver até então com a mineração ou a Vale, e veio da área financeira. Foi o primeiro representante do Bradesco no topo da poderosa corporação. Não era pessoa dos fundos federais de pensão, que detêm o controle acionário nominal, mas não o exercem efetivamente. Restou-lhes o conselho administrativo, instância de retaguarda, mesmo com sua importância estatutária.
O Bradesco não podia ser acionista da Vale. As regras da privatização vetavam a sua presença por ter sido o modelador da venda, o curinga a manobrar nos bastidores. O governo de Fernando Henrique Cardoso, no seu penúltimo ano do segundo mandato, fez vista grossa. Aceitou a usurpação. Aprovou a indicação.
Lula, que assumiu em 2003, endossou a decisão. Os dois presidentes da república motivados por razões do mais alto interesse público? Certos de que o Bradesco era o melhor para comandar a companhia e Agnelli o seu legítimo representante?
Ao longo do primeiro mandato de Lula, ele e Agnelli mantinham tal afinidade que pareciam amigos de infância. O presidente da Vale cumulava de gentilezas o presidente da República, que retribuía com afetuosidade e palavras de elogio e estímulo. O jatinho da vale sempre esteve à disposição de Lula e dos seus. As coisas pareciam caminhar às mil maravilhas no rumo de uma poderosa multinacional brasileira, mais sólida do que aquelas fecundadas pelo dinheiro abundante e barato do BNDES. Como o grupo X de Eike Batista ou a JBS.
A partir de certo momento do segundo quatriênio de Lula, iniciado em 2007, foram surgindo atritos, animosidade e, por fim, conflito aberto. Parecia mais efeito de algumas coisas que aconteciam nos bastidores do que propriamente por divergência doutrinária ou programática. Tanto que o Bradesco conseguiu manter Agnelli no posto, mesmo desgastado, até o final dos oito anos de Lula.
Mas ele não sobreviveu ao primeiro trimestre de Dilma Rousseff no poder, em 2011. Se passou a haver uma questão de fundo a incompatibilizar a presidente com o executivo, também havia ecos da briga de foice que Agnelli travava com os dirigentes dos fundos de pensão, especialmente o Previ, que tinha – e tem – muito mais ações do que os demais.
O substituto, Murilo Ferreira, não era homem do Bradesco (que, desta vez, nada influiu sobre a decisão), tinha a cultura da Vale (da qual deixou de ser dirigente justamente por divergir de Agnelli) e experiência na mineração. Não sendo dos quadros do PT, que controla os fundos, nem pessoa do conhecimento de Dilma, talvez tenha sido escolhido por não possui arestas com o braço político dentro da companhia e ter uma posição contrária ao caminho que a Vale vinha seguindo.
Seu fim foi antecipado, segundo a explicação oficial, porque ele chegou à idade limite para a permanência na direção da empresa, de 65 anos. Essa condição poderá ser ignorada, porém, se o ex-presidente da Klabin, agora com 63 anos, der conta do recado. E o recado é: concluir definitivamente a privatização da ex-estatal, acabar com blocos de controle acionário na empresa (que fortalece os fundos), estabelecer limite de participação societária a 20% dos papeis por acionista e substituir as ações preferenciais, com preferência na remuneração do capital e muito pulverizadas, principalmente nos Estados Unidos, para que haja mais interesse no mercado por um volume maior delas com io efeito desse interesse: investimento maior na companhia.
Ou seja: porta aberta para quem possui muito dinheiro e tem o máximo de interesse pela Vale: os chineses, os maiores compradores do principal produto da região. Depois da privatização da privatização, a maior mineradora brasileira poderá virar multinacional, com a sede do seu controle na China.
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