Quarta-feira, 8 de dezembro de 2010 - 13h27
Alter-do-Chão, considerada a melhor praia do mundo, está ameaçada pelo lixo. Suas águas voltam a subir, oferecendo a oportunidade para as providências das autoridades /JESO CARNEIRO |
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
SANTARÉM, Pará – Um vôo quase panorâmico sobre Santarém me deu a convicção de nunca ter visto uma seca do Tapajós como a deste ano. É impressão forte de quem já viu muitas vezes o rio subir e descer. Não só o Tapajós, mas também o Amazonas. O nível que ele atingiu no encontro com o Negro, defronte de Manaus, é o mais baixo desde que as medições começaram a ser feitas naquele ponto, em 1902.
Isto é fato, mesmo se sujeito a algum ajuste. Não há muitos nem eles são tão amplos, como se esperaria da fertilidade de ferramentas científicas e tecnológicas disponíveis atualmente, sobretudo os satélites. Mas é inegável: as secas se tornam mais rigorosas e freqüentes. Vão se tornando acontecimento de presença tão marcante como eram as cheias.
O encolhimento das águas do Tapajós deixou à mostra suas longas e belas praias, como talvez não existam iguais em nenhum outro rio do Brasil (e do mundo?). Mas também mostrou as marcas da agressão humana, preocupantes mesmo em Alter-do-Chão, que foi considerada a melhor praia do mundo, e em frente à cidade. É enorme e preocupante o volume de lixo, que as águas antes escondiam. Mas as águas voltarão a subir e as autoridades públicas não deverão aproveitar a oportunidade que a natureza lhes ofereceu de atacar o problema. Alguns começam a temer pela integridade futura de Alter-do-Chão. Toda sua fama não parece suficiente para prevenir sua crescente poluição.
Santarém, 272 mil habitantes, cresce horizontalmente, exigindo uma diretriz para se consolidar. Mas só se tornará saudável se o poder público criar infra-estrutura /JESO CARNEIRO |
Aeroporto velho
Outra situação que impressiona é o descompasso entre o crescimento da cidade de Santarém e a prestação dos serviços públicos. Como, felizmente, ainda há poucos prédios, a cidade cresce horizontalmente. É uma diretriz que deve ser consolidada e institucionalizada. Mas ela só se tornará saudável se o poder público fizer a sua parte: criando a infraestrutura correspondente, ordenando, supervisionando, fiscalizando e disciplinando esse crescimento explosivo. Sua característica é o caos, mesmo quando as condições favoreciam o planejamento.
É o caso da área do aeroporto velho (o novo, aliás, que era temporário, se tornou definitivo e incapaz de atender a demanda atual). A pista de aterrissagem virou uma avenida, mas a urbanização foi tão irracional quanto em todas as áreas periféricas da cidade. Prevalece a lei do mais forte ou do mais esperto, que redunda em problemas cada vez mais graves. Há crise constante no abastecimento de água, que falta quase todos os dias em vários pontos.
A intermitência no fornecimento de energia é tal que os maiores consumidores precisaram comprar geradores. Eles se tornaram indispensáveis para manter as empresas em funcionamento. Já a telefonia (e todos os seus derivativos) atormentam cotidianamente os moradores, impotentes para fazer valer os seus direitos.
A ausência do poder público como gestor urbano é uma das faces de uma moeda um tanto misteriosa do outro lado. Do que vive Santarém? Salta aos olhos o comércio, que atende a todo o Baixo Amazonas e, agora, com ênfase maior, a Manaus (a relação com o vizinho Amazonas evolui mais do que com o próprio Pará, reforçando a campanha pela criação do novo Estado). O serviço público é outra importante fonte de renda para a população. Mais recentemente, também a educação superior (há seis universidades instaladas). O grande desafio, porém, é a atividade produtiva.
Raras são as indústrias de porte significativo. Sua função, porém, é relevante. Neste mês uma fábrica de gelo foi fechada por causar poluição sonora. Mas ela é responsável pelo abastecimento de 80% dos pescadores da região. O efeito foi imediato: o preço da saca de gelo aumentou 300% (além de o produto se tornar escasso) e o pescado também. Em alguns setores as alternativas são poucas ou inexistentes.
Alunos de Juruti vão às aulas transportados numa canoa. Localidade resistiu, mas entregou-se à mina de bauxita da Alcoa, que começa agora novo capítulo em Santarém /JESO CARNEIRO |
Várzeas mal aproveitadas
Apesar do desamparo, produtores conseguem se manter nas várzeas e diversificam sua produção, alcançando mercados mais distantes. Algumas comunidades ribeirinhas se organizaram para isso, mas a assistência oficial é defeituosa. Sua principal falha deriva de uma visão distorcida sobre o aproveitamento das várzeas e um desconhecimento básico da relação do homem com a natureza.
O Incra, por exemplo, decidiu construir 100 casas com total incompatibilidade ecológica, concebidas para outros ambientes, não para a beira de rio. Vão se tornar fornos humanos, como as que já existem em áreas ribeirinhas.
A realidade é mais rica e diversa do que se costuma pensar. Numa viagem rápida que fiz a Santarém, registrei alguns fatos que podem dar uma visão panorâmica, ainda que caleidoscópica, do que acontece na região. Para informar a população metropolitana, em geral desatenta do que acontece no interior do Estado.
Conflito
A multinacional americana Alcoa, maior produtora mundial de alumínio, confirma em meio a conflitos a sua presença na região. Depois de conseguir superar as resistências em Juruti à implantação da sua mina de bauxita, agora começa novo capítulo em Santarém. A empresa detectou a extensão do minério no município vizinho, mas teve que buscar na justiça proteção legal para realizar pesquisa geológica.
Aparentemente, a atividade está legalizada junto ao DNPM, representante dos direitos exclusivos da União quanto ao subsolo, que se distinguem dos direitos sobre a superfície do solo. Mas os integrantes da Federação das Associações e Comunidades do Assentamento Agroextrativista do Lago Grande interditaram os serviços da mineradora.
Como o nível da atividade ainda é de pesquisa, não tem base legal a alegação da federação, de que é preciso autorização dos detentores dos direitos sobre o solo para que prossiga a prospecção no subsolo. Por isso o juiz federal de Santarém autorizou a Alcoa a ingressar na área, localizada no rio Arapiuns. Mas está posto o conflito entre a legalidade e a legitimidade, entre a nova atividade econômica e a prática anterior da população, entre os domínios da natureza e a presença humana.
O começo: o carro na floresta marca o início das possessões do bilionário Henry Ford, no Tapajós, que completou 82 anos e motivou um livro /FORDLÂNDIA EXPERIMENT IN THE AMAZON |
Fordlândia
A mais antiga das duas possessões de Henry Ford no Tapajós, Fordlândia, completou 82 anos. Está de volta à agenda com um livro, escrito por um americano, e um belo documentário, realizado por um nordestino, dois pólos da sua rica história.
Se a memória social saiu ganhando, não há muito o que comemorar no próprio local – e em Belterra, que surgiu depois. Mas a lembrança pode estimular alguma mente mais atilada a perceber o valor do patrimônio deixado pelo milionário americano e tratar de utilizá-lo para atrair visitantes e melhorar a vida dos moradores que subsistem na área.
Avião
Um teco-teco Navajo bimotor foi obrigado a fazer pouso de emergência no leito de uma das praias do rio Trombetas, em Oriximiná. Seus dois ocupantes saíram ilesos do acidente. Eles faziam fotos aéreas a serem utilizadas na confecção de mapas. Que mapas? Nada lhes foi perguntado a respeito. E nada disseram.
Água
O aqüífero Alter-do-Chão, o maior do mundo, se estende por uma área de 45 mil quilômetros quadrados, na calha do rio Amazonas. Calcula-se que tenha mais de 86 bilhões de metros cúbicos (ou 86 trilhões de litros) de água, o dobro do segundo maior aqüífero, o Guarani, no sul do país.
Em Manaus o aqüífero já garante o abastecimento de 700 mil pessoas através de 10 mil poços particulares e 130 da rede pública. Quando essa providência percorrerá os 700 quilômetros que separam Manaus de Santarém?
A MAIOR POPULAÇÃO DO TAPAJÓS
■ Com 272 mil habitantes, segundo os dados do recenseamento deste ano, divulgados pelo IBGE, Santarém ainda é o município mais populoso dos 25 que integram o projetado Estado do Tapajós, que ultrapassou um milhão de habitantes (15% do total do Pará).
■ O segundo, com um terço da população, é Itaituba, onde o IBGE registrou 96 mil moradores residentes. Mas o terceiro município, Altamira, com 83 mil habitantes, está fora do âmbito tradicional do Baixo Amazonas, integrando outra unidade cultural, agora sob a forte influência da estrada e da colonização.
■ Seguem-se, pela ordem de habitantes: Monte Alegre (66 mil), Uruará (55 mil), Oriximiná (52 mil), Óbidos (48 mil), Alenquer (40 mil), Juruti (35,4 mil), Novo Progresso (35,1 mil), Almeirim (34 mil), Jacareacanga (31 mil), Prainha (30 mil), Porto de Moz (28 mil), Rurópolis (27 mil), Medicilândia (22 mil), Brasil Novo (20 mil), Aveiro (17 mil), Trairão (16,8 mil), Belterra (16,7 mil), Terra Santa (16,6 mil), Placas (14 mil), Faro (13 mil), Vitória do Xingu (10 mil) e Curuá (9 mil).
■ Verifica-se que 17 municípios do eventual novo Estado estariam na órbita de Santarém, com 844 mil habitantes, e sete gravitando em torno de Altamira, com 252 mil habitantes. Haveria mesmo uma unidade ou identidade entre essas duas metades que evitasse o surgimento de um Estado desigual ou desconforme? (L.F.P.)
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