Quarta-feira, 18 de dezembro de 2013 - 14h20
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
A Eletronorte, a mais nova empresa regional do sistema Eletrobrás, assinalou com muita discrição seus 40 anos de existência. Anúncios na imprensa registraram a data. Não há mesmo motivo para festa. A empresa foi apontada em dois novos escândalos. A revista Veja divulgou que um ex-diretor da multinacional francesa Alstom informou à Polícia Federal, que sua firma pagou propina a um ex-assessor do senador Valdir Raupp (de Rondônia), presidente nacional do PMDB.
O “por fora” seria de R$ 1,26 milhão de reais, correspondendo a 3% da dívidan, de R$ 42 milhões, referente a duas turbinas instaladas na hidrelétrica de Tucuruí, que a empresa tinha para receber. A transação teria acontecido no governo Lula, em 2008. O fato não é novidade: a Folha de S. Paulo o publicara nesse mesmo ano. Mas agora é um alto funcionário da Alstom que o confirma, pela primeira vez.
Além de Roberto Parquier, assessor de Raupp, a negociação envolveria certo Ademar. O diretor de planejamento e engenharia da Eletronorte é Ademar Palocci, irmão de Antônio Palocci, ex-ministro da Fazenda, que está há muito tempo no cargo. O senador Raupp disse à revista que o seu nome foi usado por estelionatários e que não tem relação com as comissões. Ademar Palocci não quis se pronunciar. Já a Alstom afirmou a que colabora com as investigações e que é contra práticas ilícitas.
O outro escândalo diz respeito à contratação do escritório de advocacia do mais novo ministro do STF, Luís Roberto Barroso. A contratação foi feita em agosto deste ano, com inexigibilidade de licitação.
A Eletronorte jura inocência e se diz sempre disposta a colaborar com as investigações sobre os dois casos, que não são os primeiros nem serão os últimos do seu prtfólio. Mas que têm se tornado mais frequentes nos últimos tempos, contrastando com a alegada eficiência da subsidiária da Eletrobrás. Em março ela foi premiada no Japão pelo processo que adotou de geração hidráulica interligada, a partir da usina de Tucuruí, no Pará, a quarta maior do mundo.
O grande destaque foi para a hidrelétrica do rio Tocantins, já várias vezes selecionada, mas a Eletronorte também apresentou as usinas de Curuá-Una, também no Pará, e Samuel, em Rondônia, ambas de baixa potência, premiadas em 2010 e 2011. Outra hidrelétrica, porém, foi omitida: a de Balbina, no Amazonas.
Esquecimento proposital: Balbina é uma das piores hidrelétricas que o homem já construiu. Alagou uma área equivalente à do reservatório de Tucuruí, que tem três mil quilômetros quadrados, e produz 16 vezes menos energia.
A imagem era tão ruim que a Eletronorte só inaugurou oficialmente a usina uma década depois que ela começou a funcionar, sem grandes convidados. Nenhum presidente da república quis se associar à obra. A Eletronorte diminuiu o impacto negativo com um programa de assistência aos índios Waimiri-Atroari, que tiveram 30 mil hectares de suas terras inundados, e de proteção à flora e fauna. Mas a usina continuou a produzir aquém da sua capacidade nominal, jamais chegou à sua dimensão de projeto (para atender a metade do consumo de energia de Manaus) e permanece causando degradação na bacia do rio Uatumã.
A Eletronorte continua fiel às suas origens, em 1973, num dos piores momentos do regime militar. Foi criada para construir grandes barragens na Amazônia, capazes de gerar energia para ser transmitida para as principais regiões brasileiras ou suprir as indústrias eletrointensivas de exportação, como as fábricas de alumínio.
Intervindo numa região dotada de imensa complexidade física e humana, como a Amazônia, a Eletronorte se comportou como uma agência de intervenção concentrada na geração de energia, desatenta ao uso múltiplo da água e aos habitantes das várzeas dos rios.
Autoritária e autoconfiante, a Eletronorte nunca se curvou às reivindicações amazônicas para deslocar sua sede de Brasília para Belém, já que mais de 80% da sua energia é gerada no Pará, que seria seu destino natural se ela não estivesse diretamente vinculada às determinações categóricas de Brasília. Apenas os anéis são cedidos aos Sarney, Barbalho e Raupp, que fazem das suas, acabando por justificar a permanência da Eletronorte no Distrito Federal, única dessa anomalia no sistema Eletrobrás.
É salutar que as autoridades apurem as denúncias. A história verdadeira da hidrelétrica de Tucuruí, das maiores obras públicas da história do Brasil, ainda está por ser escrita. Mesmo que a obra não tivesse sido maculada por superfaturamento de preços ou propinas, a decisão de comprar no exterior as turbinas da usina é um caso a exigir atenta revisão.
Suspeitas de favorecimento foram suscitadas pelo coronel Raimundo Saraiva, adido militar na embaixada brasileira em Paris, quando comandada por Delfim Neto. O “relatório Saraiva” provocou impacto, mas de curta duração. Logo foi abafado e desmerecido por quem podia tirá-lo de circulação. Os franceses forneceram metade das 12 turbinas da primeira etapa de Tucuruí, inaugurada em 1984, e cobraram royalties da metade nacional. Além de comandarem o pool de bancos responsável pelo financiamento internacional.
A Alstom comandou o consórcio que forneceu as 11 unidades geradoras da 2ª etapa, cada uma delas de enormes dimensões, com 375 megawatts de potência, que entraram em operação entre 1998 e 2006, com um custo oficial de R$ 750 milhões. As duas últimas unidades apresentaram problemas em funcionamento, levando a Eletronorte a aplicar multa de R$ 57 milhões. A propina teria sido paga justamente para a quitação do pagamento dessas turbinas.
Certamente essa história e seus valores são pequenos diante da grandeza de Tucuruí. Mas, se bem apurada, ela apontará o dedo do gigante. Deste, sim, é preciso ir atrás.
NOTA
Originalmente publicado com o título: Quarenta anos de energia colonial
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