Terça-feira, 22 de junho de 2010 - 10h59
Tapajós, uma das maiores glórias do Baixo Amazonas, partilhada entre Alenquer e Santarém, que o viram nascer e crescer /BLOG DO VIOLONISTA |
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
BELÉM, Pará – “Este é Sebastião Tapajós, que toca violão como um viciado”. A apresentação foi feita, no início da década de 1970, do século passado, por ninguém menos do que Baden Powell, um dos maiores violonistas e compositores do Brasil. Ele tinha acabado de conhecer o artista, recém-chegado de Belém do Pará ao Rio, onde passaria a morar, mas não teve dúvida na sua avaliação. Sebastião estava chegando aos 30 anos com a autoridade que lhe conferia o reconhecimento entusiasmado dos que o ouviam, mesmo pela primeira vez.
Não havia dúvida: ele já era um grande violonista, além de compositor. Viria a ser maior ainda, dos mais importantes em atuação no mundo todo. Uma das maiores glórias do Baixo Amazonas, partilhada entre Alenquer e Santarém, que o viram nascer e crescer.
Mas quem não é alertado para essa relevância dificilmente a descobrirá se cruzar com Sebastião. O desconhecimento, porém, durará pouco. Bastará o primeiro acorde para qualquer pessoa dotada de mínima sensibilidade musical ter plena consciência do valor do instrumentista. A apresentação será uma questão de tempo, muito pouco: Sebastião está sempre agarrado ao seu violão, em qualquer circunstância, até dormindo numa rede, conforme já foi flagrado várias vezes.
Violão é parte do seu corpo
Mal abriu os olhos e já dedilhava acordes. O violão é parte do seu corpo, numa afinidade rara, completa, natural. Ele é tão musical que os sons fluem pelos seus dedos como se ele os inventasse sem parar – e sem a possibilidade de esgotar a fonte.
Mas os brasileiros, os paraenses e mesmo os santarenos conhecem pouco – se conhecem – um artista admirado por todo mundo, sobretudo na Europa, em especial na Alemanha. Seria um paradoxo. Afinal, em qualquer reunião no Brasil logo aparece alguém com um violão para animar e provocar os demais. O país é musical e cultiva o violão. Mas superficialmente, não em profundidade. E mais como um instrumento para acompanhar o personagem importante, o cantor.
O instrumentista é pouco valorizado no nosso país: “os brasileiros não reconhecem a execução da guitarra como sendo uma arte”, lamentou Sebastião certa vez. Não surpreende que ele se tenha tornado muito mais conhecido no exterior. Em 1978 perpetrou a façanha de representar a Alemanha, como convidado daquele país, no Festival Internacional de Música promovido pela Holanda, com transmissão pela TV para toda a Europa.
Nasceu num barco
A grande lacuna que existe de conhecimento sobre Sebastião Tapajós está agora preenchida com o recente lançamento de Razão da Minha Vida, livro de 259 páginas, com tiragem muito limitada, que Cristovam Sena editou e foi publicado pelo Instituto Cultural Boanerges Sena, com o patrocínio de Carlos Max Tonini. O livro é uma montagem que teve por base dezenas de recortes de jornais e revistas, catalogados pelo próprio Sebastião entre 1961 e 2009, além de cartas e documentos.
Sebastião Tapajós nasceu em 16 de abril de 1943, dentro de um barco que navegava pelo rio Tapajós, indo de Alenquer para Santarém, a oito horas do destino da viagem. Na verdade, a embarcação ainda estava no rio Surubiu quando ele veio ao mundo, mas o Tapajós acabaria por levar a fama. Por causa dessa situação, o Tapajós se incorporou ao seu nome de batismo, Sebastião Pena Marcião, com tal simbiose que nunca mais se desgarrou dele.
Pai tocava e cantava para ele
Seu primeiro contato com o violão foi através do pai, dono de um armazém de secos e molhados e de uma plantação de juta, que tocava e cantava para o filho pequeno acordes de cantigas, quase todos os fins de tarde. Começou a tocar instrumento aos nove anos de idade. Foi quando o violão que o pai e os seus empregados tocavam se abriu, por causa do tempo de uso e da temperatura, e Sebastião decidiu consertá-lo – e, de fato, o consertou.
Ainda garoto, já tocava quase todo o repertório de Dilermando Reis, um violonista muito famoso na época. Em Santarém sempre foi autodidata, mas já tocava clássicos “de ouvido”, por sua intuição musical (que ele diz já existir quando estava no útero de sua mãe e a ouvia cantar) e criara algumas composições (hoje, tem mais de 300 composições gravadas).
Ficou na cidade até os 16 anos, sem fazer uma viagem sequer para fora, quando se mudou para Belém com o convite para integrar o conjunto musical de estudantes Os Mocorongos, dirigido pelo professor Gelmirez Mello e Silva, que foi considerado “o melhor conjunto melódico” do Pará em 1961.
Popular e clássico, com a mesma naturalidade
Combinava música popular, executada com “Os Mocorongos”, e música clássica, nos seus espetáculos solos, com a mesma fluência e naturalidade – e virtuosismo. Fez um concerto só de música clássica em Belém, quando tinha 17 anos, mas admite que “foi uma coisa empírica, porque eu não tinha carga teórica suficiente”. Só então passou a ter professores. Aprendeu teoria musical a princípio com o mestre Drago e, a seguir, com os professores Ribamar e Tácito.
Em julho de 1963 fez um curso intensivo de técnica violonista, como aluno de Othon Salleros, “que o considerou uma das raras sensibilidades na arte segoviana”. Passou cinco anos tocando apenas clássicos, mas, com incursões escondidas à bossa nova, acabou por descobrir “o ponto ideal do meu trabalho: misturar tudo o que havia dentro de mim”. Estava pronto para uma carreira sem igual na arte do violão. Claro: esqueceu de vez o diploma de contador, obtido na já extinta Escola Técnica de Comércio Fênix Caixeiral Paraense.
Ao contrário da maioria dos artistas, conseguiu concluir um curso em outra profissão, mas nunca a exerceu. “A única coisa que sei de contar são histórias”, costumava brincar. Mas sua sexta esposa foi uma contadora, nascida em Santa Catarina.
Nesse período já usava um violão modelo Segóvia fabricado pela Del-Velchio, de São Paulo, que lhe foi doado pelo então reitor da Universidade Federal do Pará, José da Silveira Neto, uma das autoridades que mais o apoiou.
O talento de Sebastião se impunha de imediato àqueles que davam valor às artes. Teve 45 minutos para se apresentar na TV Marajoara, a primeira emissora de televisão do norte do país, algo impensável no Brasil de hoje. Logo que ele se apresentou, o maestro Waldemar Henrique previu-lhe “um futuro brilhante”.
Foi durante uma apresentação que fez no consulado de Portugal em Belém, em 1964, provocando entusiasmo na platéia, que lhe foi oferecida uma bolsa de estudos junto ao Conservatório Nacional de Música de Lisboa, pelo qual se graduou e se tornou concertista. Ganhou outra bolsa junto ao Instituto de Cultura Hispânica em seguida.
Em setembro de 1966 foi chamado para se apresentar numa convenção de médicos realizada no Teatro da Paz. Bastaram cinco músicas para que um americano o convidasse para ir aos Estados Unidos. Ele foi, mas não chegou a se exibir. A direção do Conservatório Carlos Gomes, onde dava aula de piano clássico, o convocou a retornar. E Sebastião nunca mais voltou aos EUA.
Com apenas 22 anos foi considerado “o maior de todos os violonistas clássicos do Brasil”. Seu álbum “Guitarra Latina” foi considerado “o melhor disco estrangeiro de 1978” pela crítica especializada alemã.
Em 1972 participou de uma excursão à Alemanha na companhia de artistas como Paulinho da Viola e Maria Bethânia. Os dois tiveram quase todo o desgaste que na volta lhes deu a imprensa brasileira. Mas Tião foi “o único a trazer no bolso contrato para vinte concertos no próximo ano, da Alemanha a Israel, além da gravação de outros discos”, registrou Mister Eco, crítico de música e colunista da Última Hora, do Rio de Janeiro.
Em 1995, quando tinha gravado 49 discos, apenas 15 deles saíram no Brasil. Numa entrevista desse ano ele admitiu que tinha uma certa mágoa pelo tratamento recebido em seu país: “A valorização lá fora é incomparavelmente maior”. Hoje, tem mais de 80 discos. Ainda assim Sebastião Tapajós se firmou como o maior violonista do Brasil. Com uma fama internacional que não se deve a favores ou exageros, mas ao seu talento.
(*) Originalmente publicada na edição nº 466 do JP. O título deste texto de Lúcio Flávio Pinto é da Editoria de Amazônias.
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