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Gente de Opinião

Lúcio Flávio Pinto

Fogo, sangue e cifrão


Fogo, sangue e cifrão - Gente de Opinião

Coloco mais um livro à disposição dos leitores. É Amazônia – Fogo, Sangue e Cifrão (edição do autor, 246 páginas), com apoio do site Amazônia Real, de Manaus, do qual sou colaborador. Por enquanto, na Livraria da Fox. A partir da semana que começa, em vários pontos de venda.

Durante sete anos dei aulas no curso de comunicação social da Universidade Federal do Pará. O meu principal objetivo era descobrir entre os alunos uma vocação de repórter de linha de frente. Entre 1966 e 1992 fui esse tipo de repórter numa linha de frente abrangendo dois terços do território brasileiro: a Amazônia Legal. Eu fazia meu curso regular, chegando ao bacharelado em sociologia e política.

Essa formação foi fundamental para abrir minha percepção, compreensão e interpretação de temas que eu acompanhava. Mas essa formação teórica só teve importância porque eu aplicava os conceitos aprendidos nas salas de aula aos fatos que eu via com meus próprios olhos. E vi quase tudo de importante que aconteceu na Amazônia nesse período.

Para ver, tive que ir a todos os Estados da região e estar presente aos diferentes locais aonde os fatos aconteciam, em especial as ocorrências de maior relevância: novos empreendimentos econômicos (os “grandes projetos”), conflitos sociais, disputas políticas, destruição da natureza, apropriação de riquezas. Presente a esses eventos, eu conversava com os personagens e criava minhas fontes em muitos lugares, em alguns dos quais eu era o primeiro jornalista a ali aparecer.

Graças ao suporte que O Estado de S. Paulo e O Liberal me proporcionaram sistematicamente, não só testemunhei fatos inéditos na história regional como retornei diversas vezes a alguns desses cenários, acompanhando o desdobrar das ações neles desencadeadas. Pude aprofundar meus conhecimentos e testar as hipóteses que a consulta a fontes indiretas suscitava. Como disse ironicamente meu grande amigo Raul Bastos, também jornalista, eu levava demasiadamente a sério o acompanhar da história passo a passo, andarilho que sempre fui.

Desde que abandonei definitivamente a grande imprensa, me dediquei missionariamente à mais alternativa das publicações alternativas e sofri intensa perseguição de poderosos pela via judicial, deles cúmplice, fui me transferindo da vanguarda para a retaguarda, enquanto o avanço sobre a fronteira amazônica se ampliava e se tornava mais agressivo. E cada vez menos conhecido, em virtude da incapacidade (ou falta de vontade) da grande imprensa para estar ao lado desses “empreendedores”, em nome da sociedade e na defesa do interesse público, desempenhando o seu ofício, de auditora do poder, de crítica dos seus desmandos, abusos e vilanias.

Minhas aulas na UFPA foram frequentadas por alunos inteligentes e capazes, muitos dos quais trilham com brilho pelas redações. Mas nenhum se tornou o repórter de campo do qual sinto falta ao ler e acompanhar os veículos da imprensa local e nacional. Na retaguarda, em um blog jornalístico que completou sete anos, para poder desempenhar a tarefa que assumi, de análise dos fatos, raramente disponho de fontes satisfatórias nas publicações periódicas. Sem dinheiro e sem estrutura para as viagens do passado, recorro a meios indiretos para atualizar as minhas informações. Só não posso lançar o verdadeiro grito de guerra de um repórter de linha de frente: meninos, eu vi!

Vi muito. E o que vi renasce dentro de mim toda vez que descubro uma novidade que há no hinterland amazônico, cada vez mais sertão, cada vez menos amazônico. Como renasce neste livro, através da seleção de alguns dos resultados das viagens que fiz aos confins de selva selvaggia, a  jungle, o inferno vermelho e o verde paradisíaco remetido à memória da tragédia, à antessala do fim, no anteato da destruição.

Juntei a essas reportagens dois textos finais que tentam situar o contexto dos fatos, talvez fazendo o leitor compreender porque eles acontecem e porque aconteceram dessa maneira. Lembro que viajava quase sempre sozinho, equipamentos a tiracolo, enfrentando alguns desafios e exposto a determinados riscos. Ia e voltava trazendo reportagens que justificavam o investimento nada desprezível de ir aonde os pioneiros iam. Hoje, talvez, não voltasse. Volto, pelo menos, com este livro, que ofereço como minha contribuição a essa incrível história do nosso tempo.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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