Quarta-feira, 10 de novembro de 2010 - 21h33
A cada 1% de adicional de hematita, a Vale recebe seis dólares. Preço médio da tonelada de minério alcançou 126 dólares no terceiro trimestre do ano /FOROS MINERALES |
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
BELÉM, Pará – O terceiro trimestre deste ano foi dos melhores da história de 68 anos da Companhia Vale do Rio Doce. A empresa bateu recordes de produção e de resultados financeiros. Faturou como nunca num único trimestre: 14,5 bilhões de dólares. Se essa média se mantivesse pelo ano inteiro, sua receita chegaria a US$ 58 bilhões.
Não chegará porque os meses anteriores foram de dificuldades, recuperando-se da crise internacional. Mas chegará ao final de 2010 como se já estivesse num ritmo mais acelerado do que “nunca antes”, como diria o presidente Lula, desafeto contido do presidente da companhia, Roger Agnelli, que completará 10 anos no cargo no próximo ano, se chegar a completar
Diz-se que com a vitória de Dilma Rousseff sua saída é certa. Ciente disso, Agnelli aproveitou a comemoração dos números grandiosos para se queixar (no exterior) dos petistas, que o pressionam por empregos. Talvez se preparando para uma saída em grande estilo, já que o governo, através dos fundos de pensão, tem poder suficiente para afastá-lo, mesmo com o desempenho impressionante. Oficialmente, porém, o ex-executivo do Bradesco, o maior sócio privado da antiga estatal, parece preparado para o combate que se aproxima.
No dia 26 ele mandou divulgar uma nota oficial para informar que “jamais foi tratada” entre os acionistas controladores da empresa “nem fez parte da pauta do Conselho de Administração a substituição do diretor-presidente Roger Agnelli. As especulações na imprensa, que atribuem a ‘fontes do Conselho de Administração’ informações neste sentido, não retratam a posição dos acionistas controladores da empresa”. Os cotistas, que vão sacar dividendos altíssimos no atual exercício, só têm motivos para querer que Agnelli permaneça onde está.
Recordes não foram só na receita global da Vale, que passou de US$ 9,9 bilhões no 2º trimestre para US$ 14,5 bilhões no terceiro. O lucro líquido cresceu 63% no período, pulando de US$ 3,7 bilhões para US$ 6 bilhões, o maior de todos os tempos. Os investimentos foram de US$ 14 bilhões, o retorno aos acionistas chegou a US$ 5 bilhões e a empresa ainda aplicou US$ 2 bilhões na recompra de suas ações, demonstrando que crê no futuro. Com ou sem PT para “aparelhá-la”.
Pará representa 35% das vendas totais da Vale. Computando-se as suas diversas origens (Sul, Sudeste e Norte), em Carajás a participação chinesa é de 60% /DIVULGAÇÃO CVRD |
PT tira vantagens dos resultados da empresa
Se fosse pelos indicadores que a Vale apresentou, Roger Agnelli devia ser parabenizado e não ameaçado de demissão, caso a empresa fosse realmente privada. Ela é quase uma corporação financeira pela sua face de organização particular, mas convive com um hibridismo estatal que, no regime do PT, se manifesta mais nos bastidores do que diante da opinião pública.
De público, o PT nunca questiona os resultados da companhia, mesmo porque – direta ou indiretamente – tira vantagens desses ingressos, sob todas as formas. Mas parece querer sempre mais poder para ter ainda mais. Sua divergência não interfere nos rumos dessa que é a mais acabada das multinacionais brasileiras, se não for a única, a rigor.
Mas é justamente os rumos dessa opção que precisam ser questionados. Uma mera análise contábil da prestação de contas da empresa sobre o 3º trimestre de 2010 levará à exaltação das decisões tomadas pelos seus dirigentes, que estão apresentando resultados excepcionalmente favoráveis, como poucas companhias no mundo. O problema é que a Vale, pelos erros cometidos na sua privatização, é um ser estranho: deixou de ser estatal e não é uma empresa privada convencional. Se o país fosse sério, nem poderia ser.
Vêem o gigante, mas não sabem onde está sua digital
O tamanho e o poder da Vale lhe impunham a condição de estatal, ou então o seu porte mastodôntico teria que sofrer fracionamento, mesmo acarretando perdas de sinergia. Ela é tão poderosa quanto um governo. No Brasil, aliás, maior do que todos, exceto o governo federal, pelo controle da logística que possui em todo País (com as duas maiores ferrovias e os dois maiores portos, num acervo que excede e ignora as segmentações federativas) e a capacidade de investimento, maior do que muitos Estados somados (talvez só inferior ao de São Paulo).
Como os representantes do governo na corporação se interessam mais pelo manejo dos cordões dos benefícios e o poder de mando, a análise do significado atual da Vale, às vésperas de chegar a 70 anos de existência, se empobrecem num questionamento menor ou numa negação radical. As duas posições são inócuas porque não influem no âmago da companhia. Todos vêem o gigante que ela é, mas não se apercebem do seu dedo, onde está a sua digital.
Agnelli deveria ser cumprimentado e não ameaçado de demissão, caso a empresa fosse realmente privada. A Vale é quase uma corporação financeira e convive com um hibridismo estatal que só se manifesta nos bastidores /FINANCIAL POST |
No caso do Pará, que vai consolidando a sua condição de principal unidade produtiva dessa multinacional, a marca registrada é oriental, mas especialmente chinesa. Como o principal produto da Vale ainda é o minério de ferro, o Pará tem um significado especial por causa da riqueza do minério de Carajás.
Não é por acaso que enquanto representa 35% das vendas totais da Vale, computando-se as suas diversas origens (Sul, Sudeste e Norte), em Carajás a participação chinesa é de 60%.
Melhor teor de hematita
O preço médio da tonelada de minério de ferro no 3º trimestre deste ano foi de US$ 126 (contra US$ 92 no trimestre anterior), mas o melhor minério chegou a US$ 148. Quando tem mais de 62% de hematita contida, o minério tem ganho de qualidade e mais US$ 6 a cada 1% adicional de hematita.
O teor do minério de Carajás é de 66%. Essa riqueza permite à Vale um ganho de US$ 21,60 por tonelada de Carajás, margem que supera o ganho do concorrente australiano (de US$15 por tonelada de frete) no mercado asiático, por sua muito maior proximidade física.
Não surpreende que este ano, se o desempenho do 3º trimestre se repetir no último período, pela primeira vez a produção de Carajás vá superar 100 milhões de toneladas, já na perspectiva dos 230 milhões previstos para 2015, o equivalente a nove meses de produção total em 2010, que é recordista.
O ganho marginal da Vale pelo teor do minério de ferro de Carajás, o melhor do mundo, será de US$ 2 bilhões. Esse dinheiro todo é recolhido aos cofres da empresa, que se abarrotam. Nada é repartido com o Estado no qual essa riqueza existe, mas está sendo transferida para o outro lado do oceano em velocidade que corresponde à verdadeira sangria desatada. Mais três décadas e só nos restará chorar no fundo do buraco, no qual ficaremos.
Este texto foi originalmente publicado em outubro, no Jornal Pessoal.
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