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Lúcio Flávio Pinto

LÚCIO FLÁVIO: Pará cresce, mas não conquista o progresso


  

Estado tem o 13º PIB do País (e o maior da região amazônica). Possui a 9ª maior população brasileira, mas está quatro degraus abaixo do nivelamento econômico pelo critério populacional 


LÚCIO FLÁVIO PINTO (*)

BELÉM, PA – O Pará anda em piloto automático. Não importa quem esteja no Palácio dos Despachos, a sede do executivo estadual, na rodovia Augusto Montenegro. O ocupante do mais alto posto da administração pública no Estado só não é figura decorativa porque alguns desses dirigentes andaram tentando tomar pé – ou mesmo assumir o comando – no imenso território posto sob sua jurisdição. Seus esforços, porém, esgotados os seus efeitos localizados e temporários, se revelaram inúteis.

O Pará transcende a sua própria capacidade de gestão. É produto de matrizes e variáveis que só circunstancialmente se cruzam com os mecanismos decisórios locais. O Pará é o efeito de vontades externas. Na origem das decisões se encontra também a sua destinação. Como se o jogo para valer fosse de bumerangues. Por serem lançados a partir de fora, lá fora é que está o seu ponto de chegada. O Pará é uma circunstância de si mesmo, numa típica caracterização colonial.

Perfil colonial 

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Alumínio faz parte da estatística maquiada: algo entre a metade e dois terços da economia paraense resulta da extração e ligeiro beneficiamento dos seus recursos minerais /PARÁ HISTÓRICO


O circuito mais importante dessas engrenagens é controlado pela antiga Companhia Vale do Rio Doce. O valor de mercado da empresa é duas vezes e meia maior do que o PIB (Produto Interno Bruto) do Pará. Seu lucro líquido no ano passado excede em mais de 10 vezes a capacidade de investimento do governo estadual. O Pará é um dos 12 Estados da federação nos quais a empresa atua, mas é o segundo de onde ela mais extrai receita e o primeiro em saldo líquido de divisas. Se o Pará tem perfil colonial, a Vale é quem mais o modela.

A ferocidade exportadora da empresa contribui decisivamente para a consolidação de um paradoxo: quanto mais cresce, mais o Estado fica pobre. É o que indicam os principais indicadores do PIB de 2007, revelados na semana passada pelo Idesp (Instituto de Desenvolvimento Econômico, Social e Ambiental do Pará), a partir de dados só agora apurados porque esperava que o IBGE concluísse a apuração do PIB nacional.

PIB per capita só ganha do Maranhão

Em 2007 o Brasil cresceu a uma taxa quase três vezes superior (6,09%) à do Pará (2,24%), que, por sua vez, foi quase 50% inferior ao incremento da Amazônia (3,80%). O Estado ainda tem o 13º PIB do país (e o maior da região amazônica), mas nem pelo critério de grandeza demográfica sua dimensão se alinha, já que possui a 9ª maior população brasileira (está quatro degraus abaixo do nivelamento econômico pelo critério populacional). O crescimento da riqueza física tem sido proporcionalmente maior nos últimos cinco anos, com taxa média anual nesse período de 4,15% (bem acima da média nacional, de 2,71%), enquanto o incremento médio da população foi de 1,54% ao ano. 

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Governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, recebe da Aços Cearense e da Vale, o memorando de entendimentos para a instalação da unidade de laminação da Alumínios do Pará (Alpa) /DAVID ALVES

Ainda assim, o Pará cai para o 22º lugar no ranking nacional quando a referência é o PIB per capita (a riqueza dividida pela população). O PIB per capita paraense não chega nem a metade do valor brasileiro. É o menor da Amazônia Clássica. Já na Amazônia Legal só ganha do Maranhão dos Sarney, que só está à frente do Piauí, o último da federação. Amazonas e Mato Grosso, líderes regionais, têm o dobro do PIB per capita (por cabeça) do Pará. 



Migrantes com baixa produtividade


O descompasso entre o volume da riqueza e a sua má distribuição é provocado pela expansão da população do Estado, que é quase o dobro do desempenho nacional. O Pará é um dos principais destinos migratórios do país. O problema é que esses fluxos são ativados por causas de expulsão no ponto de origem e sobre eles não é exercida nenhuma função disciplinadora, de qualificação ou de disciplinamento no ponto de chegada.

A produção e a produtividade do migrante devem ser baixas. Seu peso se exerce mais sobre a balança dos custos. Não há um estudo que comprove cientificamente tal presunção, mas a ela pode-se chegar através da mais simples verificação empírica.

A mecânica do processo produtivo conduz o Pará a assumir sua ”forte vocação exportadora”, segundo a análise dos dados feita pelo Idesp. Vocação que se baseia na produção da indústria extrativa (uma contradição em seus termos), que “vem crescendo acima da indústria geral”, conforme mostram as estatísticas apresentadas.

É por isso que a maior façanha do Estado em 2007, um ano de contração na maioria dos segmentos produtivos, foi exportar – sobretudo na forma de matérias primas e semi-elaborados – 7,9 bilhões de dólares, com um saldo na balança comercial de nada menos do que US$ 7,2 bilhões (20,16% a mais do que em 2006), o segundo melhor do país. 



Carajás: 60% das exportações minerais
 

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Rio Moju. Técnicos do Idesp concluem que a participação do PIB do Pará no PIB do Brasil cresceu 0,3%: "Estado se destaca com o maior ganho de participação entre os Estados da Região Norte” /MONTEZUMA CRUZ

De 2002, primeiro ano de mandato do tucano Simão Jatene, sucedendo oito anos do também tucano Almir Gabriel, a 2007, primeiro ano do primeiro governo do PT no Estado, as diferenças e dissensões da política local não perturbaram as exportações (85% delas à base de commodities minerais), que cresceram quase quatro vezes, de pouco mais de US$ 2 bilhões para quase US$ 8 bilhões.

Quase 60% das exportações de minérios se devem a uma única das várias substâncias nas quais o Pará se tem especializado, o minério de ferro de Carajás. É um peso não só considerável, mas inquietante, mesmo com a participação também destacada da bauxita, o minério do alumínio. Essa dependência se torna angustiante ao se debulhar os falsos conceitos e as estatísticas maquiadas, que escondem uma realidade que já perdura por um quarto de século, sem a menor perturbação: algo entre a metade e dois terços da economia paraense resulta da extração e ligeiro beneficiamento dos seus recursos minerais.

Energia transferida

Esse beneficiamento costuma ser classificado como industrialização, o que leva o estudo do Idesp a cometer a impropriedade de afirmar que a indústria de transformação “tem peso significativo na economia do Estado”.

A parte mais pesada dessa transformação está condicionada pela energia que agrega. Incorporado o grosso dessa energia ao produto, cessa a verticalização da produção no território estadual e a mercadoria é exportada. No local de destino é que ocorrerão os efeitos multiplicadores, desdobrando-se a energia embutida em novos produtos, de maior valor.

O caso do alumínio é definitivo e exemplar, mas, infelizmente, deixou de ser singular quando a ele se juntaram as produções de cobre e de níquel. O Pará, que é o terceiro maior exportador de energia bruta no mercado nacional, tornou-se um significativo pólo de transferência de energia – um ou dois estágios mais elaborada – para o mercado mundial. Para que gerar mais energia sem agregar mais valor ao produto? Será repetir os erros do extrativismo vegetal, o que já passou (o da borracha) e o que ainda subsiste a partir de formas do passado (como a madeira), na sua nova feição, o mineral e de commodities em geral.

Albrás e Alunorte

Dois casos se enquadram nessa condição. Um deles é o da Albrás, a oitava maior indústria de alumínio do mundo e a maior do continente. Através de melhorias no processo e na produtividade, a capacidade original da fábrica de Barcarena foi expandida em quase um quarto, de 320 mil para 450 mil toneladas de metal. Enquanto isso, a vizinha Alunorte aumentou em cinco vezes sua produção de projeto, tornando-se a maior indústria de alumina do mundo.

A partir do ponto em que chegou, a Albrás só poderá crescer se tiver energia abundante à sua disposição. Não existe tal disponibilidade atualmente no Pará. A oferta da hidrelétrica de Tucuruí, a quarta maior do mundo, já está toda comprometida. A solução que a Vale adotou de pronto, sem ouvir a sociedade, é a de implantar uma termelétrica de 600 megawatts à base de carvão mineral.

É o melhor para a empresa, que trará o carvão como carga de retorno do minério de ferro. Mas é péssimo para o Pará e o Brasil, por se tratar da fonte mais suja de energia. É melhor que a Albrás não cresça.
Aliás, se a história da fábrica for submetida a uma revisão rigorosa, sua produção só devia ter crescido se a empresa destinasse parte representativa do alumínio primário para transformação no local, ao invés de exportar maciçamente lingote para o exterior, uma forma mal disfarçada de energia bruta. Na verdade, o compromisso devia ter sido estabelecido na origem do projeto, quando o BNDES se recusou a financiá-lo por considerar que o controle nacional da indústria era apenas nominal. De fato, quem decidia eram os sócios japoneses, apesar de minoritários na partilha das ações (a diferença, de menos de 1%, era pura formalidade).

Carvão importado, atraso e gás que não vem

Não satisfeita em importar a base da matriz energética dos dois países mais poluidores do planeta, os Estados Unidos e a China, que, por isso mesmo, se recusam a assumir compromissos quantitativos com a redução das emissões de gases de efeito estufa, a Vale pretende importar mais carvão mineral (da Colômbia, de Moçambique ou da própria China) para usá-lo como redutor na usina siderúrgica projetada para Marabá.

Assim, subitamente, o Pará estará utilizando carvão tanto como energético quanto como componente siderúrgico, se atualizando no atraso. Exatamente quando até podia cogitar de aproveitar o gás de Urucu, no Amazonas, que agora utilizará um gasoduto até Manaus.

Tudo a pretexto de realizar uma aspiração estadual histórica, que se tornou cavalo de batalha do PT por mera incorporação política, sem a devida atualização (e adequação) do discurso à realidade. Valerá mesmo à pena dar um novo passo na verticalização do minério de ferro à custa de incorporar processo tecnológico negativo? Não será repetir o erro cometido na implantação do pólo de ferro gusa, que foi uma atualização de erro igual ao do alumínio primário?

Em vez de aprimorar a matriz energética do Estado, essas iniciativas a atrelam a um problema monumental. Quem lida com esse complicador há muito mais tempo vê-se obrigado a enfrentá-lo e mudá-lo. É o que, enfim, pretendem fazer americanos e chineses, mas com a preocupação de não enfraquecer com essa decisão seu poderio político e econômico internacional.

Um dos sete estados mais atrasados do Brasil 

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Belém: capital e interior não usufruem de tanta riqueza exportada. Estado entre os sete mais pobres do País /MONTEZUMA CRUZ

BELÉM – A Comissão Mista Permanente de Mudanças Climáticas do Congresso Nacional poderá evitar essa iniciativa desastrosa. Na semana passada ela se reuniu para a leitura do relatório do deputado Colbert Martins (do PMDB da Bahia). Uma das recomendações feitas, para incentivar a redução das emissões de gases do efeito estufa no Brasil, é justamente o estabelecimento de metas anuais de redução da participação das usinas nucleares, a óleo combustível e a carvão mineral na matriz energética nacional até sua completa eliminação em 2040.

Até 2020, em compensação, 25% da matriz energética brasileira deveria ser de fonte eólica e solar. O relatório será votado, mas poderá enfrentar resistências poderosas daqueles, como a Vale, que seguem na contramão dessa história, apostando no fascínio que números grandiosos exercem quando apresentados na moldura de verdade estatística.

A interpretação qualitativa dos números se torna uma fonte de martírio para os que conseguem ver o que eles representam, ou de contorcionismo cerebral, para os que tentam vê-los parcialmente. Ao fazer uma “retropolação” (expressão que o léxico ainda não deglutiu) mais ampla do PIB paraense, remontando-o a 1995 (não por acaso, ano inaugural dos paulistas no poder, primeiro com sua elite tradicional, na versão FHC, agora com sua nova elite, no modelo Lula), os técnicos do Idesp concluem que a participação do PIB do Pará no PIB do Brasil cresceu 0,3%, “fazendo com que o Estado se destacasse com o maior ganho de participação entre os Estados da Região Norte”.

Em 1995 o PIB do Pará era de quase R$ 11 bilhões, passando para quase R$ 50 bilhões em 2007, o que, percentualmente, significou evoluir de 1,56% para 1,86% no todo nacional, e de 36,92% para 37,06% no conjunto regional. É conquista que mereça ser comemorada ou não passa de vitória de Pirro, se dos números absolutos se busca a relação custo/benefício ou qualquer outra correlação?

A resposta pode ser obtida num “cochilo” metodológico dos técnicos do Idesp em sua “retropolação”: eles dão os valores absolutos do PIB per capita (de quase R$ 2 mil em 1995 para R$ 7 mil em 2007), mas nada falam sobre o percentual, que, como ficou esclarecido na série de 2003-2007, coloca o Pará entre os sete Estados mais atrasados do Brasil.

Até quando? Até quanto? 

(*) É editor do Jornal Pessoal e colaborador da Agência Amazônia, entre outras publicações impressas e eletrônicas.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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