Quinta-feira, 22 de setembro de 2011 - 19h01
LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
De Belém (PA)
Escrevi este texto como prefácio ao livro de Ribamar Castro (*), “Atos dos Governadores” (192 páginas), lançado pela Imprensa Oficial na Feira Pan-Amazônica do Livro, juntamente com o belo álbum com a 2ª edição das canções de Waldemar Henrique (301 páginas), incluindo letras e partituras, num precioso trabalho de Vicente Salles, Felipe Andrade e Jorge Santos Sousa. Espero que a reprodução desse texto estimule a consulta ao documentário preparado por Ribamar, que passa a ser uma fonte indispensável de consulta sobre a história do Pará.
Quando retornei a Belém, na segunda metade dos anos 1970, um dos temas mais polêmicos na cidade era o processo de venda das terras da província mineral de Carajás à então estatal Companhia Vale do Rio Doce. O zum-zum-zum era intenso e os boatos se multiplicavam. Nada, entretanto, que pudesse passar da forma verbal para a escrita. Por um motivo simples: não havia provas sobre a alegada ilegalidade na transação.
Como obtê-las? Através do processo de venda, que o Iterpa (Instituto de Terras do Pará) enviara à Assembléia Legislativa para autorização. Um deputado estadual do próprio governo (posso agora revelar o nome: Osvaldo Melo) me conseguiu cópia integral do volumoso documento, certo de que era a melhor maneira de fazer a prova dos nove: submeter a matéria à imprensa. Embora divergíssemos, nos respeitávamos.
José Ribamar Castro (C) apresenta o segundo volume das súmulas dos atos dos governos estaduais no Pará. Alguns jornalistas, entre os quais Lúcio Flávio Pinto, acompanham a resenha diária que ele faz na primeira página do Diário Oficial, há anos /DIVULGAÇÃO |
O "pulo do gato"
A leitura das centenas de páginas não me permitiu seguir o fio da meada até a verdade. Mas uma segunda leitura, ainda mais atenta, revelou onde estava o “pulo do gato”. A Vale requereu 445 mil hectares, mas 30 mil hectares tiveram que ser excluídos por serem terra indígena dos Xikrin do Cateté. Só que não houve o desconto no valor. A diferença seria o “por fora”, que alguém “levaria”. Denunciei o fato, criou-se o escândalo e o governo federal acabou com a operação.
A censura à imprensa imposta pelo governo militar (1964-85), que se tornou implacável em relação ao mais influente dos grandes jornais brasileiros, O Estado de S. Paulo, onde trabalhei por 18 anos seguidos, me ensinou – sem querer, é claro – a descobrir, valorizar e dar bom uso às fontes oficiais. Os atos do poder institucional podem não revelar a verdade, mas constituem fatos de relevância e interesse. São, pelo menos, a “verdade oficial”. Se não podem ser considerados pontos de chegada, são preciosos pontos de partida.
Com a caça às versões e interpretações pela censura estatal, passei a me dedicar a balanços, relatórios, leis, decretos, portarias e toda a parafernália oficial ou institucional. O lugar por excelência para ter contato com elas é o Diário Oficial. O advogado Otávio Mendonça, outro dos meus parceiros de esgrima verbal, disse para seus pupilos e auxiliares de escritório que queria vê-los a ler o DO com a volúpia que eu dedicava a esse exercício. “Ele lê o Diário como se estivesse lendo a Comédia Humana”, de Balzac.
É verdade. Devo parte do que sei a essa leitura, quase sempre árida, mas invariavelmente frutuosa. E quando podemos ter acesso a uma ordenação dessa literatura, melhor ainda. É o que José Ribamar Castro nos proporciona com o segundo volume das súmulas dos atos dos governos estaduais. Sou daqueles que acompanha a resenha diária que ele faz na primeira página do Diário Oficial há vários anos.
Fusão do passado com o presente
Nesta segunda coletânea, estão as decisões de um dos períodos mais importantes da vida republicana brasileira, o “ciclo de Magalhães Barata”. Versão paraense do ciclo de Vargas” na história nacional. Quem ler as súmulas poderá acompanhar a trajetória descendente da República Nova dos tenentes de 1930. Ávidos por eliminar os “carcomidos” do período anterior no altar das reformas sociais e políticas, acabariam por trair os ideais de origem ou contaminá-los por seus impulsos autoritários e repressores, estabelecendo nova forma de tirania.
Ainda assim, a história avançou e as transformações se processaram, embora às vezes pondo em dúvida a visão de Heráclito sobre a mudança. A água que passa pela ponte parece, em alguns momentos, que não vem de nova fonte, mas é reciclada. Ou não exatamente assim, porque não é realizado o trabalho de recomposição da sua qualidade: é simplesmente devolvida ao seu curso anterior.
Para chegar a essa conclusão, entretanto, é preciso seguir o caminho das pedras, que é menos fácil, mas é a trilha da revelação, delimitada por fatos e não por versões, como neste precioso 2º volume da reconstituição da história oficial. Que venha logo o 3º tomo e quantos mais sejam necessários para fundir o passado ao presente, apontando o futuro no horizonte.
(*) José de Ribamar Castro, 65 anos, advogado e jornalista, há 46 trabalha na Imprensa Oficial do Estado do Pará, onde já foi revisor e chefe, redator e chefe, diretor técnico, assessor da presidência, supervisor e pesquisador. Apesar de outras atividades, sempre conciliou seu trabalho no órgão.
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