Sexta-feira, 11 de agosto de 2017 - 19h59
Em 2014 o nível do Madeira chegou aos 19,69 metros. Foi a maior cheia já registrada no rio desde que a sua medição começou a ser feita. Com a grandeza que ele tem, de ser o afluente que mais contribui em vazão líquida e em sedimentos para o Amazonas. A enchente superou em mais de dois metros o recorde anterior, de 1997, e em mais de três metros a cota média histórica, de 16,5 metros.
Essa elevação recorde no nível das turbulentas águas do Madeira é atribuída às chuvas mais intensas nas cabeceiras do Madeira, nos Andes bolivianos. Não é do que estão convencidos os moradores de suas comunidades, dentre as mais de 150 mil pessoas atingidas, representando um terço dos 512 mil habitantes de Porto Velho, Candeias do Jamari, Guajará-Mirim e Nova Mamoré, os municípios de Rondônia afetados pela cheia. Para eles, a culpa foi das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau.
Passados três anos do desastre, os moradores das áreas atingidas, que ainda não conseguiram compensar seus prejuízos e retomar a normalidade das suas vidas, continuam com a mesma certeza: a evolução acelerada da enchente e a sua propagação sem igual foi provocada pela abertura das comportas das usinas, que ficam distantes 150 quilômetros uma da outra. E Santo Antônio fica a apenas sete quilômetros de Porto Velho, rio abaixo.
A ação do Madeira em 2014 foi sem igual: não só as casas foram destruídas e arrastadas, juntamente com os cultivos agrícolas, como a erosão foi intensa, desbarrancando áreas que até então eram consideradas firmes. Os que quisessem voltar teriam que recomeçar do zero, se é que os restos da destruição seriam suficientes para garantir sua sobrevivência.
Sem a indenização que reivindicam, não conseguem capital suficiente para experimentar o desafio. A maioria teve que se transferir para a capital, mas em condições de vida muito piores do que as da beira do rio. O remanejamento dos varzeiros para o ambiente urbano em terra firme não é apenas uma mudança de espaço físico: é a súbita substituição de toda uma cultura ribeirinha por um padrão estranho e hostil. A adaptação é impossível para a maioria, que dependia totalmente da ação do rio.
Os poucos que insistem em retomar suas colocações na margem do Madeira já sentiram que as condições se alteraram. O peixe se tornou escasso e incerto. Moradores antigos se dizem completamente desnorteados. Antes sabiam quando o rio subia e descia. Agora as oscilações entre cheia e vazante se tornaram constantes. Exige que se adaptem. Mas o peixe não tem essa alternativa. Pode estar fugindo do local.
O que é verdade e o que é mera especulação? O que a ciência pode confirmar e o que nem isso é possível? Uma resposta exige que se conheça perfeitamente a operação dos reservatórios. Uma exigência ainda maior no Madeira, que abriga duas das maiores hidrelétricas do país (e do mundo), um rio capaz de produzir energia firme em volume maior do que Belo Monte, usina projetada no rio Xingu, no Pará, como a quarta maior do mundo, quando integralmente instalada. No Pará, há ainda Tucuruí, no Tocantins, com potência para suprir 8% do consumo de energia de todo Brasil, ainda a quarta do mundo.
Alguma universidade da Amazônia ou qualquer instituição científica podia se interessar pela organização de um seminário especificamente para tratar da operação dos reservatórios das grandes hidrelétricas em atividade na região e o efeito do seu regular funcionamento, independentemente da ação contra a implantação dos novos empreendimentos energéticos previstos. O povo ribeirinho, penhorado, agradeceria pela iniciativa.
(Publicado no site Amazônia Real)
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