LÚCIO FLÁVIO PINTO
Editor do Jornal Pessoal
BELÉM, Pará – A morte anunciada continua a ser consumada no Pará. O último a ser executado por pistoleiros de aluguel foi Pedro Alcântara de Souza, de 55 anos, ex-vereador em Redenção e coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetrad). O crime, ocorrido na semana passada, pode ser enquadrado no roteiro geral desse tipo de evento, tão contumaz no Pará, líder nacional no assunto.
Pedro era goiano, migrou para o sul do Pará três décadas atrás e passou da política convencional para a liderança dos movimentos sociais. As controvérsias que provocou não foram poucas. Nenhuma delas capaz de justificar sua eliminação física.
Mas é assim que procedem os que podem mais nos momentos em que são contrariados. Na sua versão mais sangrenta, esse modus operandi se consolidou com as frentes de expansão que abriram caminho na Amazônia a partir da década de 60, contando com a parceria do poder público a partir da implantação do regime militar de exceção, em 1964. O governo estava inteiramente do lado de quem tinha capital e reprimia ou controlava os trabalhadores.
Acompanhei a trajetória final do presidente-pelego do sindicato dos trabalhadores rurais de Conceição do Araguaia, Bertoldo Lira, um homem perigoso. Ele se impunha pela força e pelo apoio dos órgãos de segurança. A eleição do oposicionista Raimundo Ferreira Lima, mais conhecido por Gringo (por sua tez e cabelos claros), foi a primeira mudança significativa na representação dos trabalhadores do campo no Pará desde o AI-5. Ele venceu uma estrutura que parecia inexpugnável.
Graças à capacidade de deslocamento que então eu tinha, fui várias vezes a Conceição, Xinguara, Marabá e à casa do Gringo, que morava com o sogro, uma família maravilhosa, num dos lotes da área litigiosa da Fundação Brasil Central, na "sobra" de terra do Araguaia, que tantos conflitos abrigou. Estive no seu enterro e depois na manifestação de protesto, a primeira a romper o cordão da repressão, que atemorizava e inibia qualquer ato coletivo na região. Seis mil pessoas participaram da passeata pelas ruas de Xinguara.
Quem estava lá não acreditava no que via. Nem podia prever que veria o que aconteceu, como se as pessoas tivessem brotado de súbito, rompendo a corrente do medo. Felizmente há olhos e memórias que não esqueceram. A infeliz repetição desses assassinatos também não deixa esquecer. O que é necessário não é esquecer: é acabar com essa brutalidade, que desafia com arrogância o poder público e humilha as pretensões de civilização que temos.
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Pedro Alcântara foi assassinado com cinco tiros na cabeça. Originalmente publicado no Jornal Pessoal, edição 462, da primeira quinzena de abril de 2010.
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