Segunda-feira, 30 de maio de 2016 - 13h55
Em 1959 em sua Receita de Mulher, o poetinha Vinicius de Morais decretou “As muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”.
E eu, que não sou poeta, preceituo: “A despedida que me perdoe, mas a chegada é essencial” para a emoção, para o choro de alegria, para exaltar a vibração, e receber o abraço caloroso, bem apertado que tanto comove quanto acalenta.
Na chegada, a alegria expande movimentos de leveza, que acaba se transformando num turbilhão de sensações, quando sons ecoam o fim das saudades, e se aspiram perfumes de flores espalhadas no campo e o fervilhante gosto da cana-caiana nos chega como se deslizasse pela boca, instante indescritível em que o transitório é substituído pelo eterno, sublimado pelo afeto que transpõe o tempo e se materializa naquele gesto de absoluta ternura.
A chegada, ao contrário da despedida, é o instante que Deus reserva para se celebrar a vida, numa mistura de sentimentos em que se enaltece a comoção e se submete a tristeza ao seu último posto na hierarquia da consternação. Viver é preciso! E chegar é imprescindível demonstração do excelso contentamento que nos invade a alma. É a conversão de um sonho sonhado, quando se observa que a realidade está ali a nossa frente, ao alcance dos olhos e das mãos, a demonstrar que a oração anteriormente rezada tenha se transformado no milagre da presença antes tão desejada.
Já a despedida representa o desaparecimento dos nossos olhos da pessoa querida, ainda que temporariamente! Estava certo François de La Rochefoucauld ao nos legar: “Quem inventou a distância nunca sofreu a dor de uma saudade”.
Há, como se sabe, diversos tipos de despedida: aquela do trabalho pela aposentadoria, a que se refere à mudança de lugar; ou a que é determinada pelo término de uma missão; há aquela pelo abandono e outra pela exaustão dos sentimentos e muitas outras, como essa da saída pela porta dos fundos, em face da decepção gerada pela omissão, negligência, mentiras, pedaladas e corrupção...
Mas há a despedida definitiva que só não encontra eco na visão espiritualista. Há partidas que nos matam pouco a pouco por dentro...
Despedida que assegura um possível reencontro com trânsito após o caminhar pela eternidade, situação que permite emular a plenitude que se pode desfrutar se merecermos o paraíso.
Alguém assinalou que “um milhão de palavras não farão com que você volte. Eu sei porque tentei. Nem um milhão de lágrimas fará. Eu sei porque chorei”.
Estejamos numa estação rodoviária, ferroviária, no cais do porto ou num aeroporto, ou até mesmo num barranco ou na entrada de nossa casa, a chegada será sempre comovente, desde o planejamento para a recepção, a vibração contagiante para tornar a sala e o quarto aconchegantes, energia que se consagra até na expressão das frases de boas vindas.
Ao passo que, na despedida, haverá um nevoeiro nos nossos olhos, embuçados pelo orvalhar constante da tristeza emoldurada na aflição traduzida pela expressão dos nossos rostos. Entre a chegada e a despedida a aritmética só subtrai, “são contas que só diminuem, nunca adicionam”; é o mistério da vida a influenciar a nossa trajetória.
É na chegada que o sentimento aflora positivamente! E se materializa primeiro no sorriso aberto e no choro descontraído, depois no olhar, no aperto de mão, no abraço bem apertado e demorado, e no beijo...
A chegada e a despedida são inicio ou fim de jornadas ou recomeço para as novas partidas. Numa e noutra fico com Nelson Barh, um paulista, ator e filósofo: “A vida é uma viagem imprevisível que pode ser resumida em dois momentos: o choro na chegada e o silêncio na despedida”.
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