Quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012 - 14h36
Um amigo de juventude fazia retiro espiritual durante o dia, mas à noite, fantasiado e com máscara, transitava de Clube em Clube, movido à base de batida de maracujá, com a mesma camisa surrada que o vinha acompanhando em anos e anos de atividades momescas.
No carnaval, a camisa já vinha caminhando sozinha, sem ajuda de ninguém e se instalava feito um posseiro no corpo do personagem.
Cada um com suas manias, cada qual com suas escolhas, afinal, uma árvore celebra os seus galhos, seu tronco e suas folhas. Cada um com suas vivências, tristezas ou alegrias.
Na sua avant première no reinado de momo, ele não estreava roupa nova! Sua identidade marcante, necessariamente, passava pela camisa velha, cansada de guerra... e, em cima, a fantasia escolhida. Ele não admitia a troca por um vestuário novo.
Há pessoas, ao contrário, que adoram roupa nova e a trocam com a avidez dos desesperados, como se desejasse demonstrar a rara capacidade do seu poder de compra, que deságua sempre numa exibição.
Ora, sabe-se que roupas são uma indumentária, uma veste, uma capa de tecido para a proteção do corpo humano, com o desejo de cobri-lo, escondendo o que deve ser escondido; são usadas por necessidade, por usos e costumes sócio-culturais.
Um vestuário pode ser sofisticado, espalhafatoso, mas pode ser sóbrio e singelo: uma camisa, uma blusa ou uma bermuda.
Fernando Pessoa nos ensina que “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.
Embora sendo um fernandista militante e juramentado ouso discordar da sua afirmação, pois que, para mim, aquela usada, velha batida, se ainda não puída, a ela dou valor imenso. Vestir, por exemplo, uma camisa, com tempos e tempos de uso, é como me sentir acariciado pelas mãos, invisíveis mãos, de uma artista, que, certamente a elaborou, com desvelo, em cima do talento peculiar que a identificou como artífice e criadora.
Há camisas que caem como uma luva no peito, nos ombros e no dorso,na pele, enfim de quem as vestem. Vale como a carícia de um abraço e a ternura de um beijo.
Vestir uma camisa, presente da mulher amada, da filha cuidadosa, do filho que sabe cativar, da nora e dos netos desejosos de agradar, é recolher a bênção (de novo) do calor do abraço; é repetir o momento singular, único, daqueles segundos em que o regalo, o mimo é envolvido também pela emoção, no instante sublimado.
Por que abandonar um brinde que traduziu a emoção da entrega e a comoção do seu recebimento?
A roupa usada compõe, muitas das vezes, o perfil de uma personalidade sensível, em que se valoriza a virtude da gratidão e satisfação do sentir-se bem.
É, como disse o poeta, a vestimenta que se aninhou no nosso corpo de tal forma que usá-la é reverenciar a saudade que a gente gosta de sentir.
Para as mulheres repetir um vestido, –se vivem entre as superficiais do pedaço– refletirá sempre péssimo gosto. Mas, entre nós, homens, vestir uma camisa, uma calça já surrada pelo tempo é um exercício de inegável satisfação pessoal e conforto; seria um prêmio, uma recompensa...
Mas, na outra direção, sei que há ocasiões em que se exige uma “produção” à altura daquele especial momento.
Assim como a roupa usada, valer-se do uso do sapato já batido nas idas e vindas do cotidiano é prestar uma continência ao superior que nos mantém bem firmes e aprumados, no caso, os pés, enfim massageados pela película já bem amaciada, que envolve o calçado.
A roupa usada é delicada como as mãos da namorada, é o carinho que se faz ao próprio corpo, é o prêmio que se adquire, de maneira recorrente, sem gastar mais nada, visando a acariciar a nossa autoestima.
Ela se amolda à nossa estrutura corporal aquecendo-nos, se inverno ou refrescando-nos, se verão, após o banho revigorante com o gosto da suave brisa, que se eleva e alguém assopra em nossa direção.
E na hora de dormir, quem dispensa um pijama, bem macio, de algodão, malha ou seda? que empreste conforto e liberdade ao cidadão, que cansado, deseja apenas o sono reparador, como galardão pela dedicação ao trabalho, naquele dia tenso e concorrido.
Foi pensando na alegria que Noel Rosa questionou: “Pois esta Vida não está sopa/E eu pergunto: com que roupa?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?”
Até para o samba e para a festa profana, símbolos da irreverência e da alegria, é bom que, lançando ou não mão de uma fantasia, se vá com algo leve, solto e confortável. Nada melhor do que uma roupa velha. Na ausência dela, fantasia melhor é aquela de bebinho. Ir bem calibrado, movido ao chopp ou à batida, tomando muito cuidado, pois se sabe, todavia, que no tempo de Momo, nem tudo se perdoa, apesar de ser carnaval...
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