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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

ALAGAR, ALAGAMENTO OU ALAGAÇÃO


Nos dicionários as três palavras se confundem na justificativa dos termos, ora verbo transitivo, ora substantivos. Um, alagamento, substantivo masculino: o outro, alagação, também substantivo, porém feminino. Acabam querendo dizer a mesma coisa!

Victor Hugo nos ensina que “A aspiração do homem é a suprema glória; a aspiração da mulher a virtude extrema. A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade”. No coletivo, a aspiração do nosso povo é a abertura de uma estrada... Mas nem a alagação, que nos isolou, gerou um exame de consciência por quem de direito!ALAGAR, ALAGAMENTO OU ALAGAÇÃO - Gente de Opinião

Todavia, no conceito, na alma, no sentimento dos povos desta fronteira alagamento é fichinha em relação a alagação que estamos sofrendo. Não pela invasão das águas em direção às nossas casas, aos nossos terrenos, aos nossos móveis, roupas e instrumentos. A alagação que se superpõe no nosso espírito é muito maior, infinitamente mais densa, exponencialmente mais dolorosa...

A alagação que nos invade é a mesma que destrói a nossa cidadania, a nossa dignidade, a nossa própria estima. Afinal, não se concebe que a inundação que nos sangra e violenta os nossos direitos decorra do abandono a que a omissão, a negligência, a imperícia, o preconceito, a vaidade, a insensibilidade, a ausência de humildade de pessoas públicas que deveriam zelar pela qualidade de vida de cerca de 250.0000 pessoas (entre brasileiros e bolivianos, por certo desprezíveis aos olhos de quem julga), fosse jogada no esgoto deletério que, há mais de 2000 anos, simbolizou um lavar de mãos que todos nós conhecemos.

Lá trocaram uma vida importantíssima por 30 moedas. Aqui cidadãos que produzem estão sendo moeda de troca por uma quantidade ínfima de índios, que já assimilaram a antena parabólica, a bicicleta, a moto, a máquina de lavar, o rádio, o celular e a televisão, mas que, logo após o planejamento e a execução da BR 421 (que alguns falam na RO-420), foram inseridos, introduzidos adrede naquele teatro geográfico, com o objetivo de atrapalhar, dificultar a vida de milhares e milhares de brasileiros, tão nacionais quanto os silvícolas maquiavelicamente transferidos para o entorno de uma pequeníssima área de abrangência da BR 421.

Certamente, se os homens “importados” de fora e colocados naquele cenário, como moradores daquele entorno, fossem ouvidos, não criariam obstáculos para a abertura dos 11,5 Km de uma estrada que só o bem fará a essa “multidão” que anseia ter as mesmas oportunidades que reclama a vã democracia para os homens brancos. Ora, é sabido que não há vestígios da presença de indígenas nunca contatados, dentre eles a etnia Karipuna”. Isso é achismo! Até porque os nossos irmãos índios não aceitam a condição de “Indígenas nunca contatados”... Muitos deles já são universitários e Mestres...

Mais uma vez recorremos a Victor Hugo: “...O homem é forte pela razão; a mulher invencível pela lágrima. A razão convence; a lágrima comove”.

         Quantos homens e mulheres choram por dentro o frio da desgraça do abandono e da desídia...

Há, pior do que as cheias, a inundação fétida que nos chega através da amargura que simboliza desarrimo, desprezo, desleixo, desamparo e desamor, em face da insensibilidade, desconhecimento (tenho medo das decisões tomadas no frescor das salas atapetadas por onde deslizam suaves perfumes que chegam por ondas do ar condicionado), despreparo eivado de equívocos e de achismos, que resumem a tomada de um posicionamento desfavorável à abertura da estrada parque. Mas, em nome da nossa cidadania, lutaremos até as “Instâncias Celestiais” para mudar esse quadro.

Primeiro porque, merecemos, enquanto cidadãos, essa saída honrosa (a ligação com Campo Novo, Montenegro, e Ariquemes), pois ela significa um elo com o progresso, através do desenvolvimento contra o isolamento; depois, por analogia, merecemos um tratamento igualitário posto que há uma estrada federal entre o Amazonas e Roraima que passa por reserva e nenhum obstáculo se criou, (ou se criará) para a abertura e/ou manutenção da rodovia 174; na Rodovia Transamazônica também se trafega passando-se por reservas, onde índios valendo-se de sabedoria, sagacidade ímpar, tão comum –a quem as autoridades fechavam os olhos–  vinham cobrando ilegalmente pedágios, segundo o tamanho dos veículos; em Foz do Iguaçu uma pequena rodovia dá acesso ao parque das Cataratas, quando animais, avi-fauna e o potencial botânico, são protegidos por Guardas-Parque, sem que o ir e vir de visitantes nacionais ou estrangeiros sejam negados.

Ora, se a proibição para a abertura da BR-421 ou RO-420 é justificada, entre outros questionamentos, em face de que “Há interesses de madeireiros, grileiros de terras e principalmente do narcotráfico, que beneficiar-se-iam com a abertura da estrada”, ora um interesse menor como esse, que deve ser rechaçado pelos homens de bem, que desaprovam a ação de meliantes, bandidos e madeireiros fundamentalistas e que, eventualmente por lá possam agir, resta a pergunta: será que nas demais rodovias brasileiras só anjos e santos por ali transitam? Não será o caso de se policiar mais esses e outros itinerários, o que, enfim, traduz a obrigação de Estado? Por que punir a maioria absoluta, negando-lhe o sagrado direito de ir e vir?

Particularmente acho absolutamente interessante, oportuníssima e salutar a reativação da navegação entre Vila Bela da Santíssima Trindade, passando por Pimenteiras e Costa Marques, mas desejar impedir um acesso terrestre, via a BR-421, é sofismar em cima de outra verdade: com a extinção do Serviço de Navegação do Guaporé, ENARO, CONARO deixou-se de privilegiar anualmente a abertura e/ou limpeza dos canais de navegação; os barcos e balsas foram vendidos como sucata ou remanejados, e empresários não adquiriram embarcações apropriadas para eventual transporte de gás, combustíveis e mercadorias na dimensão exigida pela demanda regional. Há barcos pequenos, cujos proprietários já foram “brindados” com multas e ameaças de interdição de suas atividades, por terem tido a audácia de abastecer o Município, principalmente com gás de cozinha, sem que aparelhados adequadamente estivessem. E o tempo urge!

O respeitável Doutor Dorosnil Alves Moreira, do alto da sua sabedoria, decorrente do seu preparo intelectual, propõe: “Objetivo geral é o abastecimento… é a saúde da população, é o direito de ir e vir, é o desemprego e demais questões econômicas, pela impossibilidade do transporte terrestre, inclusive de fazer cumprir o Tratado Internacional Brasil/Bolívia… Objetivo específico é a saída pela BR 42l que, para chegar no seu ponto de ligação, temos que passar pelo bloqueio judicial de 11 kms que separa Jacinópolis de Nova Dimensão na Rodovia Estadual 420, que sai na BR 425 e essa, chega a Guajará-Mirim”…

E a nossa cidadania não vale nada?

Senhores, como morador destas “bandas”, assim como tantos, concluo: pior do que a alagação e seus efeitos, é a inundação de tristeza, decepções, abandono que nos invade a alma por quem tem o dever legal de nos socorrer e apoiar, em cima do bom senso e do único Estado que estamos vivenciando: o Estado de Necessidade.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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