Terça-feira, 31 de janeiro de 2012 - 11h39
O Poeta um dia disse que “todos cantam sua terra/, também vou cantar a minha/, Nas débeis cordas da lira/ Hei de fazê-la rainha; Hei de dar-lhe a realeza/ Nesse trono de beleza/ Em que a mão da natureza/ Esmerou-se em quanto tinha”.
E justifico: minha Mãe era Guaporense. Minha Avó também. Aliás, minha família tinha vínculos (e ainda tem) com aquele sagrado vale. O rio Guaporé da minha infância, com o seu luar estonteante, como diria meu pai.
Ali percebi o sobrevôo das araras, com seus cantares meio roucos, em algazarra, temendo a fúria da chuvarada que era antecedida por ventos tão fortes. Até que a intensidade dos trovões e dos raios, que nos emudeciam, as fazia ficar caladas, também.
Assim, ainda, pude descobrir o aracoã, cujo trinar, nem um tanto melódico, indicava a possibilidade de o temporal cair.
Ah! Região em que a folha do mucuracá, avidamente comida pelos bovinos, dava ao leite de vaca um gosto ruim de engolir. Mas, em compensação, no tempo devido, o araticum, biribá e abiu eram sempre tão celebrados.
A coleta das plumas da sumaúma, para nós, os meninos, era uma comemoração. Com elas ajudávamos a fazer os nossos travesseiros e até os nossos colchões, dependendo da quantidade de plumas que conseguíamos recolher.
Andar a cavalo –uma proeza– cuja ansiedade era contida, dificultada mesmo, pelos pais, ante os perigos que nos circundavam: a onça feroz, a sucuri, os corichos cheios de arraias e jacarés.
E jamais esquecerei o tamanho do pantanal rondoniense que se descortina tão vívido, cheio de graça e milionário na demonstração de uma fartura sem par. Ali a biodiversidade, para me valer de uma palavra mais recente, fazia a festa, como pequena mostra da oferta de cenários e de benesses que somente Ele, o Criador, tem competência para gerar.
E os nomes dos campos pantaneiros: o Boi Seco, Malhadinha, Dos Cervos, Da Baia do Meio, Dos Amigos, enfim, campos, com as suas ilhas de árvores tão altas, que começavam e terminavam na geografia de outros campos, onde os bois, bezerros e vacas pastavam, sujeitando-se a ferocidade das onças, quando podia acontecer que, algum dia, um daqueles bezerros não voltasse para o curral ao final da tarde, obrigando-nos a ouvir o berro desesperado da vaca-mãe, forçada pelos vaqueiros a deixar o lugar aonde o bezerro sumira do seu campo de visão.
Guaporense ou guaporeano, nativo ou não, tenho a alma do vivente nos barrancos do grande rio, cujas águas negras, límpidas, haverão de molhar a minha face, confundindo-se, quando da minha volta ao seu regaço, com as lágrimas que correrão para o “estuário” do meu rosto, cujos sulcos demonstram as vivências e a trajetória de minha vida, ainda que distante dele, a serviço de outras terras.
Ah! Minha alma guaporense que pulsa ante a miragem com que me descubro, olhando o infinito, lá depois do horizonte, vendo suas praias lindas, cujas areias tão brancas também servem para comover. Praias onde as tartarugas, depositam seus ovos e mais vida, após as trovoadas de setembro.
Ah! Minha alma guaporeana que não esquece o reflexo das matas verdejantes nas águas barranqueiras do rio, quase sempre tão manso e onde estão guardadas as melhores lembranças gravadas no meu saudoso olhar, como se ainda estivesse no alto da varanda da casa de madeira, ali na curva em frente ao enorme baixio, ponto de encalhe de barcos, cujo timoneiro desconhece o canal mais fundo.
Ah! Minha alma inquieta que vislumbra até hoje a chegada dos barcos do S.N.G, com a euforia da tripulação, que se sentia em casa ao aportar ali nas margens do barranco. Abraços apertados, sorrisos que se estampavam, notícias que eram dadas, cartas enfim, distribuídas com as recomendações de quem as escreveu, com a devoção de espírito, ainda que mediante letras rebuscadas num papel escrito com um português quase ruim...
Ah! Guaporé de Pedras Negras, local em que, com olhos marejados, escorrendo lágrimas de orgulho, a Mãe se comove com o retorno da filha estudante do Colégio construído por Dom Rey, já professora formada, com a obrigação moral, profissional, cristã e cívica de preparar cidadãos, evangelizar gente e minorar o sofrimento pelo treinamento recebido como enfermeira.
Choro convulsivo pela confirmação de que o regatão anterior levou pélas de borracha e barricas de castanha, além do fujão do marido, que roubou a caçula da Mãe e esposa abandonada, enquanto na baia ela, distraída, pescava o peixe do almoço. E a filha sumida jamais seria encontrada.
Alma guaporense que concorre para que o Compadre viaje um dia e meio, ao lado da comadre e de dois dos seus filhos, para visitar a família do compadre rio abaixo, levando uma tarrafa, por ele preparada com desvelo e afeto, visando a não chegar com a mão vazia.
Alma guaporeana que fazia, quando do retorno do quase parente, uma matula cheia de carne seca, salgada, doce de leite e muita rapadura, como a querer agradecer pela visita que alegrou e comoveu...
Alma guaporense ingênua e pura, solidária e fraterna, humana e calorosa! Assim é a aura de um povo nascido e/ou vivente no sagrado vale, onde o que importa é a vida em comunhão de espíritos e a amizade que se inspira na generosidade, que brota do útero abençoado tão agregador e congregador dos filhos que vivem ou viveram sob a influência de uma natureza sadia, reprodutiva e frutificadora.
Alma guaporeana ou guaporense, quem conhece não esquece, jamais! É como se fosse “A minha terra natal; Tem tantas belezas, tantas, Que nem as sonha um poeta E nem as canta um mortal”!
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Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio