Quarta-feira, 3 de setembro de 2014 - 10h41
Digamos que ele se chame Ananias. Quem pode auxiliar o Ananias a se recuperar de um pequeno desvio de personalidade? Virou mitômano. Explico: Ananias apenas desejava ser importante para o mundo e para o neto. Vai daí que passou a “viajar pela estratosfera”, contando piedosas mentirinhas para conquistar a devoção da pequena criatura que nasceu para abençoar a vida daquela família. Se conquistasse o neto ganharia o mundo!
Na verdade, era um carente desde a puberdade! Os mais antigos, moradores desta fronteira, já o viam contador de vantagens na adolescência.
E nos passeios matinais, segurando a mãozinha do netinho idolatrado, Ananias passou a elucubrar situações que eram sonhos sonhados jamais realizados, até porque, por exemplo, jamais esteve em São Paulo, nem no Rio de Janeiro, muito menos em Minas Gerais. Viajara, todavia, como devorador de livros; os romances eram a sua praia!
Acontece que, de mentirinha em mentirinha já não se segurava mais! Havia sido cooptado pelo espectro da fantasia. Tendo, assim, incorporado um espírito como o do doutor Demerval, que o levou a ficar com distúrbios.
O Dr. Demerval, médico, nos anos 60, morador nesta cidade, transitava na sua lambreta e, quando a estacionava, contava fatos esquisitos, inacreditáveis!...
No Ananias, virou um transtorno da sua personalidade, uma doença compulsiva. As mentiras bem criativas davam-lhe uma paz e afastava para longe as decepções ante a ausência de reconhecimento público.
Agora, na vida adulta, reverberava para a criança muito amada e para as pessoas a sua volta que, quando novo, jogara com o Zico no Maracanã, estádio aonde havia feito golaços, inclusive de bicicleta, sendo reiteradamente ovacionado pela torcida rubro negra na condição de ídolo, igualdade de tratamento que dividia com o Galinho de Quintino. E o neto saboreava aquela informação e, perguntava e perguntava, sorrindo, aplaudindo cada detalhe que redundara naquele estilo de golaço, criação do Leônidas, o Diamante Negro.
Inclusive chegou a destacar que fora convocado pelo Telê Santana para as copas de 1982 e 1986, mas que fora crudelissimamente agredido por um colombiano que, numa partida, o atacara de forma desleal e inamistosa ferindo duas vértebras. Isso em 1982. Cena repetida contra o Neymar na Copa de 2014. Depois, o argentino Diego Maradona, após ser driblado por entre as pernas, antecedido de um lençol desmoralizante, deu-lhe uma patada que o deixou em coma por 40 dias e 40 noites, tendo retornado à vida já concluído o certame mundial de 1986. Se tivesse ido ao México, naquele ano de 1986, a história teria sido diferente... dizia Ananias para o netinho.
Noutra feita, dissera que fora convidado por Tancredo Neves para ser seu vice na eleição indireta em 1984, mas declinou do convite (e indicou o Sarney) em face da amizade pessoal e vínculos fortes mantidos com o General Figueiredo, com quem, na Granja do Torno, num cavalo, saltava obstáculos ou galopava nas horas de descontração e lazer.
Aliás, daquele instante das Diretas Já, confidenciou que estava sempre ao lado da Fafá de Belém, Dante de Oliveira, Osmar Santos e dos líderes políticos, defendendo de forma ardorosa as eleições pela via democrática. Só que se valia de uma barba postiça e peruca para poder discursar, sem o que causaria mágoa ao Presidente, seu amigo de fé. Um dia na Praça da Sé, foi aplaudido de pé pelos circunstantes porque suas palavras incendiárias sacudiram pela contundência, conteúdo filosófico e doutrinário, fluência e eloqüência os cerca de 1.500.000 militantes, ali no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.
Esqueceu ele de dizer que, durante os comícios, todos (ou quase todos) realmente ficam de pé...
Quando o tema fluía para as artes aí então é que Ananias se virava do avesso para gritar bem forte: –eu cantei no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, eu me apresentei no Teatro das Artes em Belo Horizonte, eu acompanhei Nat King Cole como pianista, num dos principais teatros de São Paulo... etc, etc...
E inventava detalhes das parcerias musicais como se traduzissem verdades daquelas mais verdadeiras, ainda que o tom da conversa fosse de alguém falsamente humilde. Segundo Ananias, ele, apenas desejava elevar a celebridade que estivesse se apresentando num palco refinado ou num canal de televisão de renome.
Se a discussão na mesa do bar ou num restaurante transitasse por peças teatrais ele tinha protagonizado encenações memoráveis, desde a Ceia de Cristo, tragédias que passavam por William Shakespeare e todas as criações de Molière e, cá da terrinha brasileira, atuara sob e com Augusto Boal, Dias Gomes, José Celso Martinez Corrêa, Cacilda Becker e Martins Pena, entre outros.
Dias Gomes, aquele mesmo, o teria convidado para estrelar na televisão o papel que coube a Paulo Gracindo, em face da sua desistência, na famosa novela O BEM AMADO. Até que cansado de tantas luzes, de tanta visibilidade e de tanta ingratidão afastou-se voluntariamente do estrelato, retornando à Pérola do Mamoré.
– Amigão, a televisão te suga até a alma! Se não te cuidas ela te corrompe os costumes e te esfacela os valores, pela bajulação que avilta e pela adulação que campeia... São os guizos falsos de uma alegria efêmera! Agora sou bem mais feliz! Imagina estou aqui sentado contigo, quem diria, eu, o talento personificado, ao lado de um Zé Ninguém... –Poxa, cara, não precisa ofender!...
A baixa estima se transformava e se inflava nesse nosso Ananias mediante o desejo de afirmar-se perante o neto e demais parentes, concorrendo para o aparecimento desses devaneios, bem como da arrogância e da soberba, sem ânimo de prejudicar, mas por serem derivadas de um embuste, poderiam até ser engraçadas porque decorrem do excesso de confiança que se traduz em absoluta falta de humildade, levando o Ananias a, piamente, acreditar nas suas aleivosias.
E Ananias continua subindo e descendo as avenidas guajaramirenses, com seu boné já vencido pelo tempo, contando histórias e se realizando naqueles “causos” mirabolantes os quais apenas ele acredita...
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