Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Paulo Saldanha

As lembranças de Guajará dos meus dias de antigamente (I)


 

Paulo Cordeiro Saldanha*

A Guajará-Mirim das minhas primeiras recordações apresentava-se com ruas bem traçadas, sem calçamento. Na Avenida Presidente Dutra, o Clipper, bem na confluência com a Avenida Mendonça Lima, era o palco onde, ao final da tarde, os comerciantes e os seringalistas jogavam dominó, com estridentes batidas das pedras nas mesas. Na parte posterior um ou dois engraxates laboravam assobiando baixinho enquanto atendiam seus clientes.As lembranças de Guajará dos meus dias de antigamente (I) - Gente de Opinião

Esse Clipper era um bar, lanchonete e lugar da preferência de todos. Fora construído bem na esquina, no meio da Presidente Dutra, separando-a no centro.

Em “A Praça” tida como de autoria do Carlos Imperial e interpretada por Ronnie Von quando recordo os seus versos “A mesma praça, o mesmo banco; As mesmas flores, o mesmo jardim Tudo é igual, mas estou triste porque não tenho você perto de mim...” me transporto para aquelas antigas de Guajará.

A Praça Barão do Rio Branco era, na época, muito freqüentada, haja vista que no seu final, sob a ótica da Avenida Constituição, a Prefeitura a ornamentara com uma quadra de volley-ball, onde eu vi moças com shorts bem curtos se exercitarem naquele esporte, com a orientação da Tia Zuíla de Melo Covas.

Paralela a Avenida Presidente Dutra, outra Praça, a Mário Correia, situada na Avenida Costa Marques, entre a 15 de novembro, a Mendonça Lima e a Travessa do Arigó, bem arborizada, com um espaço destinado aos bambus, já tinha o coreto, onde cantores e políticos se apresentavam, –cada qual na sua hora - ou nos shows ou nos comícios.

No circuito da Praça os benjamins ofereciam como dádiva a sombra de suas copas. De lá para cá, tornaram-se muito mais frondosos. Ali a Prelazia, operada com a maestria do Bispo Dom Rey, melhorava o Município com uma ação social, nem sempre praticada pelo poder público. Havia construído o primeiro hospital - Nossa Senhora do Perpétuo Socorro -, além das igrejas e do primeiro colégio, Nossa Senhora do Calvário.

Naquele tempo, na Praça Mário Correia, a Banda de música fazia suas apresentações sob a batuta do juiz Melo e Silva e, mais tarde, do Almerindo Ribeiro dos Santos. A cidade abria um largo sorriso de alegria e orgulho!As lembranças de Guajará dos meus dias de antigamente (I) - Gente de Opinião

No porto oficial as catraias, com os motores Penta ou Arquimedes, “dez/doze”, transportavam os passageiros numa integração por conta das compras e das vendas bilaterais. Quem descia para o porto, à esquerda, um aglomerado de pelas de borracha vegetal vestia com uma manta escura um pedaço do solo brasileiro. À direita, as oficinas da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, durante o dia faziam estrepitar sons das batidas do ferro no ferro. Já na subida, em direção ao centro, a estação ferroviária.

E no vai-e-vem de brasileiros e de bolivianos, o comércio do Caralambos Vassilakis, secundado pelas casas destinadas aos graduados funcionários da EFMM, recebia seus clientes, ofertando-lhes uma infinidade de produtos. Mais adiante as Lojas Pernambucanas (na esquina da Travessa do Arigó com a Avenida Presidente Dutra) vendiam e vendiam seus tecidos lisos ou estampados.

Nessa época, alias, o comércio maior da cidade circunscrevia-se ao trecho compreendido entre o porto, passando pela Quinze de Novembro, Avenida Costa Marques, até quase o seu final, no Bar do Gato, antes da pensão, uma extensão da casa da tia Cirila Paes. O movimento maior era observado na Presidente Dutra, na Mendonça Lima e na Avenida Leopoldo de Matos, aonde à esquerda, já chegando à Avenida Constituição, o João Suriadakis tinha portentoso armazém, em que aviava outros seringalistas.

No final da Avenida Presidente Dutra, o capitão Alípio, do alto da sua competência, respeitabilidade e sabedoria Salomônica, dava à sociedade guajaramirense aquela segurança de que precisava para viver sem medos, sem angústias e sem paranóias. Aqui, bem que se podia dormir com as janelas abertas. Malfeitores sabiam como seriam “acolhidos”, pelo delegado da cidade e caminhavam por outras plagas.

Não me recordo do Clube Colombina, mas do Hotel Guajará, erguido em seu lugar, bem em frente à Praça Barão do Rio Branco. Seria a meu ver, o prédio mais bonito de Guajará-Mirim, com uma arquitetura bem clássica, construído que fora no governo Araújo Lima. Ainda na minha infância um dos edifícios mais altos da cidade passou a ser o da Associação Comercial, cujo projeto é de autoria do arquiteto Harry Guimarães Covas, pai do Clayton e genro do Juiz de Direito José de Melo e Silva, que, juntamente com o governador Joaquim de Araújo Lima (autor da letra) produziu a beleza do Hino de Rondônia (Clique AQUI e veja vídeo).

Aliás, o outro prédio mais alto era o da Vila Acrópole, construído pelo meu tio-avô Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, no início do Triângulo, onde eu nasci. Nessa casa, toda em madeira trabalhada, viveu a Stassula, uma linda mulher de origem boliviana. Há uns 10 anos a residência foi consumida pelo fogo.

No segundo andar do prédio da estação da EFMM, alguns quartos acolhiam autoridades e visitantes. Depois transformaram no Museu que o Governo do Estado ainda não começou a recuperação prometida.

Na metade dos anos 60 os clubes Helênico/Libanês, Cruzeiro, Círculo Militar e Guajará premiavam a sociedade com festas retumbantes, ao tempo em que a Quadra de esportes do Simon Bolívar se transformava em palco para que o Pioneiros, Bendoraitis, Rio Negro e Bancrévea pudessem levar emoção para a torcida presente.

Como estão percebendo amanheci saudosista e desejoso de compartilhar as lembranças que me devolvem a um tempo, já que agora tenho tempo para recordar de um tempo que traduz saudade, saudade que demora algum tempo para sair já que está encruada no meu peito e no meu cérebro, certamente também arquivada, bem guardada no mais íntimo dos homens e mulheres da minha geração.

*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER

 

Siga o Gentedeopinião no Gente de Opinião



Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
 Gentedeopinião   /  AMAZÔNIAS   /  RondôniaINCA   /   OpiniaoTV
 Energia & Meio Ambiente   /   YouTube  / Turismo   /  Imagens da História

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

O M que lembra a palavra Mãe é o mesmo M que, conforme o Cantador nos ensina: é onde na palma de nossa mão principia o nome Maria.M que se une a ou

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Azul, o nosso céu é sempre azul... Diz uma estrofe do Hino de Rondônia. Será?Bem antes do nosso “Sob Os Céus de Rondônia”, tentaram nos ensinar que:

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Por quê os prédios públicos são tratados pelos homens e mulheres do meu tempo com tamanha indolência? Preguiça, ou será má vontade?Por quê o edifíc

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)