Quinta-feira, 9 de setembro de 2010 - 07h58
Paulo Cordeiro Saldanha*
A Guajará-Mirim das minhas primeiras recordações apresentava-se com ruas bem traçadas, sem calçamento. Na Avenida Presidente Dutra, o Clipper, bem na confluência com a Avenida Mendonça Lima, era o palco onde, ao final da tarde, os comerciantes e os seringalistas jogavam dominó, com estridentes batidas das pedras nas mesas. Na parte posterior um ou dois engraxates laboravam assobiando baixinho enquanto atendiam seus clientes.
Esse Clipper era um bar, lanchonete e lugar da preferência de todos. Fora construído bem na esquina, no meio da Presidente Dutra, separando-a no centro.
Em “A Praça” tida como de autoria do Carlos Imperial e interpretada por Ronnie Von quando recordo os seus versos “A mesma praça, o mesmo banco; As mesmas flores, o mesmo jardim Tudo é igual, mas estou triste porque não tenho você perto de mim...” me transporto para aquelas antigas de Guajará.
A Praça Barão do Rio Branco era, na época, muito freqüentada, haja vista que no seu final, sob a ótica da Avenida Constituição, a Prefeitura a ornamentara com uma quadra de volley-ball, onde eu vi moças com shorts bem curtos se exercitarem naquele esporte, com a orientação da Tia Zuíla de Melo Covas.
Paralela a Avenida Presidente Dutra, outra Praça, a Mário Correia, situada na Avenida Costa Marques, entre a 15 de novembro, a Mendonça Lima e a Travessa do Arigó, bem arborizada, com um espaço destinado aos bambus, já tinha o coreto, onde cantores e políticos se apresentavam, –cada qual na sua hora - ou nos shows ou nos comícios.
No circuito da Praça os benjamins ofereciam como dádiva a sombra de suas copas. De lá para cá, tornaram-se muito mais frondosos. Ali a Prelazia, operada com a maestria do Bispo Dom Rey, melhorava o Município com uma ação social, nem sempre praticada pelo poder público. Havia construído o primeiro hospital - Nossa Senhora do Perpétuo Socorro -, além das igrejas e do primeiro colégio, Nossa Senhora do Calvário.
Naquele tempo, na Praça Mário Correia, a Banda de música fazia suas apresentações sob a batuta do juiz Melo e Silva e, mais tarde, do Almerindo Ribeiro dos Santos. A cidade abria um largo sorriso de alegria e orgulho!
No porto oficial as catraias, com os motores Penta ou Arquimedes, “dez/doze”, transportavam os passageiros numa integração por conta das compras e das vendas bilaterais. Quem descia para o porto, à esquerda, um aglomerado de pelas de borracha vegetal vestia com uma manta escura um pedaço do solo brasileiro. À direita, as oficinas da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, durante o dia faziam estrepitar sons das batidas do ferro no ferro. Já na subida, em direção ao centro, a estação ferroviária.
E no vai-e-vem de brasileiros e de bolivianos, o comércio do Caralambos Vassilakis, secundado pelas casas destinadas aos graduados funcionários da EFMM, recebia seus clientes, ofertando-lhes uma infinidade de produtos. Mais adiante as Lojas Pernambucanas (na esquina da Travessa do Arigó com a Avenida Presidente Dutra) vendiam e vendiam seus tecidos lisos ou estampados.
Nessa época, alias, o comércio maior da cidade circunscrevia-se ao trecho compreendido entre o porto, passando pela Quinze de Novembro, Avenida Costa Marques, até quase o seu final, no Bar do Gato, antes da pensão, uma extensão da casa da tia Cirila Paes. O movimento maior era observado na Presidente Dutra, na Mendonça Lima e na Avenida Leopoldo de Matos, aonde à esquerda, já chegando à Avenida Constituição, o João Suriadakis tinha portentoso armazém, em que aviava outros seringalistas.
No final da Avenida Presidente Dutra, o capitão Alípio, do alto da sua competência, respeitabilidade e sabedoria Salomônica, dava à sociedade guajaramirense aquela segurança de que precisava para viver sem medos, sem angústias e sem paranóias. Aqui, bem que se podia dormir com as janelas abertas. Malfeitores sabiam como seriam “acolhidos”, pelo delegado da cidade e caminhavam por outras plagas.
Não me recordo do Clube Colombina, mas do Hotel Guajará, erguido em seu lugar, bem em frente à Praça Barão do Rio Branco. Seria a meu ver, o prédio mais bonito de Guajará-Mirim, com uma arquitetura bem clássica, construído que fora no governo Araújo Lima. Ainda na minha infância um dos edifícios mais altos da cidade passou a ser o da Associação Comercial, cujo projeto é de autoria do arquiteto Harry Guimarães Covas, pai do Clayton e genro do Juiz de Direito José de Melo e Silva, que, juntamente com o governador Joaquim de Araújo Lima (autor da letra) produziu a beleza do Hino de Rondônia (Clique AQUI e veja vídeo).
Aliás, o outro prédio mais alto era o da Vila Acrópole, construído pelo meu tio-avô Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, no início do Triângulo, onde eu nasci. Nessa casa, toda em madeira trabalhada, viveu a Stassula, uma linda mulher de origem boliviana. Há uns 10 anos a residência foi consumida pelo fogo.
No segundo andar do prédio da estação da EFMM, alguns quartos acolhiam autoridades e visitantes. Depois transformaram no Museu que o Governo do Estado ainda não começou a recuperação prometida.
Na metade dos anos 60 os clubes Helênico/Libanês, Cruzeiro, Círculo Militar e Guajará premiavam a sociedade com festas retumbantes, ao tempo em que a Quadra de esportes do Simon Bolívar se transformava em palco para que o Pioneiros, Bendoraitis, Rio Negro e Bancrévea pudessem levar emoção para a torcida presente.
Como estão percebendo amanheci saudosista e desejoso de compartilhar as lembranças que me devolvem a um tempo, já que agora tenho tempo para recordar de um tempo que traduz saudade, saudade que demora algum tempo para sair já que está encruada no meu peito e no meu cérebro, certamente também arquivada, bem guardada no mais íntimo dos homens e mulheres da minha geração.
*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER
Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
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