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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

AS PIEDOSAS MENTIRAS QUE OUVI CONTAR


         Apesar do período chuvoso, o lugar do encontro recebia um sol que nascia do Leste tão garboso, que espraiava luz inclusive no céu azul, tão azul, que enternecia.

         Timide acordou saltitante e me encontrou eufórico desejando prosear. Não contou até dez e me lascou de chôfre a primeira das suas histórias:

                –Meu avô Antônio Gumercindo, cearense dos bons, tinha um burrico tinhoso, inteligência superior, versátil e leal, mas que havia adoecido, embora não regateasse serviço, apesar do mal que o acometera. Astrogildo era o nome do muar. Em face da doença, tornara-se melancólico, tristonho, macambúzio, já nem apreciava mais sorrir.

         Timide, possivelmente desejando colocar em ordem a sequencia dos seus pensamentos, parou um pouco, pensou... tossiu e, depois pigarreou! Mas continuou.

                –Foi daí que meu preocupado avozinho, o  Guma, resolveu levá-lo até a cidade visando buscar —nem sabia como- a cura do seu animal de estimação. Assim, ele na frente, o Astrogildo ligeiramente atrás, iam os dois, cada um com os seus pensamentos, já chegando na Ponte do Salomão, quando Frutuoso para o automóvel e oferece carona.

                   –Mas, como ir, deixando o Astrogildo ao Deus dará, compadre frutuoso?

                   –Ora, Cumpa, amarre ele ai na traseira do carro que vou em marcha bem reduzida.

                   –Bem, se assim é pode deixar! pois o Astrogildo nos acompanhará na velocidade que o generoso compadre vier a impor no seu equipamento.

                   –Como? Ele corre igual a um automóvel?

                  –Sem tirar, nem por! O burrico, além de inteligente, é campeão de corrida. Já ganhou até a São Silvestre, mas lhe negaram o prêmio alegando que galardão daqueles só humano pode receber.

         E uma corda, incorporada ao arreio do animal foi prendida no veículo. A viagem desse modo foi iniciada: 20 , 30, 40 Km por hora e o burrico ali, sem demonstrar cansaço, encostando o focinho na lateral da D-20, ia acompanhando a viagem com soberbo desempenho, ainda que adoentado.

         E o compadre Frutuoso, já fumaçando um sadismo assaz exuberante, cravou 50 Km por hora. Astrogildo, nem tchum! também acelerou. 60 Km, o nosso Astro, balançando a cabeça e o rabo, seguia impávido e retumbante o novo ritmo imposto. Para encurtar a conversa, quando o macabro Frutuoso esticou a velocímetro para 90 Km, eis que, pelo retrovisor, viu uma língua vermelha pender da boca do nosso romântico burrico. E vibrou com o pedido de arrego do Astrogildo.

                   –Compadre o animal está fazendo água, vai deitar na estrada, pois a língua está de fora...

                   –Mas a língua está pendida de que lado?  Sem olhar para o seu bicho de estimação, meu vozinho perguntou.

                   –Ora, ora, estou vendo que a língua do animal está virada para a esquerda! Será que o bicho está nas últimas?

                   –Que última nada, compadre, inteligente como ele é, está indicando que deseja ultrapassar você, na forma da lei, ou seja, pela esquerda ...

         “Guenta”, Paulo! Você pediu! Agora “guenta” essa. Pensei.

         Mas, resolvi dar o troco. E contei a velha história que guardo para essas ocasiões, pois também –quanta coincidência!– tenho um avô, outro cearense. E fui destilando a minha vingança.

                   –“Pois é, meu avô, homem conhecido por sua hospitalidade, um dia recebeu dezenas de retirantes. O líder deles chegou pedindo pousada e água, muita água, para banho, saciar a sede, cozinhar e lavar as roupas de toda aquela gente.

                   –Se vocês vieram em paz, podem apear, pois aqui encontrarão apoio, solidariedade e incentivo. Bastião, ô, Bastião, onde você está, menino?

                   –“Tô aqui Coroné, pertinho do sinhô. Num tá vendo”?

                   –Menino do cão, parece alma penada! “num tinha lhe visto, não! Vamos lá, desperte-se, avie-se, suba naquele coqueiro e traga dois cocos, daqueles dos bom”.        

         Para encurtar também a conversa do meu lado, amigo Timide, lhe digo: os dois cocos foram suficientes para os banhos de 98 pessoas, que lavaram suas roupas, banharam-se, prepararam a comida e saciaram a sede por uma semana, após o que aqueles partiram em direção a Canindé.

         Nem se valeram do enorme açude que ali bem na frente das carroças pontificava soberanamente.

         Timide arregalou os olhos e me contou outra história do cavalo de propriedade do seu querido pai. Competição iniciada! Ele não se sentiu derrotado... Depois eu conto, mas com direito à replica de nova narrativa do meu avô. Disputa que não me atrevo perder... empatar  até pode!

         Palavras da perdição! Jamais da salvação! 

        

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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