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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

Autoridade é autoridade


O aeroporto de Guajará, nos antigamente, teve seus dias de importância, com movimento que dava gosto. Recebeu aeronaves do tipo Douglas DC-3, (também conhecidas como C-47 – a diferença está na versão militar que saía de fábrica como "C-47 Dakota"),  assim como os C-46, os famosos CURTISS COMMANDO, inclusive os versáteis CATALINA, que operavam ora aquatizando, ora pousando na pista.

 Exemplo do que foi recorrente em fins dos anos 30 e início dos anos 40, em frente ao porto da então Empresa de Navegação do Guaporé, aqueles hidro-aviões de porte elegante como os da pioneira Condor, que traziam gente e as noticias do Sul do País; com o advento da pista encascalhada, mais adiante as aeronaves da Cruzeiro do Sul, da Panair do Brasil, da Vasp, SAVA, além do Correio Aéreo Nacional aqui responderam presente.

                Ocasionalmente, jovens estudantes, liberados do compromisso letivo em São Paulo, Lavras, Manaus, Belém ou mesmo Paty do Alferes, ali desembarcavam de “voos internacionais”(?). É que, para a aeronave fazer o pouso em segurança, durante o procedimento de descida, sobrevoava o espaço aéreo boliviano da fronteiriça cidade de Guayaramerín, visando descer onde hoje é a Praça Jorge Teixeira, Prédio do Ministério Público, Câmara Municipal, etc..

                A “internacionalidade” do trajeto advinha daí: a invasão do espaço aéreo estrangeiro para fazer cumprir as adequadas normas para o pouso. Como podem ver, elevei aos píncaros ampliando o status de nossas viagens aéreas (domésticas da gema)...

                Também era rota de chegada de gente de “maus-bofes”, “cheias de nós pelas costas”, pessoas de atividades suspeitas, precursoras de atentados, coisas que nem eram conhecidas naquele tempo. O que justificava a presença de um Cabo do Exército, o famoso Djalma, que não fazia da ternura a abordagem ao cidadão, quando estava monitorando a chegada de passageiros.

                Bastava uma sacola com formato esquisito ou um pacote de papel amarrotado, e o “chegante” era questionado pelo Cabo, desse modo sutil, mas rendilhado:

                 – Qual o motivo da viagem... e que tralha está levando na bolsa?

                Numa dessas ações, o Cabo viu-se em apuros: na descida dos passageiros, o seu olhar aquilino vislumbrou um suspeito em potencial, conduzindo uma pasta preta, e com autoridade, perguntou:

                – O que leva na pasta?

                O desembarcado ainda quis ponderar:

                – Eu sou... Desejo identificar-me...

                Logo interrompido pelo Cabo, que estipulou:

                – Sem conversa... Aqui só tem uma autoridade, a minha! Tenho ordens a cumprir... Identificação é assunto posterior, primeiro as circunstâncias do fato!

                Então, foi-lhe mostrada uma pequena carteira de couro aberta em duas partes, tendo na capa as “Armas Nacionais Brasileiras”. O Cabo ficou lívido, murcho feito maracujá de gaveta. Tratava-se de um coronel do nosso Exército, parente próximo do Marechal Cândido Mariano Rondon, sertanista do século passado e desbravador que estabeleceu a comunicação telegráfica da Região com o restante do país.

Esse Oficial superior, portando um revólver privativo das Forças Armadas, numa missão relevante em trânsito aqui no nosso Norte, acabou revelando-se. O Coronel saiu de sua simpática simplicidade e, diante de uma plateia aeroviária curiosa, ministrou “ordem unida” a um pelotão de um militar só:

                – “Pelotão”, sentido! Ordinário, marche... Meia-volta, volver... “Pelotão”, alto!

                E, fixando o singular olhar mato-grossense na espantada cara do Cabo, ordenou:

                – O Senhor está preso por dez dias... por conduta incompatível com a hierarquia: “subalternista”, foi desaforado em presença de militar com patente superior... Apresente-se à autoridade competente, para cumprimento!

                E o Cabo, bom cumpridor de ordens, dizem, ficou dez dias no Xilindró.

                O episódio aqui relatado é verdadeiro.

                Mas nos recorda a importância que a Unidade do Exército aqui nesta Fronteira, sediada em Guajará-Mirim, com enorme jurisdição que lhe cabe tão bem defender, teve para a consolidação do Município. Além do moderno quartel, originalmente abrigando a Sexta Companhia, manteve-se brioso, condição que ostenta agora como Batalhão, orgulho de tantos e de todos; criou uma vila militar residencial para oficiais e sargentos, além de, na vida social manter clubes que permitem a integração e interação facultadas à presença de civis, tais como: Círculo Militar (hoje Boinas Rajadas). Todavia, conservou o Clube de Subtenentes e Sargentos, além do Clube de Cabos e Soldados.

                Não há dúvidas de que o fluxo econômico do lugar se expandiu devido às atividades daí decorrentes, sem falar no sistemático apoio às populações civis, mediante as intensas ações cívico-sociais que, de forma eficiente, efetiva e eficaz, a Unidade vai produzindo, sem se desviar dos encargos constitucionais que cumpre ritualisticamente.

                O esquecimento não deve apagar a obra realizada por essas unidades de fronteira em toda a região, verdadeiras sentinelas avançadas nos ermos da grande hileia, num período de nossa história em que também no mundo civil, se cantava o Hino Nacional com respeito e o nosso pavilhão era hasteado com orgulho e incontida alegria.

                Os que viveram e trabalhavam nessa grande missão, são honrados pelos que hoje desfrutam dos seus resultados, apanágio do cidadão que se vale da gratidão para reverenciar a filosofia, a doutrina e a função social de nossas Forças Armadas, responsáveis pela afirmação do amazônida, que vive e produz nesta Amazônia de Deus.

              

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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