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Paulo Saldanha

BIBIANO MELO, A SUCURI, O CAVALO E O ÍNDIO


         O Bibiano Melo está, do alto dos seus 90 anos, bem lúcido e firme, esbanjando saúde e se notabilizando por transferir suas vivências para nós da nova geração.

         Homem forjado no trabalho, por mais árduo que fosse, jamais fugiu da lida e nunca deixou um companheiro ao Deus dará. Para ele questão de honra, era lutar e vencer. Se, eventualmente tivesse que perecer, não o faria sem que lutasse para defender-se e ao colega ou amigo que o estivesse acompanhando, a pé, a cavalo, nas canoas da vida, nos igarapés, corixos ou nos campos pantaneiros do rio Guaporé.

         Chegou da Paraíba quase um menino e escolheu as terras lindeiras do eixo Guaporé/Mamoré para trabalhar, ora no Governo do Território ora como ruralista, explorando seringais, castanhais, a atividade do couro animal e, mais tarde, como criador de gado.

         Homem do campo sabia valorizar os equinos. Seu cavalo Bailarino o enchia de orgulho. Vai daí que um dia, desejando chegar por um atalho, ele e o Índio Socó, resolveram encurtar o caminho, através de um enorme corixo. Enquanto dava pé, nada anormal! Todavia, ante a inundação que circundou aquele ano todo o entorno do pantanal guaporense, eis que os cavalos tiveram que nadar com os cavaleiros na sela.

         Já estavam mais de 250 metros afastados da parte seca, quando o Bailarino foi laçado por uma sucuri que o pegou pelo pescoço, tentando afundá-lo água “ao fundo”. Bravamente o cavalo, valendo-se de hercúlea força, que buscava no instinto de sobrevivência, relutava em sucumbir.

         Ainda montado na sela, apesar dos movimentos de ataque da fera sucuriju e a defesa desesperada do Bailarino, Bibiano Melo, que jamais abandonava seu terçado com escamas no dorso, num átimo, a retirou da bainha e começou a furar o corpo da sucuri amaldiçoada. Ao lado, pedia ajuda ao Índio Socó, que retrocedendo deixou-os à própria sorte, fugindo.

         Abandonados, o dono e seu cavalo iam defendendo-se do perigo ali exposto: a sucuri de mais de 9 metros, segundo pôde avaliar. A quase Cobra Grande, ante as espetadas que Bibiano Melo lhe fazia, às vezes aliviava a pressão sobre o pescoço do Bailarino, até que muito cortada, resolveu afrouxar o macabro laço e, como ser covarde, fugiu (ainda bem) da contenda.

         Nesse meio tempo o Índio Socó já estava em terra firme, correndo muito assustado em direção a pequena sede do empreendimento, sem que auxílio algum prestasse ao dono do lugar.

         Como o cavalo estivesse extenuado, amedrontado e, também, desejando “um porto seguro”, eis que Melo desce da garupa e foi puxando o animal, nadando devagar. De vez em quando paravam e se socorriam dos aguapés, os taropes para nós da região, e, descansavam, parando de nadar, nessa vegetação flutuante, na qual agarrava para poder respirar, de olho e sentido argutos, pois a sucuri poderia retornar ou outras da espécie poderiam localizá-los.

         Até que chegaram numa situação em que o corixó já dava pé. E puderam, assim, atingir a terra firme.

         Descansando sob a frondosa sombra de uma sumaumeira a respiração daqueles dois voltou ao normal. Mas Bibiano Melo tinha uma obstinação: encontrar-se com Socó.

         Com o Bailarino menos agitado, iniciaram a percurso de retorno. À medida que se aproximavam do lugarejo onde viviam, um ódio era ensaiado. Bibiano Melo não perdoaria a deslealdade, a falta de companheirismo, o abandono e a fuga do silvícola.

         Já desceu do cavalo, correndo. O Socó, vendo-o assim tão desestabilizado, desejou não estar presente, tentou escafeder-se... tarde demais... e levou uma surra das brabas: de mão, de pé, de cinto e de laço.

                  –Nunca mais você me apareça por aqui, senão outra pisa você haverá de receber, seu peste, covarde, medroso, fujão. E saia das minhas vistas, agora. E correu para premiar com nova sova aquele índio, antes de sua confiança.

         Socó nem contou até três! iniciou uma desabalada correria que até hoje quando se lembra da surra sai correndo a esmo, em que direção esteja o próprio nariz, ainda que tenha se transformado em morador do Rio Grande do Norte, do Paraná ou da Argentina. Nunca mais foi visto, mas ficou na lembrança de todo aquele povo a sua covardia e a sua absoluta ausência de heroísmo.

         Lá pelas tantas o reprodutor Bandeirante, enorme, um dia foi pego pelos bagos por outra sucuri, bem menor. Eis que, abocanhado justamente naquele lugar em que Ser masculino algum aceita ficar bravo, o touro bandeirante berrava fino e desmunhecava. Se tentava correr, sentia dores enormes, pois o réptil aumentava a pressão e o mamífero voltava de ré, até que o Bibiano Melo, com uma foice, decepou a cabeça do bicho rastejante, que arrancou um dos lados dos escrotos, quando dos estertores da agonia da morte anunciada.

         Nem era o da direita (que ficou bastante “destiorado”), mas o da esquerda. No caso, nenhum dos lados desejaria merecer a preferência desse tipo de eleitorado: os representantes da família boídeos (Eunectes murinus).

           Aquele touro, o Bandeirante, jamais foi o mesmo, já que “apenasmente” se transformou num belo animal de exposição, de olhar lânguido e cheio de graça, sempre rodeado pelos demais touros reprodutores...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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