Domingo, 7 de junho de 2015 - 16h16
O que determina o fato de homens e mulheres sairem do primeiro mundo, viajar mais de 10.000 Km e aportar na imensidão amazônica visando doar-se de corpo e alma na mitigação do sofrimento daqueles que nasceram ou escolheram esta planície para viver e trabalhar.
Um exemplo será o de Juan Lorenzo, padre espanhol, um peregrino cura que visitava o rio Itenez, mas, muitas vezes, parava no lado brasileiro (rio Guaporé) para fazer a desobriga[1].
Às vezes era simpático, às vezes parecia um lunático, principalmente quando a maleita o atacava, deixando-o com lundum daqueles (mau humor).
Lá pelas tantas, parando no barranco de Pedras Negras, foi recebido pelos fiéis, mas que aguardavam a chegada de Dom Rey. Frustrados, os habitantes do lugar não deram muita confiança ao Padre, a serviço da igreja católica da Bolívia, mas, nem por isso, teriam sido grosseiros.
Convocado o serviço religioso para as 19:30 h poucos compareceram, mas dona Delfina e o marido lá estavam um tanto encharcados, pois antes da novena começar um aguaceiro os surpreendeu.
Delfina tão devota de São Pedro trouxe uma imagem do apóstolo e fez um arranjo dos mais criativos e o colocou numa mesa improvisada ao lado do altar.
Ao redor da igreja muita lama! A chuva contínua e forte derramava água por demais...
As orações começaram, mas ninguém sabia cantar no idioma castelhano e o padre foi ficando lívido, de lívido passou a raivoso, proferindo impropérios.
Até que olhou e viu a imagem de São Pedro tão engomadinho na lateral do altar. E questionou;
–Não estamos no mês de Junho! Por quê a imagem de São Pedro sem minha autorização entronizada nesta novena?
–“Ah! Padre Juan Lorenzo, é que sou devota de Sum Pedro e truxe ele pru modi o sinhô benzê ele pra mim”...
–Pois trate de retirar essa peça da minha frente...
–“Pru quê Padre? Só desejo que o sinhô benza ele pra mim, repetiu. Só ritiro a imagem dispois que o Padre lançar a bênção nela”.
Foi ofensa demais para o Cura espanhol. Enfurecido ele pegou a imagem e a lançou, porém, com força descomunal para fora da igrejinha. A chuva que insistia em cair encharcou São Pedro, antes todo engomadinho.
Delfina, na tentativa de salvar de possível afogamento o apóstolo de sua predileção saiu correndo, já chorando e localiza a estátua e exclama:
–“Cuitado de Sum Pedro todo moiaidinho”... E ela, humilhada, chora copiosamente abraçando a imagem do seu santo predileto, sem se preocupar com a inundação que lhe cobria a partir da cabeça. O esposo, agredido pela ação grosseira do sacerdote, xinga-o com rudeza, com palavrões proibidos de ser pronunciado num ambiente profano, imagine num templo cristão e corre para consolar a mulher que, amplia o choro mediante a presença do esposo, também inconsolável, mas solidário com o trágico desenlace produzido por um dos representantes justamente de São Pedro aqui no planeta.
A causa do destempero sacerdotal: uma malária mal curada, a febre que o consumia, o tremor nas mãos que denunciava debilidade, tradução da fome que o consumia e a inveja (um dos pecados capitais) pelo fato de ter observado um certo desdém com a sua chegada, corrompida emocionalmente, frustrada mesmo, ante a ausência de Dom Rey, o verdadeiro pastor daquele povo sofrido de Pedras Negras.
Mesmo assim, Dona Bernarda após a interrupção do culto, sabendo que Juan Lorenzo não comia nada desde a véspera, preparou uma peixada com caldo bem forte e perdoou o deslize do espanhol, que, arrependido do mal perpetrado abençoou a imagem já sequinha e com novos trajes.
Tempos depois, quando menino, eu assistia a uma Missa, ali na Igrejinha edificada antes da catedral ser entregue. Cantávamos os hinos e rezávamos bem contritos. Padre Elias, um francês dinâmico, era o Mestre de Cerimônias naquela celebração.
Eis que adentra no recinto um cachorro todo faceiro, mas sem saber rezar e sem conhecer os cânticos nem a liturgia, ao passar do lado do Padre francês recebe um ponta-pé na altura da barriga egemeu e chorou e gritou e cambaleou, e por fimcorreu abrindo desabalada carreira, latindo fino... E o sacerdote continuou vociferando as suas preces, como se nada tivesse acontecido.
Muitos dos circunstantes vão saindo devagar, decepcionados com a reação do cura, tão embrutecida, cruel e sem motivação que a justificasse.
O padre Elias, se calmo era uma alma bondosa! Tinha reações contraditórias, todavia!
Qual a causa para tamanho disparate? quando rapaz, teria participado da primeira guerra mundial, defendendo o seu País. Essa a origem dos seus destemperos, derivados dos traumas conseqüência da guerra vivenciada como soldado. Costumeiramente reagia de forma truculenta como aquela, certamente por conta dos transtornos vividos durante o conflito.
Via-se que Padre Elias era um homem ansioso, suas relações sociais costumavam deteriorar-se e era visto como se estivesse mentalmente exaurido.
Quando veio para cumprir a sua missão aqui na terrinha foi “aquinhoado” com outro tipo de mazela: as danadas das malárias que acabaram retirando dele o resto de equilíbrio que ainda lhe restara.
Se conhecermos as causas será assimilável a compreensão de certos atos, em face dos efeitos observados nas reações humanas. Agora, perdoar dependerá sempre da generosidade do coração de cada um...
[1] Rel. Visita periódica feita a regiões desprovidas de clero por padres, com o fim de desobrigar os fiéis. (dicionário Aurélio)
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