Quinta-feira, 10 de junho de 2010 - 07h18
Foto: Arquivo da Prefeitura Municipal de Guajará-Mirim. |
Paulo Cordeiro Saldanha*
Madrugada! A vida começava aqui na cidade por voltas das 4 horas e 30 minutos.
A luz, desligada na véspera às vinte e duas horas, só retornava às dezoito do dia seguinte.
A noite iniciava a sua despedida e, com lanternas nas mãos, os homens, chefes de família, se dirigiam para o Mercado Municipal.
Para os mais novos, o prédio ainda está de pé, construído que foi na confluência das Avenidas Leopoldo de Matos com Presidente Dutra, ao lado da Viela que o separa da ainda hoje casa Melhem.
Às vezes o cão, aquele companheiro indiscreto acompanhava o dono no trajeto.
Uns focos de luz se deslocavam do bairro Triângulo naquela direção; outros da Vila Bancária focavam para o chão. Afinal, um buraco ou até uma cobra poderiam ser motivos para sustos. Outro foco, e outros e outros mais vinham de todas as direções. Mas, o rumo era aquele, como quem desejasse ir à Roma ou à Meca.
Transeuntes ao conhecer as vozes dos outros os saudavam e se alinhavam com destino ao local, naquele dia, onde a vida na cidade começava a ser vivenciada.
Caminhantes com aquele destino certo encontravam os boêmios e os bêbados de plantão. Gozações emergiam e o deboche, o escárnio com aqueles enchiam as avenidas de alegria.
Amanhecia!
Lá dentro, o Faz Tudo, Milton Meira, Pantaleão e o Nestor, quando havia carne bovina (abastecimento do “Curro”, propriedade do “velho” Perez ou, alternativamente, do Chicão) iam procurando atender àqueles clientes desejosos de colocar a fartura em cima das mesas de suas casas. O Bacaba, torcedor fanático do América, já na entrada pela Presidente Dutra ampliava o seu faturamento.
Com a escassez da carne a cidade se obrigava a acordar mais cedo e, os homens em busca do básico produto faziam fila e guardavam o seu lugar com tijolo, latas de querosene ou outro equipamento que significasse a posse inequívoca da vaga, o que era respeitado por todos.
Na parte mais ao fundo alguém oferecia carne de porco, galinhas vivas e verduras, estas de produção do velho Acácio, lá das margens da Praia, uma das nossas belezas naturais de sempre e que ainda perdura com o seu digno nome.
Porém, os pontos fortes eram os boxes dos Cafés da Dona Hilma e da Dona Pilar. Estes, sim, pela variedade saciavam a multidão aquinhoada com pastéis, tapiocas, mingaus, bolos de macaxeira, etc., regados na diversificada conversação, onde negócios eram concretizados, informações eram trocadas, brincadeiras intensificadas com ânimo de espicaçar alguém, alvo dos chistes em moda.
Quem possuía rádio em casa levava as últimas noticias nacionais ou tripudiava dos perdedores do jogo transmitido na véspera, quase sempre entoando louvores ao Botafogo.
Nas entradas, bolos, cuscuz e tapiocas salgadas (e doces com castanha ou coco), expostos em tabuleiros, eram vendidos para o reforço do café-da-manhã nas casas daqueles que, ainda, compravam os pães da Padaria do Turíbio Villar, depois da do Balthazar e da Padaria Avenida.
Muitas vezes os cães que acompanhavam os donos se engalfinhavam numa briga dentro do Mercado, com direito aos latidos mais histéricos que se tinha noticia.
Lá pelas tantas meu Pai, Paulo Saldanha Sobrinho, contrariado com o acompanhamento do Fiel, nosso cachorro de estimação, passou por um constrangimento enorme ao ver o nosso cão avançar no pacote de pães levado por um amigo de nossa família.
O Fiel, sem a menor cerimônia abocanhou o pacote e saiu correndo para saciar-se. O Augusto Lopes, sempre irreverente não perdoou:
–Paulo, dá de comer ao cachorro! Aliás, ele está é bem treinado! Na próxima, você nem vai precisar comprar mais pão. O Fiel leva um montão lá para a sua casa...
O certo é que meu pai, morto de vergonha, teve que adquirir mais pães para devolver aqueles que o cachorro havia surrupiado.
E as gozações não se circunscreveram ao local e viraram, dias e dias, tema de seus amigos Emídio da Hora, Luciano Cavalcante, Macedão, Geremias, Tito Lobo, Emílio Santiago, Tito Köeller e tantos outros.
E o Fiel amargou um ostracismo dentro de casa e, a partir daí acabou ficando retido no quintal.
A bem da verdade, o Mercado Municipal com a algazarra típica, com aquele cheiro de misturas e com aquela efervescência muito dele, é mais uma gravação tão forte no meu e no cérebro de outros moradores locais, que viveram com intensidade os seus dias de glória e, agora, aqueles dias, continuam perenemente tão vivos, “enquanto nos palpita o coração”.
* Membro fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER
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