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Paulo Saldanha

CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES: ANTIGAMENTE ERA ASSIM


 

Paulo Cordeiro Saldanha*

Mais uma vez invoco o passado, nem tão distante assim, para apresentar à eventual leitor mais jovem, já premiado em face da tecnologia revolucionária com que o mundo avançado brindou esta nova geração, quando me proponho a levar fatos e situações que, hoje, já não representam práticas usuais por aqui.

Na mesma direção ouso levar aos da minha época as recordações a que temos direito, com ânimo de não deixar no esquecimento lembranças que nos fazem bem acalentar.

Sócrates, sempre ele, bem que nos alerta com o seu provérbio “Não se vive para comer, mas come-se para viver”. Mesmo assim, não me dispenso das recordações que a seguir procuro expandir.

É bom que todos saibam que o croquete, aquele bolo salgado, recheado, feito de macaxeira, ora com carne, ora com galinha, em forma cilíndrica e comprida, com as pontas afinadas-uma imitação do quibe– era fator de geração de renda de muitas quituteiras daqui do pedaço. Vendiam-no, em bandejas de madeira, na feira, no mercado, nas ruas, nas praças, no embarque e desembarque dos trens, dos barcos e, ainda, no porto oficial.

O arroz, antes de merecermos a primeira máquina de beneficiamento do produto, era pilado, até perder a casca e ficar apto para o consumo.

O pilão, enfim, era equipamento sacrossanto e imprescindível.

E o arroz doce, com cravo e canela “parecia exultar” nos pratos e erguia imaginárias mãos aos céus, satisfeito por apaziguar a danada da fome e a ensandecida vontade de “lamber os beiços” com aquele manjar dos deuses, feito com o encantamento e com a doçura provinda da sensibilidade de uma querida Mãe ou de uma devotada Avó.

O café, ante a ausência de um produto industrializado, que, em priscas eras fora preparado em Testo ou Caco (vasilha panela, tacho etc.)passou a ser torrado em latas de querosene, (após bem limpas, eram cortadas em diagonal), preparado em fogo lento, cuja queima se processava depois com açúcar, até ficar no ponto, para depois ser pilado e/ou, mais tarde, moído manualmente na máquina própria.

No tempo do milho algumas famílias até se juntavam para preparar as pamonhas, as canjicas e os mingaus saborosos com os quais faziam a festa de todos, inclusive com direito a espigas assadas ou cozidas.  

Os vizinhos trocavam pratos por cima dos muros ou das cercas improvisadas. Era a retribuição aos presentes culinários recebidos por idêntica forma.

Muitas das casas, notadamente aquelas de famílias de origem boliviana, tinham o seu forno de barro, onde diversos pratos eram preparados, inclusive o famoso bolo de arroz. Aquele forno assava leitões, galináceos e uma infinidade de iguarias que saciavam o apetite dos integrantes de um núcleo e seus especiais convidados num ágape.

Fazia parte do cardápio o cuscuz de fubá de arroz cujo preparo se fazia num prato fundo, contendo um pano, normalmente feito a partir do tecido do saco de trigo ou morim, que o cobria, apertava e amarrava por baixo e o emborcava para pegar Vapor.

Também muita gente preparava paçoca de amendoim, castanha e ainda se apresentava o biscoito de polvilho com muito alarde. O Pé-de-moleque, o beiju, a farofa de carne seca ou de ovo de tartaruga ou tracajá simbolizavam, entre outros, a curtição da culinária regional.

Muitos aniversariantes se valiam do aluá e da chicha para diversificar as bebidas nos festejos. Já conhecíamos os refrigerantes, porém representavam escassez nestas bandas.

Até hoje, como influência do País irmão, a Bolívia, a saltenha é tão apreciada nas comemorações.

A Dona Biô, uma especialista na culinária doceira, preparava doces e salgadinhos, inclusive o famoso canudo, com um recheio que dava água na boca da criançada e dos adultos.

Na temporada da castanha, ela triturada, transformava-se em robusto ingrediente na preparação de tapioca e cuscuz, cabendo o registro de que esse insumo vegetal até agora se mantém em alta.

 Outra lembrança é aquela que se refere aos licores, notadamente o de jenipapo, caseiro, feito com desvelo e amor, que aqueciam os papos dos mais velhos,

Naquela época, ainda sem as convicções ecológicas que marcam o tempo mais moderno, uma tartarugada era muito apreciada e reunia ao redor de uma mesa autoridades civis, militares e eclesiásticas, em função da diversidade dos pratos que, de forma criativa eram elaborados.

 Ora, se “o sonho é o alimento da alma”, escrever sobre a culinária regional, (que nutre e revigora o físico) não deverá me tornar intempestivo, precipitado ou insultuoso, posto ser “a comida o alimento do corpo”...

*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER

                  

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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