Segunda-feira, 18 de outubro de 2010 - 09h20
Paulo Cordeiro Saldanha*
Amazonense, bacharelou-se na capital manauara diplomando-se Cirurgião-Dentista e veio para Guajará-Mirim para exercer a sua profissão.
De fácil convívio, muito simpático construiu uma montanha de amigos. Considerado um homem bonito, tinha muitas fãs. Já maduro, casou-se com a Senhora Líbia, conhecida como Radia.
Até hoje me recordo da máquina movimentada a pedal, com o terminal aonde ele colocava as brocas, com as quais fazia as obturações. O barulho infernal das pedaladas já doía por si só. Às vezes a gente preferia a dor “dolorida” gerada diretamente pelas brocas em movimento, do que daquela derivada da “zoada” ouvida pela ação do pedal.
José Cardoso Alves foi professor, um dos fundadores do Ginásio “Paulo Saldanha”, implantou um Centro Espírita e praticava a generosidade sem que a sua mão esquerda conhecesse os inúmeros favores que concedia com a mão direita.
Jogava Xadrez com maestria.
Na condição de homem solteiro, sua vida, –já que não precisava dar satisfações a família– era recheada de emoções fortes. Jogava o carteado (e até perdeu dinheiro e uma residência com esse vício), adorava um champagne e se vestia com esmero.
O primeiro gabinete odontológico resumia-se a duas salas num imóvel onde funcionou a Loja do Sr. Massud Jorge Badra, ao lado da antiga agência do BASA, um prédio que o Banco adquiriu do Aristarco Clemente de Carvalho Martins e sua mulher Magnólia. Depois, o seu consultório, lembro-me, foi transferido para uma casa, ali na Avenida Dr. Mendonça Lima, quase em frente da residência do Augusto Lopes. Casa grande. Na entrada, o seu lugar de trabalho, antecedido da recepção, com móveis, poltronas e cadeiras. Na parte dos fundos a sua espartana moradia.
Um dia, um funcionário da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, enquanto aguardava a sua vez, ficou contando vantagens sobre a sua força, dureza e macheza quando do tratamento dentário a que deveria submeter-se. E decantava às mocinhas presentes e aos demais pacientes homens, que ele mandava extrair seus dentes sem anestesia e jamais gritava. De onde estava, calado, o Doutor Cardoso a tudo ouvia...
Nunca vi, depois, alguém gemer tanto, enfim, exteriorizar tanto sofrimento quanto aquele maquinista machão. Saiu da cadeira, trôpego, falando fino e bastante humilhado.
Parece que dispensou a tal da anestesia...
O José Cardoso Alves, como detalhe de sua personalidade íntegra, sobressaia-se o homem autêntico. Ele não mandava recado, não! Brincalhão e irônico, através desse viés fazia suas críticas.
Cidadão benquisto, honesto, correto que buscava ser perfeccionista, morreu pobre.
Alma de artista valorizava a música e a poesia. Em Rio Branco conheceu sua mulher, uma talentosa e exímia instrumentista do piano. Aqui a convenceu a ser sua esposa. Ele adorava declamar um poema intitulado “A eterna Espera” ou seria “A espera inútil”: ...Quando veio a madrugada, eu tinha a face molhada.../Era de orvalho? Não sei/Se água de orvalho é salgada/Foi engano, eu não chorei”.
No seu lado humano, - e quem o conheceu sabia disso – pontificava o altruísmo, a generosidade, enfim, a disposição para a solidariedade. Quando das enchentes do Rio Mamoré não negava apoio em sua casa para os ribeirinhos lá do Bairro Triângulo, ofertando-lhes um espaço na sua casa, comida e gêneros que lhes saciassem a fome. A Benta que o diga!
Em datas como a do natal, caminhava por entre as camas do então Hospital Nossa Senhora do Socorro, hoje o Regional, visitando os doentes, levando-lhes o conforto através de músicas entoadas e poemas declamados com arte e emoção.
Nos anos 80 foi nomeado Secretário de Saúde do município, acabando por merecer pelos relevantes serviços tornar-se nome de rua e ainda ter sua trajetória valorizada no “Centro Cultural Dr. José Cardoso Alves”, pequena homenagem para quem teve grande desempenho como cidadão, honrando o chão que tornou mais nobre, mediante o seu desempenho como homem, administrador público e chefe de família.
O Doutor Cardoso, enquanto a geração de então o aguardava e acabou engrandecida por sua ação cívica e humana, não foi, para nós, de forma alguma, uma Espera inútil...
Muito pelo contrário...
*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER
Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
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