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Paulo Saldanha

CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES: O Mestre Anacleto


 
Paulo Cordeiro Saldanha*

Alto, negro, elegante, educado e jovial! Esses os ingredientes da personalidade que envolvia Antônio Anacleto Lisboa, o Mestre Anacleto, que exercia as suas funções como representante do Serviço de Navegação do Guaporé- SNG (desde quando era conhecido como Guaporé Rubber Company), no lugar denominado Conceição, abaixo do Forte Príncipe da Beira, onde os aviões do então “Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul”, com relativa pontualidade pousavam e decolavam, ora para Vila Bela da Santíssima Trindade, ora, descendo em direção à Guajará-Mirim. E vice-versa.

O Mestre Anacleto era um gentleman! Polido, educado, media as palavras para se posicionar sobre os temas. Tinha uma voz pausada e olhava o seu interlocutor com profundidade e atenção. Aliás, o timbre da sua voz tenho-o gravado no meu cérebro, também.

Apreciava vestir-se com elegância; a partir de uns problemas nos olhos passou a valer-se dos óculos Ray Ban, que lhe enobreciam ainda mais o bonito perfil. Ele adornava a camisa que estivesse vestindo sempre com duas canetas.

Matogrossense de Casalvasco, veio ao mundo em 13.07.1887. Na sua trajetória foi Marinheiro, músico dos bons (tocava bandolim) e Prático dos ótimos. Considerado um Mestre no oficio da construção e reparos de embarcações. Quando morador em Conceição orientava os demais Piloteiros na passagem da cachoeira. Trabalhou sob as ordens do Rondon, emérito militar e do Cel. Saldanha. Antes, foi Cassaco da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

Nesse meio tempo alguém foi instruindo-o na seara da Cura. Ervas e raízes por ele eram utilizadas para a mitigação do sofrimento de muitas pessoas, associado às rezas que invocava.

Um dia o Coronel Rondon pediu-lhe que escrevesse uma carta, consoante iria ditá-la. Anacleto tremeu! Não sabia escrever. O Rondon, de pronto, lhe perguntou: –Então por que essas canetas grudadas no bolso de sua camisa? Eu, se fosse o senhor, só ostentaria esses instrumentos se pudesse me valer deles para escrever...

O desafio estava lançado! O Anacleto, sem ser ainda o Mestre que foi, arrasado por não ter merecido, até então, o aprendizado da linguagem escrita, e, passado o vexame do seu diálogo com o Coronel, como num átimo, aprendeu o alfabeto, juntou as letrinhas e se transformou em leitor contumaz de livros.

Vencera com denodo o desafio lançado e procurou a Comissão Rondon, na tentativa de esfregar a conquista obtida na cara de toda a Comitiva do grande militar. Não que quisesse agredir, mas agradecer pela vitória conseguida, a partir da provocação que o despertou para a busca da luz, que nasce com o saber.

Não sei se pôde reencontrar-se depois com o Sertanista. O certo é que li diversos relatórios que dirigia para meu Pai, numa escrita escorreita, cuja caligrafia traduzia o caráter voluntarioso de alguém que tinha inteligência acima da média, perspicácia e elevado senso de responsabilidade.

Como cultivava o bom hábito da leitura, foi conseguindo adquirir notáveis conhecimentos, valendo-lhe um nível de excelência na diversidade do seu vocabulário. Suas frases eram de uma eloqüência tamanha que fazia inveja a muitos assessores graduados do SNG.

Sem que com isso granjeasse antipatias; muito pelo contrário, dada a sua humildade, passou a ser paradigma perante outros funcionários que passaram a seguir-lhe o excelente exemplo.

Com a sua desenvoltura vernacular, em face do aprendizado recolhido, passou a ler a Bíblia três vezes ao dia: ao acordar, meio dia e às 18 horas, antes de pôr-do-sol. Com o Esoterismo lhe chegou como a sua verdade nos campos da espiritualidade e das ciências ocultas. Recebia as mensagens, jornais e revistas da cidade de Porto Alegre.

Meu Pai e minha Mãe, enfim, toda a família, o consideravam em elevada conta. Recordo-me que o Mestre Anacleto tinha capacidades mediúnicas e se tornara enfermeiro de mão cheia. Havia quem dissesse que suas bênçãos, através das mãos colocadas sobre a parte do corpo enfermo, curavam o doente.

A respeitabilidade do Mestre Anacleto crescia na medida em que a sabedoria por conta do crescimento pessoal lhe chegava. Tornou-se Juiz de Paz e um conselheiro sábio e eficiente.

Sua última Mulher, Eva Lopes Lisboa, moça ainda, jovem e bonita é funcionária da Policia federal e lhe deu três filhos: Sarho, João Trindade e Sara, que lhe abençoaram a vida. Todos são bem formados e vencedores.

Fossem seus afilhados ou não, até os adultos lhe pediam a bênção.

Quando vinha a Guajará sempre o via na nossa casa, e, eu e meus irmãos, por orientação de nossa Mãe, lhes pedíamos a bênção, de forma reverente e compenetrada.

Quando transferiu sua residência para Guajará, nos festejos de São João foi idolatrado como entusiasta comandante das quadrilhas juninas, principalmente daquelas levadas a efeito no Colégio Nossa Senhora do Calvário.

Apreciávamos ouvir suas histórias e a tonalidade da voz, educada e suave, como imaginávamos ser a voz dos anjos e arcanjos.

Casou-se várias vezes e, já velhinho, foi Pai de outros meninos, já que todos o reconheciam “dono proprietário” de uma virilidade que causava inveja a homens mais novos.

Faleceu em 11 de março de 1976, aos 89 anos e legou um nome honrado para os seus filhos, netos e sobrinhos-netos, tornando-se um legendário homem, em face do excelente exemplo praticado sempre a serviço do bem.

*Membro Fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER.

 

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Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
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