Domingo, 15 de novembro de 2009 - 08h54
Quem vive desde os anos sessenta aqui em Guajará-Mirim conhece as mirabolantes histórias do Doutor Demerval. Recordar é preciso! Aquece os nossos corações!
Ele desfilava na sua lambretta sempre com a sua esposa e, às vezes, com a filha. Magro, calvo ia e vinha pelas ruas da cidade. Era considerado bom médico e é possível que tivesse como especialização a ortopedia.
Todavia, sua febril mente o levava a ter devaneios e não segurava apenas para si as imagens que elucubrava, num vai e vem de fantasias que representavam, numa ponta, um delírio, na outra, o fascínio pelas piedosas mentiras que engendrava.
- Imaginem vocês que eu tinha um sítio e, como amante das pesquisas resolvia fazer alguns testes. Foi ai que fiz o cruzamento da seringueira com a jaqueira e, desse trabalho de enxertia, acabei colhendo as pelas de borracha apanhando-as da própria árvore por mim criada... Com esse processo eu eliminava aquele outro cansativo e pleno de fumaça.
E seu rosto nem tremia!
Essa o Simão Salim me contou: estavam no bar do antigo hotel Floresta, em Porto Velho, numa mesa que reunia o Figueiredo, o José Milton Rios, ele, Salim, e outros. Ai o Figueiredo contou que tinha voltado de Belém e, lá, alugando um conversível, se dirigiu para Salinas, através de uma estrada de cascalho. O carro convidava para uma acelerada acima dos 100 quilômetros.
Nesse momento da história do Figueiredo, o Demerval, recua a cadeira e ficou concentrado no papo do anfitrião, esquecendo-se de dar atenção aos seus companheiros de mesa; continuou ouvindo a prosa dos outros, ali ao lado:
Carro bom aquele! Fui acelerando, acelerando e me empolguei. Mas, distraído, entrei numa curva marcando mais de 120 Km por hora. Um motocicletista vinha em sentido contrário. Eu iria atropelá-lo! Freei e trinquei os dentes! O molejo do conversível fez com que a frente dele quase encostasse no chão,abaixando-se, ante a frenagem violenta. E Vi que o choque, por ser inevitável, acabou acontecendo. Ouvi o barulho, mas observei que a motocicleta passou por cima do capô. Agora estou numa agonia, pois não sei o que aconteceu com o homem da moto...
- Figueiredo, eras tu, meu amigo! O homem da moto era eu! É que, derramando lágrimas, com voz embargada, sem pedir licença, o Demerval entrou no papo das pessoas da outra mesa e se apresentou como o homem atingido pelo conversível... Obrigado, Figueiredo, muito obrigado, disse soluçando!
Note-se que nem intimidade ele tinha com o Figueiredo.
Noutra feita ele jurava e invocava a confirmação da pudica esposa para o fato de que o seu gato, de alta linhagem, só bebia leite. A empregada se distraiu e misturou o leite com café. Pois bem, o gato, sábio e inteligente, só bebeu o leite daquela mistura, sobrando o café na pequena caneca.
Tem ainda a história do relógio perdido na mata, finalmente encontrado por ele, anos depois, em cima de um dos galhos de frondosa árvore. É que ao fazer suas necessidades, durante uma caçada, retirou a peça do pulso e a deixou num arbusto. Terminado o serviço, esqueceu de recolher a jóia e retornou, após matar um caititu. Depois, muito tempo depois voltou ao local para caçar e ouviu tic-tac, tic-tac. Olhou ao derredor, ensimesmado, até que observando melhor, notou que o tic-tac vinha do alto. Subiu no tronco e descobriu que o relógio se achava com a marcação correta das horas, visto que aquele arbusto cresceu, virou árvore cujo galho segurava a jóia e o vento ativava os mecanismos de movimentação do automático, que era acionado e mantinha o horário rigorosamente atualizado. Coisas do Doutor Demerval.
Outra dele diz respeito ao disco quebrado que, noutra caçada, o surpreendeu:
- Oitava na peneira! Oitava na peneira! Oitava na peneira!
Para encurtar a história, ele, muito sério, afirmava que o disco quebrado era tocado por um espinho que, mercê do vento (sempre o bendito vento) ao soprar do norte para o sul, fazia mexer o pedaço do disco, que, quebrado, só tocava aquele trecho da música.
Até do trágico acidente do Constelattion da Pannair, que caiu nas cercanias de Manaus,– 56 mortos, inclusive a Ana Benita Perez Pontes no dia 14 de dezembro de 1962– ele fez e aconteceu! Afirmava que estava à bordo da aeronave, quando começou a pegar fogo. Saltou de paraquedas e conseguiu chegar todo chamuscado à Base Aérea manauara e avisou que um avião iria cair. Note-se que nos dias anteriores ao acidente, no exato momento (inicio da madrugada) e depois da tragédia, ele se achava em Guajará-Mirim...
O certo, porém, é que aquelas mentiras deslavadas em nada prejudicavam o perfil da história do médico Demerval, um senhor profissional na medicina e um Doutor na “ciência” do delírio e da mentira , com formação no exterior, (ia sempre até a Bolívia) buscar inspiração para esses e para outros contos que suavizavam a nossa vida nestas terras do poente.
Coisas do Demerval...
Fonte: Paulo Saldanha
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