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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

Do teu ventre para outras terras



Já saí um dia do teu ventre. Longo tempo distante fiquei, mas voltei. Quando da partida sangrei por dentro ao despedir-me do rio barrento sem saber se haveria retorno, dando adeus aos sons que as cachoeiras emanavam, à serra que apontava para o céu e me indicava um norte a seguir.

Mas voltei! Minha ideia sempre foi valorizar-te. E devo confessar: não sei se consegui. Na outra ponta, certamente eu constato: jamais fui valorizado por ti...

Enquanto isso, eu sonhava que sempre serias linda, pujante, progressista e magnânima. E, distraído, observei que, assim como eu, também envelhecestes; e pior: te tornastes, em face da omissão e da negligência, fraca, débil, esquisita, fria, modorrenta, feia e desdentada.

Mesmo com o teu quadro físico tão deplorável, os meus sentimentos continuam intactos, íntegros, te desejando na mesma intensidade anterior.

E ali do alto da serra, onde acabo ficando mais perto de Deus, a Ele peço pelo teu futuro numa nímia oração que traduz profundo amor e insano desejo que quase chega às raias da loucura, para ti exigindo proteção duradoura e um novo recomeço pleno de afirmação, outras conquistas e retumbantes vitórias.

Ah! Se eu pudesse voar na dimensão do espaço para operar o milagre que gerasse transformações tais, e te fizesse melhorar como ente e mãe dadivosa, que gera e acolhe tanta gente, amparando teu povo e lhe ofertando melhor qualidade de vida...

Porém, nem sempre o milagre acontece! E aí meus sonhos se metamorfoseiam em choros, desilusões, decepções e sensação de impotência, malogrando as minhas expectativas, visto as limitações que me abraçam; e, assim, sem espaços para voar, acabo vendo os meus limites e o céu que desejaria te ofertar fugindo entre os vãos dos dedos e condicionando a impossibilidade da realização dos meus devaneios, que deságuam em desencantos que custam a ir embora.

E eu sei que o meu é um grande amor nem sempre correspondido. Mas sou daqueles que armazenou no cérebro o pensamento “dar de si antes de pensar em si; mais se beneficia quem melhor serve”. Ou, ainda, “quem não vive para servir não serve para viver”...

Para mim, como na música popular, o dia a dia guajaramirense seria sempre “um cantar alegre de um viveiro”, jamais o sufrágio da indolência e da ausência de pertinácia, como processo de gestão.

Para mim, essa mãe generosa seria abraçada e beijada com sofreguidão filial desde o amanhecer até ao anoitecer, só deixando um espaço na demonstração desse louco amor enquanto essa santa mulher, tão feminina, estivesse no regaço do seu descanso, adormecida sonhando com os anjos, enquanto buscasse a recuperação para o exercício das ações exigidas no dia seguinte.

Mas, eu sei, és a terra, um dos meus únicos bens espirituais que ainda restam, e tenho receio de que um dia partirei de novo... E, ao sair de mansinho da vida guajaramirense, levarei como adeus a Serra dos Parecis na curva do meu itinerário derradeiro. Vou levar a imagem, na hora da despedida, no horário do último adeus e da última visão marrom e verde da serra que me representará na encenação da minha partida, pois só ela estará olhando daquela altura para o encontro do sol com as águas barrentas do meu Mamoré, tão caudaloso quanto acolhedor. Pelo menos ela continuará vívida, se encantando com aquele cenário que já não será mais meu, já não me encantará novamente. Todavia, uma distância geográfica jamais será motivo para sair das minhas doces lembranças e, de tão longe, das minhas imensas e imorredouras saudades...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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