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Paulo Saldanha

Doutor Mendonça Lima



Mais uma vez justifico a minha iniciativa de dar um start para informar a eventual leitor sobre os nomes de algumas avenidas da cidade de Guajará-Mirim. E reitero: há pessoas que me perguntam sobre “quem foi”, “quando foi”, “de onde era”, “em que fase passou a ser morador de Guajará”. Não revelando possuir pendores para contribuir com a História, mesmo assim, eis que me coloquei em campo e procurei fazer pesquisas.

É nome de uma das nossas avenidas. Foi médico e humanista, que logo se tornou um aguerrido membro da sociedade guajaramirense. Eu soube que era um homem afável, bem humorado e progressista. Agenciou mudanças em nome do progresso e da afirmação cidadã regional. Transformou-se, pois, em figura exponencial na obtenção de tais conquistas, até porque tinha excelente relacionamento na capital da província mato-grossense.

Por exemplo, recorro ao eminente Professor Abnael Machado de Lima* para situar, entre outros dados históricos, o valor do doutor Mendonça Lima, e transcrevo parte do memorial expandido pelo insígne historiador:“Concluída a construção da ferrovia “Madeira-Mamoré Railway”, em agosto de 1912, o governo de Mato Grosso instalou em 08 de outubro deste mesmo ano um posto fiscal no povoado, designando seu encarregado o guarda Manoel Tibúrcio Dutra. A desvalorização da borracha, decaindo de preço no mercado internacional a partir de 1914, forçou a empresa Madeira-Mamoré Railway a cancelar a execução do projeto de prosseguimento da ferrovia até São Luiz de Cáceres/MT, ligando as bacias Amazônica e Platina. E de uma extensão a Riberalta, daí seguindo até La Paz, ambas a partir de Guajará-Mirim. Sendo nesta concentrados os 368 gregos contratados pela empresa Madeira-Mamoré, aliciados pelo grego Frangulach, ao qual pagaram oito libras por cada dos recrutados.

Com o cancelamento do projeto, houve dispensa em massa dos trabalhadores da ferrovia, entre esses os gregos, muitos dos quais se radicaram em Guajará-Mirim. A suspensão da execução do projeto que transformaria a localidade em importante núcleo de conexão ferroviária não intimidou seus habitantes e nem arrefeceu o seu ânimo de luta em prol do progresso de sua localidade. Assim é que conseguiram a expedição da Resolução n° 869 de 26 de junho de 1922, criando o distrito de Esperidião Marques. E em 1926 a emissão da Lei n° 962, de 12 de julho, elevando o povoado à categoria de Vila. Continuaram empenhados para o alcance da autonomia política, emancipando-se da tutela de Santo Antônio do Alto Madeira. Contavam com seus líderes, destacando-se entre esses o médico José Mendonça Lima, assumindo o compromisso de ser o portador da documentação reivindicatória devidamente assinada pela população e expondo ao governador do estado do Mato Grosso, Dr. Mário Correia (nome da mais antiga praça da cidade fronteiriça), a justa procedência. Assim fez. A Assembléia Legislativa, após a apreciação do documento, considerando-o da mais elevada importância para a vida social, política e econômica dos proponentes, votou favorável ao seu atendimento. O governador, ao receber a aprovação do Poder Legislativo, expediu a Lei nº 991 de 12 de julho de 1928, estabelecendo o dia 15 de novembro de 1929 para a instalação do município e da comarca de Guajará-Mirim, desmembrados do município de Alto Madeira, com os seguintes limites e linha divisória: Ao Norte, o município de Porto Velho, tendo por linha divisória o rio Madeira, desde a foz do rio Jaci-Paraná até a foz do rio Abunã.

Ao Nordeste, Leste e Sudeste, o município de Alto do Madeira, tendo por linha de limites o rio Jaci-Paraná desde sua foz no rio Madeira até suas nascentes, destas prosseguindo pelos divisores de águas Mamoré/Ji-Paraná e Guaporé/Ji-Paraná até a nascente do rio São Miguel, daí prosseguindo por esses divisores de águas até a nascente do rio Mequéns. Ao Sul, o município de Alto Madeira, tendo por limite o rio Mequéns desde sua nascente até a sua foz na margem direita do rio Guaporé”.

Mais uma vez o emissário dos cidadãos guajaramirenses foi Dr. José Mendonça de Lima, “o qual conseguiu a revogação do Artigo 3° da citada Lei, sendo editados os atos de 1.088 e 1.089 de 06 de abril de 1929, determinando a instalação da comarca e do município de Guajará-Mirim no dia 10 de abril de 1929 e nomeando os cidadãos: Manoel Boucinhas de Menezes, Intendente Geral; José Martins Couto Machado e José Joaquim Guerra, 1º e 2º Intendentes; os cidadãos Dr. José de Mendonça Lima, Sandoval Arantes Meira, Basílio Magno de Arsolino, Carlos Corrêa Costa, José Salcindo, Miguel Farias, Pedro Struthos e Pedro Vieira, vereadores; Clóvis Serrão Ewerton, João Freire Rivoredo, José Cavalcante, Francisco Borges, Pedro Salvador Oliveira, Leocádio Pardo, Hugo Melo e Hermógenes Costa, suplentes, ficando assim constituído o Conselho Municipal.
          Às nove horas da manhã do dia 10 de abril de 1929, em sessão solene realizada na escola pública, presidida por Dr. João Mourano, juiz de direito da comarca, deu-se a posse aos nomeados Intendentes e aos vereadores membros da mesa diretora eleitos no dia anterior: presidente José Mendonça Lima, vice-presidente Basílio Magno Arsolino, primeiro-secretário Carlos Corrêa Costa, segundo secretário Sandoval Arantes Meiras. José Solecindo Santo, Miguel Farias e Pedro Struthos, 1°, 2°, 3° mesários, respectivamente. Guajará-Mirim (ex-Esperidião Marques) iniciava a sua trajetória de entidade política autônoma, pronta a pugnar por seus direitos.

Em 1937, seu povo, liderado pelo Coronel Paulo Cordeiro da Cruz Saldanha, encaminhou um documento ao Presidente da República Dr. Getúlio Dornelles Vargas, indicando como alternativa de solução ao isolamento e abandono a que se encontrava relegado o município a criação de um território federal no vale do Guaporé/Mamoré, tendo por sede a cidade de Guajará-Mirim”.

Note-se que, após o abandono pelos anglo-canadenses donos da Guaporé Rubber Company em 1931, o Coronel Saldanha assumiu o comando dessa organização, continuando o tráfego de barcos a vapor e a propulsão mecânica no rio Guaporé e seus afluentes, no trecho entre as cidades de Guajará-Mirim e a foz do rio Cabixi, e dando início já nesse ano a ligação com a cidade de Vila Bela, antiga capital do Mato Grosso, valorizando o comércio e a população ribeirinha.

Assim, a conquista obtida com a criação do Território Federal do Guaporé deveu-se à liderança do Coronel Saldanha, que foi estimulado pelos antigos moradores desta cidade, líderes como ele, inclusive o doutor José de Mendonça Lima, um talentoso negociador, um embaixador destas terras em Cuiabá, quando aqui exerceu, ele também, as elevadas funções de Cônsul brasileiro na vizinha Guayaramerín, cidade boliviana.

Esse povo altivo e nacionalista desejava que a capital do Território Federal do Guaporé, enfim criado em 13 de setembro de 1943, fosse, todavia, aqui na fronteira e não em Porto Velho. Agiu sabiamente o Presidente Getúlio Vargas entregando à Terra dos Caiaris a sede político-administrativa da unidade federativa, hoje Estado de Rondônia. A meu ver, os homens daquele tempo perderam a chance de mudar o nome da capital para outro mais sugestivo...

*(Fonte: ABNAEL MACHADO DE LIMA - Professor de História da Amazônia/Universidade Federal do Pará; Professor de Geografia Regional/Universidade Federal de Rondônia; Membro do Instituto Histórico e Geográfico/RO; Membro da Academia de Letras de Rondônia).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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